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A poética de Bruno Ribeiro

Em processo de lançamento do segundo livro, autor concedeu entrevista ao OQOONV

O livro Travessia e sopro (2020), Trajes Lunares, segundo livro do poeta, professor e doutor em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Alagoas — Ufal, Bruno Ribeiro. O autor faz a sua travessia do verso explorando imagens que ganham força, ao passo que consegue trazer ao leitor sensações, assim como faz a música.

A obra será lançado em breve. São poemas que dialogam com o corpo, esse mesmo corpo que tem movimento, que rende-se a musicalidade — sem pretensão. Mas também é silêncio. “Neste livro, os dizeres do corpo são imagem e música. Como água e vento. Travessia e sopro”, expõe.

A obra foi nascendo aos poucos, como diz o autor, no silêncio quase total. “Eu penso que cada coisa tem o seu tempo, que exige um ritmo próprio. Depois de publicado o Das horas, IORG, em 2014 [primeiro livro de poemas do autor], eu quis me dar um tempo. Mas logo me veio uma ideia, ainda confusa, para um novo projeto, e fui trabalhando nele, devagarinho. Pensei inicialmente na imagem da ponte, desse entre lugar, mais ou menos como na canção de Lenine, do ‘caminhar sobre as águas desse momento'”, afirma.

O livro foi tomando forma com o passar dos anos. As vivências e leituras durante o processo do seu doutorado ajudaram neste sentido. Ribeiro disse que os poemas foram surgindo a partir da imagem do corpo, de seus humores, relacionado com a linguagem. “Língua, saliva, vozes, desejo”. A obra foi forjada por meio dessa relação e dessas imagens. “Quando percebi que já tinha um livro, e que ele já tinha cara e corpo, resolvi buscar meios de publicá-lo”.

Travessia e sopro (2020) antes mesmo de ter uma editora foi enviado para algumas editoras. A resposta não veio. Com a pandemia da Covid-19, a espera só aumentava. Nesse meio tempo, alguns poemas foram publicados em algumas revistas e jornais. Três deles saíram no Jornal Rascunho e outros dois serão publicados na segunda edição da METEÖRO, revista anual de poesia da editora paulistana Corsário Satã.

“Isso me trouxe uma alegria reconfortante, me fez acreditar mais no livro. Foi mais ou menos a partir daí que as conversas com a Trajes Lunares começaram, através do amigo e editor, Nilton Resende, que já tinha lido o livro pouco antes do ‘nascimento’ da editora, mas muito rapidamente. Ele gostou do livro, e me fez uma proposta. Aceitei depois de uma brevíssima reflexão. Eu sabia que, com os cuidados editoriais do Nilton, o livro e eu sairíamos muito melhores dessa experiência. De fato, o livro ganhou mais corpo, amadureceu. Estou muito feliz com o resultado”, defende.

O O que os Olhos Não Veem conversou com o autor sobre a nova publicação e o bate papo você confere abaixo:

Jean Albuquerque — Por que escolheu lançar por uma editora independente? Qual a importância delas?

Bruno Ribeiro — As editoras independentes têm sido um importante meio de resistência e de circulação de obras literárias (e não apenas literárias). Acho fundamental que esses espaços se fortaleçam. Aqui em Alagoas é inegável a importância da editora da Imprensa Oficial Graciliano Ramos, que possibilitou a publicação de diversas obras e ajudou a formar por aqui um público leitor bastante diversificado. A partir dessas publicações, muita gente conheceu o meu trabalho e eu pude conhecer o trabalho de outras tantas pessoas. Mas penso que não podemos e nem devemos nos limitar a apenas um meio de publicação, acho importante termos opções de escolha. Eu sou leitor de diversas editoras independentes. Muitas obras bacanas foram publicadas por essas editoras. Se eu, enquanto leitor, estivesse centrado apenas nas grandes editoras, eu não teria conhecido tanta gente interessante. E isso vai criando uma rede, que circula às margens do mercado editorial tradicional. E o horizonte assim vai se ampliando. Eu queria, já desde o início do projeto, publicar por alguma editora independente. Eu queria participar mais ativamente do processo como um todo, e ter mais autonomia. Este livro me permitiu fazer diversas parcerias com pessoas que admiro muito. É também gratificante publicar por uma editora que não visa apenas o lucro, e que valoriza a obra e a autoria. Quanto à circulação, isso é relativo. Há diversas redes de circulação, e a internet tem sido decisiva nesse processo. Não deixa de ser um desafio, mas até isso deixa o processo mais dinâmico e democrático.

J.A. — Houve um hiato entre o lançamento do primeiro livro e o Travessia e sopro (2020). O que mudou? Por que demorou para lançar o segundo?

B.R. — Se olharmos apenas para as publicações desses dois livros – o Das horas (2014) e o Travessia e sopro (2020), há sim um longo hiato entre eles. Mas nesses seis anos muita coisa aconteceu. Ainda em 2014, participei, junto com os poetas e amigos Igor Machado, Milton Rosendo, Brisa Paim e Nilton Resende, da elaboração do projeto Amores ébrios, que foi contemplado em edital e que só chegou ao público em 2017. Foi um processo longo, rico e, muitas vezes, desgastante, cansativo, mas gratificante ao final. Nesse mesmo período, entre os anos de 2015 e 2019, estive no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguísticas da UFAL, na construção e defesa de minha tese de doutorado sobre a obra de Itamar Assumpção. Período em que precisei dedicar muito tempo às leituras e produções acadêmicas. Travessia e sopro surgiu em meio a todo esse caos, além, claro, das outras muitas coisas, no âmbito pessoal e profissional (sou professor e trabalhei durante todo esse tempo). Então, nesse contexto, acho até que não demorou tanto quanto parece.

J.A. — Com um novo lançamento vem a expectativa de que a obra possa vir melhor do que a anterior. Você sente um pouco desse peso?

B.R. — Cara, eu evito criar expectativas. Mas entendo essa questão, até porque o Das horas ainda repercute muito bem. Foi um livro que me surpreendeu nesse sentido. Ele é lido até hoje, seis anos depois de publicado. Poemas foram musicados, um deles foi até traduzido para o espanhol. Recentemente, o livro foi lido e comentado em cursos de graduação em Letras no estado; teve até poema estudado em dissertação de mestrado na UFAL; fora os comentários e postagens em redes sociais, que vez ou outra circulam por aí. Então isso acaba gerando sim uma expectativa em relação a este segundo livro, embora eu tente não alimentá-la. Cada livro tem seu tempo, tem seu ritmo, sua vez e sua voz (ou vozes). O Travessia é outra história. Eu só sei que trabalhei bastante nele. Tive assumidamente a pretensão de escrever um livro bom, ao menos para mim, para as minhas próprias expectativas. Agora, se ele vai atender ou não às expectativas dos leitores e das leitoras, aí não é mais comigo, não posso responder por expectativas criadas por outras pessoas. Esse peso eu não quero sentir nem carregar. Tenho buscado mais a leveza. A recepção será sempre um mistério. Estou disposto a aceitá-lo.

J.A. — O livro está sendo editado por um amigo (Nilton Resende, editor da Trajes Lunares). Fala um pouco dessa experiência.

B.R. — Sim, acho importante falar disso, afinal eu tive a sorte e a alegria de ter um livro editado por um grande amigo. E isso, ao contrário do que talvez possa parecer, trouxe mais liberdade ao processo como um todo. Eu me senti muito mais à vontade para sugerir, indicar, perguntar, cobrar. Nós tivemos ótimas conversas sobre o livro, sobre todo o processo de construção dele, desde a capa até a dedicatória. Pra mim, foi também um grande exercício de humildade. Eu aceitei rever alguns textos. Às vezes concordando com as sugestões, às vezes não. Certamente eu não teria essa liberdade se não fôssemos amigos. E engana-se quem por acaso pensa que o Nilton faz o que faz apenas por amizade. O livro não está sendo publicado porque somos amigos, eu sei disso. O livro está sendo publicado porque ele acreditou no livro e em mim. E isso não é de agora. Somos uma construção. E Nilton foi até hoje a pessoa que mais me ajudou nesse difícil “ofício do verso”, desde o começo. A diferença agora é que há, além da amizade, uma relação profissional. E isso traz amadurecimento. Eu lembro de certa vez dizer a ele algo como: “não vou mais mostrar meus versos a você, preciso ouvir a minha própria voz”. Essa decisão foi importante pra mim, e foi um desafio que valeu muito a pena. Ele me entendeu e concordou comigo. E foi o que eu fiz. Desta vez, eu só mostrei a ele o livro “pronto”, quando só faltava lapidar um pouco mais a pedra. Nilton é um grande editor porque ele ama fazer esse tipo de trabalho. Ele tem o dom e a determinação de um grande editor, tem a vocação dos ótimos professores. E a atenção de um grande amigo.

J.A — Quais as leituras que acabaram influenciando o seu processo de produção?

B.R. — Além das de sempre, outras estão mais presentes neste livro, que é também uma homenagem às minhas leituras. Elas estão no livro, são partes constituintes dele. Por exemplo: Hilda Hilst, Manuel Bandeira, Ingeborg Bachmann, Yehuda Amichai, T. S. Eliot, Milton Rosendo, Magno Almeida, Natália Agra, Adriana Cavarero, Octavio Paz, Alejandra Pizarnik, Ítalo Calvino, Milton Nascimento, Itamar Assumpção, Luedji Luna e Gilberto Gil.

J.A. — A música sempre foi muito presente nos seus escritos. No novo livro também é possível notar uma certa musicalidade?

B.R. — Sim, ela está novamente presente porque é sempre uma presença em minha vida. Mas, neste livro, o Nilton, como editor, me chamou muito a atenção para o aspecto imagético dos meus poemas. Segundo ele, a força deste Travessia e sopro está mais em suas imagens. Eu penso que a música também evoca imagens, sensações. E como, neste livro, eu trato muito do corpo, o corpo pede música e dança, pede movimento. Som e silêncio. Neste livro, os dizeres do corpo são imagem e música. Como água e vento. Travessia e sopro.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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