Texto: Géssika Costa
Fotos: Janderson Felipe
O ano é 2001. O google estava surgindo, o país entrava no maior racionamento de energia de sua história, a “crise do apagão”: desencadeada pelos baixos investimentos no setor e a escassez de chuva nas regiões Nordeste e Sudeste. Abril Despedaçado, dirigido por Walter Salles, estreava nas telonas, mas nada mais importava para os jovens que frequentavam a Master Show, a Scorpions ou a Estrela do Som.
Envolvidos pelo reggae love, os finais de semana que sucederam o início do século XXI eram embalados por um tom romântico dançante. Nos toca-cds dos bairros da periferia e nas rádios comerciais e comunitárias não havia mais espaço para outro ritmo.
Ninguém segurava Luana Freire dos Santos e seus hits que fizeram muitos casais dançar orelha com orelha nas discotecas e casas noturnas espalhadas pelos bairros da capital, nas cidades do interior e até em outros estados.
Numa Alagoas marcada pela perseguição aos ritmos musicais marginalizados e pela ausência de cobertura midiática às manifestações culturais periféricas, Luana do Reggae rompeu todas as barreiras.
Em 2005, vítima de um golpe do próprio empresário, a cantora e os seus músicos – sem suporte financeiro – não conseguiram tocar a banda para frente. O tempo passou e os sucessos “Ainda te amo demais”, “Não dá mais” e “Sei que você vai voltar para a Argentina” saíram do top 10. Sete anos depois, Luana virou notícia ao disputar eleição pelo PTN para concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores de União dos Palmares, na Zona da Mata alagoana. Não conquistou nem o próprio voto.
Longe dos holofotes em terras caetés e fora do cenário musical, muita gente ainda pergunta: afinal, onde está Luana do Reggae?
Confira entrevista da cantora ao O Que Os Olhos Não Veem abaixo:
Géssika Costa – Após toda essa trajetória, marcada por altos e baixos, você ainda continua na música? Luana do Reggae – Não, saí de Alagoas há seis anos. Tenho 38 anos, duas filhas, Anita e Maya e trabalho com vendas em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
G.C. – Você tem saudades dos palcos e de tudo que viveu?
L.R. – Tenho muita saudade de cantar e sentir a energia do público, mas hoje vejo que eu não estava tão preparada. Era jovem e conheci o lado ruim das pessoas que trabalham nesse meio, principalmente a partir do momento que os meus empresários destruíram os sonhos de 25 pessoas que trabalhavam na banda.
G.C. – Pode contar o que de fato aconteceu?
L.R. -Todo dinheiro que nós conseguimos arrecadar com os shows no auge do sucesso para investir na banda foi desviado. Os empresários desviaram tudo. A parte mais difícil nesse mundo é confiar com quem trabalha. Você tem que lutar contra empresários que podem te enganar. Então, em quem confiar? O dinheiro seria para gravar cd, divulgar nossa música, só que quando você não trabalha com pessoas que não são honestas não há como seguir, não tem como ir para a frente. A gente suou, trabalhou, comprou instrumentos musicais para a banda e tudo isso foi levado.
G.C.- A banda se desfez após esse episódio?
L.R. – Acabou em 2004/2005, justamente quando lancei o terceiro cd. Quase entrei numa depressão, passei um ano meio reservada. Só Deus me deu forças para levantar novamente com fé e recomeçar. Tínhamos dois tecladistas, bateristas, dançarinos, percussionista, muita gente, sabe? Não havia tanta estrutura e foi uma época que começaram a proibir shows de reggaes em algumas cidades. Ainda conseguimos chegar nos lugares apenas com teclado e voz. Praticamente comecei a fazer só apresentação em circos das comunidades. Mesmo com inúmeras dificuldades, eu tentava buscar um lado bom. Conheci locais que eu nem sabia que existiam, conheci gente, pessoas especiais em Palmeira dos Índios, em Estrela de Alagoas, por exemplo. Gratidão mesmo com tudo que aconteceu. Nada é por acaso.
G.C. – Como foi para você lidar com a fama e o sucesso?
L.R. – Quando comecei a gravar entre o final de 98 início de 99 vi que a minha música foi aprovada, só que eu não aparecia. Ninguém sabia quem era a pessoa por trás daquela voz. Eu passava nos bairros, na rua e escutava. Era uma emoção. Agora quando eu percebi mesmo que o alagoano realmente aprovou foi no natal de 2001.O cd que eu gravei na casa do DJ Marquinhos Rasta estava tocando em todas as casas, com a minha voz desejando feliz ano novo, feliz natal. No Joaquim Leão, no Vergel, no Jacintinho, em outros bairros. A ficha começou a cair. Comecei a preparar mais músicas e quando o Jeferson Morais, do canal 5, me chamou para a TV, para marcar uma entrevista, entendi que a minha música estava tocando muito. Ele foi o cara que acreditou e bancou o meu cd à época.
Depois disso, sempre fazia show aos finais de semana. Muitas vezes sexta, sábado e domingo e até três eventos numa noite só. Fui a Feira de Santana, na Bahia, a convite de uma rádio de Salvador e os hits também chegaram em outros estados da região. Por aqui, toquei na Master Show, no Galpão, na Baila 2000, na Scorpions, Estrela do Som entre outras boates. Algumas composições eram minhas, outras de amigos. Tem o Melquezedeque, a Viviane, o Zuza, o Alexandre Costa e muita gente boa.
G.C. – Voltando um pouco para as suas raízes, quem te apresentou ao reggae?
L.R.– Marquinhos Rasta foi o cara que abriu os meus olhos e disse assim: ‘Luana, mulher também canta reggae’. Antes eu achava que a gente não podia, que só servia para backing vocal, mas nunca ficar na frente. Eu via, inclusive, os exemplos internacionais como o da Rita Marley em alguns vídeos com o Bob, mas ela não era a cantora, era a backing vocal. Todos os exemplos que eu acompanhei eram apenas de homens.
G.C. – Chegou a sofrer preconceito por ser mulher e cantar reggae?
L.R. – Quando íamos tocar muita gente questionava o que eu ia fazer numa discoteca. Eles pensavam: ‘Como assim uma mulher no meio?’, ‘O que você está fazendo aqui?’. Além disso, sempre usavam argumentos de que o ritmo era de pessoas envolvidos com coisas erradas. Por várias vezes, apesar de ter público, algumas cidades do interior foram proibidas de promover eventos com reggae, o que nos prejudicava.
G.C. – Sempre foi o seu objetivo seguir carreira na música?
L.R. – Desde os meus cinco anos de idade eu sabia o que queria. Sempre disse que queria cantar, que ia gravar um disco. Comecei mesmo a cantar no palco em 1998. A primeira música foi lançada no mesmo ano e se chamava Melô da Luana 99. Gravei alguns cds: o primeiro Luana e Banda, depois Luana Ao Vivo e o último que infelizmente não foi para a fábrica – devido ao que aconteceu – foi batizado de Cruel. Depois gravei umas músicas ao vivo, no show, então veio um quarto cd, Só as Melhores Ao Vivo. Também lancei Tão Sozinha. Músicos como Oswaldo Silva, Alex Melo e Regnaldos também fizeram parte da minha discografia e vice-versa.
G.C. – Em linhas gerais, você acha que ainda existe preconceito com o ritmo?
L.R. – Já existia preconceito em 1998… tanto que quando eu comecei a cantar muita gente ficava falando muitas coisas ruins. Cantar reggae é isso, cantar reggae é aquilo e hoje ainda tem muito desse pensamento tanto para quem canta quanto para o regueiro. Então, para uma banda de reggae nem todas as portas se abrem, não é em todo o evento que contrata.
G.C. – Como foi a sua passagem por Alagoas no Encontro dos Gigantes, na Conexão Serraria?
L.R. Foi muito bom voltar a Alagoas em maio e sentir a emoção dos palcos. Meu tecladista, o Sérgio, que sempre tocou comigo, pensou que eu fosse esquecer as minhas músicas, mas eu não esqueci. Risos. Reencontrei muita gente que fez questão de estar presente, revi minha família, pude tocar, abraçar, conversar. Cheguei na madrugada de sábado, no voo das 4h da manhã e praticamente não dormi. Foi rápido, mas graças a Deus deu tudo certo. G.C. – Quais são suas inspirações no mundo da música?
L.R. – Gosto muito de Elis Regina, Djavan, Marisa Monte, Jota Quest, Roberto Carlos, Cidade Negra, Zezé di Camargo & Luciano, Leandro e Leonardo. Eu cantava muita música sertaneja na adolescência. De forró era Mastruz com Leite, Brucelose, Chamego de Menina,Cavalo de Pau, Baby Som, Magníficos. Esses músicos me inspiraram a fazer o reggae love. G.C. – Para finalizar, como você se define hoje? L.R. Luana do Reggae é uma sonhadora, tem muita fé e é muito amiga. Não desiste tão fácil, confia demais nas pessoas e talvez esse seja o meu erro… confiar muito.
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Aqui em Salvador o som dela é nostálgico, se escuta nas periferias e pelourinho durante as madrugadas até hoje.