Ivanilda da Conceição Gomes, Vânia Catadora ou Vânia Coopvila é uma mulher de 36 anos, moradora da Vila Emater II, que encontrou uma oportunidade de mudar de vida a partir da Cooperativa dos Catadores da Vila Emater (Coopvila).
Hoje é mãe, filha, irmã, sócia, representante de movimentos sociais e luta por aqueles que não são assistidos pelo Estado, os que são colocados à margem e precisam ter seus direitos garantidos. Ela é responsável pela liderança das manifestações contra a prisão injusta do gari Walkides Santos, ocorrida no início deste ano, em Maceió.
Gomes nasceu em 1986, no Berço da Pátria — como é conhecida a cidade de Jaboatão do Guararapes — , e mais tarde passou a ser conhecida como Vânia Catadora. Aos quatro anos de idade, deixou as memórias dos Montes Guararapes para construir a sua história em um novo destino.
Passou a morar com sua família adotiva no Jacintinho, conhecido por ser um dos bairros mais populosos e com altas taxas de violência da capital alagoana — com população de 86.514 habitantes, de acordo com dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.
Teve a infância e adolescência marcadas por desafios: ter sua atenção dedicada à mãe, pessoa com deficiência física. Aos 19 anos, a rota da sua vida foi recalculada. Ela decidiu sair de casa. Com um bebê de nove meses, uma bolsa com roupas e leite, partiu em direção a residência de uma amiga, onde foi acolhida e passou a trabalhar com a catação de lixo, para garantir o seu sustento e de seu filho.
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A reportagem do Olhos Jornalismo conversou com Gomes sobre seu papel nos movimentos sociais e sua participação na política alagoana. Confira o bate-papo logo abaixo:
Lílian Santos – Quando você começou a trabalhar como catadora?
Vânia Gomes – Comecei a partir do momento que eu me rebelei e saí de casa, fui em direção a vários lugares mas acabei aqui na comunidade. Antes disso, eu morava com o pai do meu filho lá no Morro do Ari [no Jacintinho], depois que me separei fiquei sabendo que as pessoas que moravam lá vieram pra cá. Foi aí que pensei em vir passar uns dias, mas ao chegar, recebi o apoio de uma colega. Depois fiquei refletindo e não quis mais voltar pra casa porque já é difícil uma pessoa ser oprimida sozinha, imagine a partir do momento em que você é mãe. Então doía muito mais em mim a partir do momento em que eu via coisas relacionadas ao meu filho.
Recebi apoio dessa minha colega, mas ela disse que a única atividade ali era a catação de lixo, e como ela sabia que eu não tinha experiência me deixava cuidando das crianças — no tempo tinha duas filhas — e das tarefas domésticas, depois ela disse que ia me ensinando.
No começo, eu ia mais aos domingos que a gente chamava de dia do arrego, era especificamente os dias em que os caminhões vinham com mercadorias alimentícias quase vencidas e a gente ficava lá pra preparar, separar e trazer pra dentro de casa pra comer, carro da verdura, da fruta… Aos poucos eu fui aprendendo como é, tinha uma disputa muito grande, principalmente com os homens que tinham mais habilidade. Mas não demorou muito tempo eu me casei com o irmão dessa companheira e depois já não fui mais, ficava em casa e só ia aos domingos para o arrego.
L.S – Quando você começou a fazer parte da Cooperativa?
V.G – Então, nesse meio tempo, a discussão sobre a cooperativa já ia começando e eu fui me interessando pelo assunto, fui começando a participar das reuniões, das assembleias, da discussão com a comunidade sobre a criação da cooperativa.
Eu me separei, minha mãe descobriu onde eu tava, veio aqui e levou meu filho, disse que não era a vida que ela queria pro neto e nem pra filha dela, quis me levar mas infelizmente eu não fui, então ela levou ele, eu fiquei aqui e fui aproveitando as oportunidades que a vida foi me dando de participar da Coopvila. Em 2009, comecei a trabalhar, me filiei à Cooperativa, fui aprendendo, me tornando uma nova pessoa, me tornando capacitada, sendo lapidada para trabalhar na catação de uma forma mais digna, sem ser no lixão com todo o lixo da sociedade, com bicho, gente morta, com tudo.
L.S – No início, o que você fazia dentro da cooperativa, qual sua principal função?
V.G – Era cooperada normal, porque aqui a gente entra e não tem uma atividade específica, fazemos todas as atividades e é isso, cooperar, é um com o outro, independente de qualquer coisa. Com o tempo, fiquei como tesoureira da cooperativa, depois de todas as capacitações, dos cursos que a gente sempre recebe. E no começo foi bem enfatizado isso porque estávamos acostumados a trabalhar de uma forma, principalmente os companheiros mais antigos, e íamos iniciar uma outra maneira, diretamente com a sociedade, até se preparar mentalmente e fisicamente para enfrentar o preconceito da sociedade a partir do momento que você é catador, eles já tinham um olhar diferenciado e foi trabalhado isso também.
L.S – E hoje qual seu papel?
V.G – A Cooperativa é de sócios, nós temos hoje 28 cooperados, todos eles são donos do seu próprio empreendimento. Passei pela tesouraria, fui vice-presidente, depois presidente e hoje estou novamente como tesoureira, mas encerro este meu ciclo na segunda-feira (28) com muito trabalho e muita luta. Mas mesmo estando na diretoria, fazia as outras atividades e ocupava os espaços de políticas públicas voltadas aos catadores de materiais recicláveis.
L.S – Agora você vai continuar como sócia?
V.G – Fico como sócia e estou representante dos catadores do estado de Alagoas e ainda represento a cooperativa em alguns espaços de debate político voltado à economia solidária, como o Fórum Estadual de Economia Solidária e outros espaços políticos que os companheiros acharam de acordo que eu continuasse por já ter o manuseio da palavra e de defender os nossos direitos.
L.S – Como funciona o trabalho dentro da Cooperativa?
V.G – No dia a dia, a gente tem uma coleta a cumprir, então de segunda a sexta, a gente tem coleta em algumas partes da cidade de Maceió. A Coopvila é focada na parte de residência da Ponta Verde e Pajuçara, então diariamente saem dois caminhões com quatro companheiros, recolhe o material e os outros ficam aqui fazendo a triagem. Tria o material por tipo/categoria, faz a quantidade em big bags e depois disso coloca na prensa, para prensar. Depois, prepara para a comercialização que é geralmente entre os dias 15 a 20, porque com o dinheiro do material reciclável a gente separa para o fazer o rateio.
L.S – Você já falou um pouco sobre seu papel social dentro da cooperativa e de outras políticas públicas para ajudar essas partes minoritárias, a partir disso, queria saber como você enxerga seu papel social dentro da Cooperativa, o papel da Vânia de luta?
V.G – Eu enxergo como um papel importante, não só porque sou eu que tô ocupando. Eu me sinto importante porque quando dizem que vamos pra qualquer lugar falar da categoria dos catadores, falar dos direitos, o nome indicado é o meu. A cooperativa me deu essa oportunidade de aprender e eu agarrei. Aproveitei para mudar, para adquirir conhecimentos, não pela cooperativa, mas pra mim como mulher, negra, morando em periferia, de me preparar para a vida, pra sentar em uma mesa e defender a mulher negra, catadora e periférica.
Eu vejo que o meu papel é importante não só perante a minha base, mas também a comunidade onde eu moro. Então, me sinto honrada, valorosa, vejo esse papel que ainda é pouco porque queria que outras companheiras — não só da minha base —
se sentissem assim e se dessem a oportunidade disso. Eu zelo muito por isso, quero muito um dia sentar em uma mesa e dizer “hoje não tem só a Vânia como representante, tem Maria, Joana, Cícera”.
L.S – E o que você diria para a Vânia de 19 anos que saiu de casa com um bebê no colo?
L.S – O que você conseguiu conquistar depois que enfrentou o desafio de ser catadora e começou a fazer parte dos projetos sociais?
Eu adquiri o meu canto que eu posso dizer que é meu, minha casa, sei que a gente vem enfrentando uma desigualdade social enorme porque eu tenho uma casa mas ela é de tábua, é um barraco, mas é meu, posso bater no peito e dizer que comprei com o meu suor. E adquiri conhecimento, eu costumo dizer aqui na minha base que o conhecimento vem pra todos, adquire leva pra vida quem quer realmente mudar. Se tem uma coisa que eu agradeço primeiramente à Deus e em segundo a Coopvila foi a oportunidade de ter me dado possibilidade de aprender.
Eu tinha duas escolhas, ou eu pegava essa chance e participava só porque a cooperativa tava ajudando ou eu pegava e usava pra mim, pra mudar como humano e eu fiz isso.
Hoje eu sou a Vânia mas não sou só a Vânia, sou a mulher, a catadora que representa o estado de Alagoas na categoria de Catadores, sou a Vânia que faz parte de vários movimentos sociais.
L.S – Quais são seus sonhos?
V.G – Meu grande sonho é que todos nós possamos ter uma moradia digna, possamos ter alimentação, saúde, educação, que todos nós povo pobre, periférico, independente de mulher, homem, criança tenha uma vida digna e tenha todos os direitos que a constituição diz que nós temos mas que na prática é diferente. E meu outro sonho é me formar e quero continuar na minha base trabalhando, com mais qualidade, mais qualificação para ajudar meus companheiros não só da minha base mas de todo o estado. E um dia ainda, quando eu estiver velha, quem sabe, numa cadeira de balanço e poder olhar pro lado e me emocionar com toda a luta que eu enfrentei, mas de tá sentada numa cadeira de balanço e ver meus filhos todos juntos.
L.S – Além desses projetos dentro da Coopvila, você participa de algum outro?
V.G – Eu estou na representação estadual do movimento de catadores, também no MLB que é o Movimentos de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas de moradia e faço parte do Fórum de Economia Solidária que já é voltado para as políticas de empreendedorismo, de trabalhar a cooperatividade, o coletivismo. Faço parte de um partido, que é novo focado realmente no povo pobre, periférico e trabalhador.
Pela primeira vez na história de Maceió teve uma mulher preta, periférica, catadora de materiais reciclados concorrendo à Prefeitura de Maceió como vice-prefeita. Isso é um tapa na sociedade que diz “como assim?”, na cabeça deles já vem assim “opa, a senzala tá acordando”, eles já tremem na base.
L.S – A partir de qual momento você começou a participar da política?
Foi feito um convite que eu não quis por não sentir estar preparada, porque uma coisa é o que fazemos aqui na cooperativa, políticas públicas baseadas no diálogo e não partidária. Só que aí eu analisei, se eu reclamo tanto do que está posto, se eu reclamo tanto da política não mudar, ser sempre apadrinhada por quem tem dinheiro, por quem está em berço de ouro, eu só posso parar de reclamar a partir do momento que eu fizer algo para que isso mude. Sei que não vai ser uma coisa do dia para a noite, mas só dá sociedade saber que tem pessoas periféricas lutando para chegar onde eles estão, eles vão tremer na base.
Foi aí que eu tentei, mas as coisas nunca acontecem como a gente quer. Eu tinha na minha mente que na primeira eleição de Maceió eu ia ser vereadora, só que da noite para o dia mudou para vice-prefeita. Como quem tá na chuva é para se molhar, vamos lá, vamos mostrar para sociedade brasileira, principalmente para nossa cidade Maceió, que a prefeitura precisa que o povo a ocupe. É o povo que sente na pele o que é não ter alimentação, educação, não ter uma moradia digna, a gente precisa ocupar esses espaços.
L.S – Pra gente fechar num clima mais leve, queria saber sobre coisas que você gosta de fazer nas horas livres, o que você gosta de escutar…
De música eu sou bem eclética, mas gosto mais das músicas antigas que tem letra. Nas horas vagas eu gosto de ficar com a minha mãe, apesar de às vezes a gente se estranhar, mas amo ficar com a minha família, com meus amigos. Gosto de assistir, às vezes de ler e dar atenção àquelas pessoas que se importam comigo e eu sei que muitas vezes na correria faço falta, gosto de ir à praia, de beber, de dançar. Adoro trocar de cabelo, fazer minhas unhas, nos meus momentos vagos gosto de cuidar de mim, gosto de me sentir mais mulher do que já sou.
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