Reportagem

A via crúcis para conseguir pílula do dia seguinte em Maceió

Reportagem percorreu capital alagoana para saber se protocolo estava sendo adotado

Há oito anos mulheres de todo o Brasil podem solicitar — sem receita médica — a pílula do dia seguinte nas unidades de atenção básica do SUS. A conquista, que facilitou o acesso ao contraceptivo de emergência, foi baseada em um protocolo do Ministério da Saúde.
Batizado de Levonorgestrel — medicamento usado para a anticoncepção hormonal de emergência — a medida se insere no contexto da Rede Cegonha “como medida eficaz para evitar a gravidez indesejada e, consequentemente, o aborto inseguro, contribuindo para a redução da mortalidade materna”.
Até 2012, a pílula já era distribuída gratuitamente, mas com certa dificuldade. Antes para obter o medicamento — que deve ser usado em até cinco dias após a relação sexual desprotegida — era necessário marcar uma consulta com um médico ginecologista.
Apesar da burocracia em tese ter diminuído, na prática ainda há muito entraves que afetam sobretudo mulheres que dependem unicamente do serviço público de saúde para poder ter acesso não só a esse, mas aos outros sete métodos gratuitos que garantem a autonomia em relação à saúde sexual e reprodutiva e ao poder de escolha sobre ter ou não filhos.
Para saber se o protocolo de acesso à pílula de emergência estava sendo adotado corretamente, a reportagem do Olhos Jornalismo percorreu oito unidades de saúde de diferentes bairros da capital alagoana. Antes disso, confirmamos via Transparência Ativa no site da Secretaria de Saúde de Maceió (SMS) a existência do Levonorgestrel na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume).
O primeiro local visitado foi a Unidade de Saúde da Família do Village Campestre, no Tabuleiro do Martins. Por lá, fomos informados que o medicamento havia acabado e só chegaria um novo lote a partir do dia 20 deste mês. Depois, a reportagem foi a Unidade de Saúde da Família do Graciliano Ramos. Contrariando a portaria do Governo Federal, o servidor da farmácia explicou que para proteger o erário só poderia entregar o medicamento com a receita médica.
Na Unidade de Saúde da Ponta da Terra, na parte baixa da capital, não encontramos pílula do dia seguinte. Desinformados, os servidores disseram que era impossível ter acesso ao medicamento específico nos postos de saúde. “No posto não tem, não. Vá no da Praça Maravilha”, explicou um servidor, em referência à localização da Unidade Dr. Diógenes Jucá Bernardes.
Seguindo a dica, chegamos à Unidade e, para nossa surpresa, a falta de informação foi ainda maior. De acordo com a servidora, o medicamento não é disponibilizado pelo SUS. “Não existe para as unidades, viu? Só comprando em farmácia”, ressaltou.
Na Unidade de Saúde da Família do Dique Estrada (Caique), a atendente da farmácia orientou que para ter acesso à pílula era necessário primeiro passar por uma agente de saúde da família, fazer um cadastro com nome e endereço da residência, só assim o medicamento poderia ser entregue.
Nos outros três postos visitados: Roland Simons (Vergel do Lago), Pam Dique Estrada e Durval Cortêz (Prado), as atendentes da farmácia seguiram a recomendação do Protocolo.
Unidades de saúde visitadas pela reportagem e medicamento Levonorgestrel (Fotos: Géssika Costa)

 

Sobre o assunto, a advogada Bruna Sales, que atua com Direito de Família, Violência Obstétrica e Violência de Gênero, explica que o Ministério Público pode promover uma ação civil pública pela ausência de cumprimento do protocolo.
“O MP pode no decorrer dessa ação, por exemplo, coagir o ente que a cumprir as determinações do Ministério da Saúde. É inegável que embora existam evidências científicas e previsões seguras, ainda há uma grande pressão social e preconceito com as pílulas. Além disso, há as dificuldades enfrentadas na rede pública no que concerne às deficiências técnicas e estruturais dos serviços de saúde”
Ainda de acordo com a advogada, a ausência de qualquer serviço público pode ser denunciada às autoridades competentes por meio das ouvidorias. No caso da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) o número disponibilizado é o 3315-5254, já se a denúncia for feita para algum órgão de saúde estadual o contato é o 0800-284.1945. O Governo Federal também possui seu canal por meio do Disque Saúde 136.
“Qualquer ausência nos serviços públicos deve ser noticiada às autoridades competentes. Hoje há os canais de denúncias/ouvidorias que são mecanismos importantes. Nessa perspectiva, é possível denunciar a falta de medicamentos, abuso no exercício da função e qualquer outro problema que o usuário possa se sentir atingido negativamente”, disse.
O que diz a Secretaria Municipal de Saúde?
A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde informou que os casos apontados na matéria quanto à falta de informação dos servidores serão apurados para que o protocolo seja seguido.
Sobre a falta de medicamento nos postos de saúde, a SMS argumentou que o produto encontra-se abastecido na Central de Abastecimento Farmacêutico e que o lote só é enviado após a solicitação das equipes que compõem a farmácia das unidades de saúde.
Quanto ao cadastro nas Unidades de Saúde da Família, o órgão municipal ressaltou que o procedimento que vem sendo adotado leva em consideração a determinação do Ministério da Saúde para as novas regras de financiamento do SUS. Isto é, a cada nova paciente da área atendida, o cadastro deve ser realizado no momento da chegada à unidade.
Saiba mais sobre a pílula do dia seguinte
Ginecologista Karine Tenório do Hospital da Mulher

 

A reportagem procurou a médica ginecologista do Hospital da Mulher Drª. Nise da Silveira (HM), Karine Tenório de Lucena para ajudar a tirar as dúvidas sobre a PDS. De acordo com a especialista, é preciso destacar que o contraceptivo de emergência não protege de nenhuma doença sexualmente transmissível (DST) e que a orientação — antes de tudo — é procurar um profissional da área da saúde para adequar algum método contraceptivo que melhor se adapte à realidade de cada mulher.
Confira a entrevista a seguir:
G.C. – Muita gente se refere à PDS como uma “bomba de hormônio”, isso é verdade?
K.T. – Não, não é verdade. Ela tem uma ação de inibir a ovulação, lógico que ela vai alterar o ciclo menstrual, mas não pode ser enquadrada como uma bomba de hormônios como muitas pessoas pensam.
G.C. – Em quais casos ela deve ser usada?
K.T. – Em várias situações: se a mulher esquecer a pílula anticoncepcional por mais de um dia, se ocorrer algum abuso sexual, se houve um deslocamento do DIU que ela faz uso, no caso de deslocamento do anel vaginal (nuvaring) ou em situações de pacientes que fazem uso de uma substância chamada desogestrel (cerazette/nactali).
G.C. – Há contraindicações em relação ao uso desse contraceptivo de emergência?
K.T. Não há contraindicações absolutas para nenhuma paciente. Desde a adolescente a aquela que está em processo de transição para menopausa e que ainda menstrua de forma irregular.
G.C. – Deve-se utilizar a pílula do dia seguinte menstruada?
K.T. Se a mulher está menstruada não tem indicação de usar a pílula, porém algumas mulheres menstruadas ainda podem ter o óvulo. Então, na dúvida, a melhor opção é usar a pílula.
G.C.– Como ela age no organismo? Ela é abortiva?
K.T. Ela não é de forma alguma abortiva. Ela age no organismo inibindo a ovulação ou atrasando a ovulação, também alterando a questão do muco cervical e a motilidade das trompas onde acontece a fecundação. Agora, mesmo utilizando a pílula há algumas situações que ela não é eficaz porque se a mulher já ovulou, ela não vai bloquear, ou seja, a mulher pode engravidar, sim.
G.C. – A pílula do dia seguinte protege durante os outros dias do mês?
K.T. Não. Se você tomou a pílula e daqui a dois três dias teve outra relação desprotegida ou sem nenhum outro método contraceptivo, vai ter que tomar outro comprimido. Ela não funciona no restante do mês.
G.C.– Há algum grupo específico que pode ter a eficácia diminuída ou não funcionar?
K.T. Existem mulheres que tem o índice de massa corpórea acima de 25 – 29 (sobrepeso) ou mulheres obesas que a pílula pode não funcionar nessas situações. Assim como pacientes que fazem uso de topiramato (para enxaqueca), erva de São João (antidepressivo) e alguns benzodiazepínicos (ansiolíticos).
Géssika Costa

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