Famílias de migrantes vivem nas cidades de Maceió e Arapiraca, no Agreste
Há quase quatro anos, Anibal Perez Cardona, 34, teve que mudar sua rotina. Ele já não acorda com o sol morno, comum em sua antiga comunidade, para tomar café e, em seguida, separar seu principal instrumento de trabalho, uma canoa, para poder entrar em um dos rios da charmosa cidade de Tucupita, situada no estado de Delta Amacuro, no Nordeste da Venezuela. O pescador e sua família, da etnia indígena Warao, chegaram ao Brasil tentando abrigo e fugindo da crise no país, que perpassa questões políticas, econômicas e sociais. Na mala, poucos pertences e o sonho de uma vida melhor.
Por lá, já não existiam à disposição de Anibal e de milhões de habitantes do país insumos básicos para a sobrevivência. Nos supermercados, o cenário era desolador. Alimentos, medicação, dentre outros itens estavam cada dia mais distantes da mesa. Foi então que em 2019 o venezuelano teve que tomar a difícil decisão de deixar a terra natal para tentar ter mais estabilidade no Brasil. “Com a crise, já não encontrávamos dinheiro em espécie nas agências bancárias. Quando conseguíamos, ele não tinha valor. O salário mínimo não era suficiente para comprar um par de sapatos. Havia alguns produtos básicos, mas com preços altíssimos, que não podíamos pagar. A situação era insuportável. Além de pescador, sou professor e promotor social. Estou com a minha mulher e meus três filhos por aqui. Em Alagoas, cheguei há quase dois meses”, conta Perez.
No caminho para o destino atual, inúmeras horas de ônibus e barcos. E, no meio do trajeto, a família aumentou. Os dois primeiros filhos – Naruanixon e Disauri – nasceram na Venezuela. A última, Kaina, de apenas um ano de idade, é brasileira. Rosaura Mora, esposa de Anibal, deu à luz a bebê enquanto vivia em um abrigo, em Natal, no Rio Grande do Norte.
“Por enquanto, não estou trabalhando, sobrevivo de doação. Tenho que sair procurando ajuda para poder sobreviver. Mas a gente está aqui resistindo. Hoje eu divido uma casa pequena com uma outra família, no Jacintinho. As dificuldades aqui são a moradia, um trabalho para o sustento e alimentos. Precisamos também de roupas e fraldas”, apelou o pescador.
De acordo com informações do Ministério da Cidadania, cerca de 260 mil refugiados e migrantes venezuelanos vivem no Brasil, atualmente. Para tentar dar suporte a essa crise migratória, o Governo Federal lançou a Operação Acolhida, que atende atualmente 50 mil refugiados e migrantes interiorizados para 675 municípios. A estratégia de interiorização conta com o apoio da Agência da ONU (Nações Unidas) para Refugiados (Acnur) e de outras Agências da ONU, bem como de entidades da sociedade civil.
Segundo dados da Plataforma de Estratégia de Interiorização do MDS, 12 pessoas da Venezuela, dentre os 50 mil refugiados e migrantes interiorizados pela Acolhida, estão em Alagoas, frutos dessa operação. Embora esse número seja o oficial, há, ao menos, entre Maceió e Arapiraca, 64 venezuelanos entre crianças, adultos e idosos nesta condição.
Acolhimento
Em Alagoas, a organização não governamental da Igreja Católica e organismo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a Cáritas, é um dos principais apoios para acolher e ajudar os migrantes. Os integrantes da entidade contribuem com questões burocráticas – como a retirada de documentos – a doações de alimentos e roupas.
“Eles chegam debilitados e com apenas o protocolo de refúgio recebido no momento em que atravessam a fronteira Brasil/Venezuela, geralmente na cidade de Pacaraima-RR, onde decidem o destino de sua viagem. A Cáritas de Roraima encaminha essas famílias para as organizações locais do destino escolhido. No local, começa o trabalho de regularização dos documentos de cada indivíduo. Levamos eles até a Polícia Federal para validar o protocolo de refúgio e expedir o registro nacional migratório-RNM, documento que assegura a legalidade de sua residência no Brasil”, explicou James Nogueira, secretário da Cáritas em Maceió.
Nogueira comenta, ainda, que muitas famílias venezuelanas estão integradas à sociedade alagoana, mas que desde março de 2021, a entidade tem passado por alguns desafios com os migrantes indígenas. Os Waraos têm costumes comunitários. Dentro de sua cultura, eles compartilham e trocam alimentos e artesanatos produzidos nas comunidade – sem valorar qualquer tipo de preço. Não existe exploração, nem abuso da natureza e do ser humano.
Nosso maior problema é encontrar um local adequado para fixar residência que seja próximo de um rio ou lagoa onde eles possam praticar a pesca e o artesanato. As crianças precisam de fraldas descartáveis e as mulheres de absorvente íntimo
Falta de condições de moradia
Em dezembro de 2021, o Ministério Público Federal (MPF) oficiou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Arapiraca (SMDS) para que prestassem informações atualizadas sobre a chegada dos indígenas da etnia Warao em Arapiraca, bem como informassem quais medidas emergenciais estão sendo adotadas para amparar a comunidade indígena venezuelana. O envio do ofício foi feito após fotos e vídeos viralizarem nas redes sociais. Nelas, era possível verificar que o grupo estava vivendo em um ambiente sujo, insalubre e sem condições de moradia.
À Funai também foram requisitados esclarecimentos sobre as medidas que vêm sendo adotadas pelo órgão indigenista para dar suporte aos indígenas, informações se o agrupamento pretende estabelecer estadia temporária ou permanente em Arapiraca, além de explicações sobre o local em que estão residindo os Warao no momento.
Após o fato, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social realizou uma reforma no espaço. Atualmente, o órgão entrega 10 cestas básicas e itens de higiene pessoal ao grupo que foi incluído nos programas e serviços socioassistenciais tais como Auxílio Brasil e Benefício de Prestação Continuada, além de efetuar o acompanhamento semanal das famílias por meio do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e do Serviço Especializado de Abordagem Social.
“As famílias são acompanhadas pelo 4° Centro de Saúde, que presta toda assistência necessária buscando o bem estar dessa população. A Prefeitura também realiza um trabalho articulado entre as secretarias objetivando a garantia de emprego e renda e a inserção das crianças em idade escolar na rede de ensino observando suas especificidades culturais. Atualmente, Arapiraca conta com 9 famílias migrantes totalizando 32 pessoas entre crianças, adultos e idosos”, diz um trecho da nota enviada à reportagem do Olhos Jornalismo.
A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Maceió para saber como é feita a assistência aos indígenas da capital. A gestão municipal informou que há ações na área de assistência social, educação e saúde e que todas as famílias já receberam ou estão recebendo o auxílio moradia da Secretaria Municipal de Assistência Social, como cestas básicas e tickets alimentação. Todos os núcleos familiares, de acordo com o executivo municipal, foram inseridos no Cadastro Único, estão com cadastros atualizados, são beneficiários do Programa Bolsa Família e receberam também o Auxílio Emergencial e as famílias que têm crianças com idade entre 0 e 6 anos são beneficiadas pelo Cartão Criança Alagoana (CRIA).
A reportagem do Olhos Jornalismo também entrou em contato com a assessora técnica da Superintendência de Políticas para os Direitos Humanos e a Igualdade Racial da Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), para obter mais informações sobre como funciona o Comitê Técnico para Ações aos Migrantes Vulneráveis de Alagoas, mas até o fechamento da matéria não obteve retorno.