Embora o Censo 2022 mostre avanços na alfabetização, a vulnerabilidade à desinformação no Brasil atinge tanto os menos escolarizados quanto aqueles com ensino completo
Por Agência Lume e Olhos Jornalismo – Felipe Ferreira, Felipe Migliani, Fernanda Calé e Jean Albuquerque
O Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela importantes avanços na alfabetização no Brasil, mas também destaca as persistentes disparidades que afetam diferentes grupos da população.
Entre os 163 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais, 93% são alfabetizados, uma melhora em relação a 2010, quando a taxa era de 90,4%. As taxas de analfabetismo também variam com a idade, refletindo a transição geracional no acesso à educação.
Enquanto os jovens de 15 a 19 anos apresentam a menor taxa de analfabetismo (1,5%), as pessoas com 65 anos ou mais são as mais afetadas, com uma taxa de 20,3%. O impacto do gênero é menor, mas ainda relevante, com 93,5% das mulheres e 92,5% dos homens alfabetizados.
Regionalmente, as diferenças também são acentuadas. A região Sul, com 96,6%, e o Sudeste, com 96,1%, têm as maiores taxas de alfabetização, contrastando com o Nordeste, que apresenta a menor (85,8%).
A desigualdade educacional se torna ainda mais evidente quando comparamos estados como Alagoas e Rio de Janeiro. Alagoas, com uma taxa de alfabetização de apenas 82,3%, enfrenta desafios estruturais na educação, refletidos nos baixos índices de aprendizagem adequada no Ensino Fundamental (27,7%) e Médio (20,7%).
Em contraste, o Rio de Janeiro, com uma taxa de alfabetização de 93%, tem resultados superiores, com 47,3% dos alunos do Ensino Fundamental e 35,2% do Ensino Médio atingindo níveis adequados de aprendizagem.
Essa disparidade reflete não só o acesso, mas também a qualidade da educação disponível em cada estado, além da diversidade de opções de ensino no Rio de Janeiro, que incluem escolas públicas, privadas e federais.
O impacto da desinformação na sociedade
O impacto dessas diferenças educacionais se reflete diretamente na forma como os indivíduos interagem com a informação e lidam com a desinformação. As entrevistas realizadas para esta reportagem ilustram essas dinâmicas.
José Luís, de 51 anos, estudou até o 2º ano do Ensino Fundamental. Lê o básico e com muita dificuldade, no entanto, aponta ter mais facilidade em ler textos escritos com letras garrafais. Hoje, José Luís é pescador e reside no Trapiche da Barra, Zona Sul de Maceió.
Ele conta que se informa exclusivamente por meio de perfis de portais noticiosos nas redes sociais.
“Vejo notícias pela rede social dos sites de notícias, claro. Não tenho televisão e não tô fazendo questão de comprar. Na rede social eu me informo de tudo. Tanto de caráter noticiário, quanto de pesquisa de algum assunto que eu me interesse”, disse.
José Luís sabe do que se trata “Fake News” e contou que teve ciência do termo através das mídias sociais. “É mentira, né? Fiquei sabendo disso pela rede social também. O nome parece que é inglês. Se fosse pra eu saber por mim, com os recursos que tenho, eu não saberia. Mas já fui informado pela própria rede social que Fake News é mentira. Acho que é simplesmente a palavra “mentira” em inglês”.
Por outro lado, o carioca Fabrício Fernandes, de 30 anos, tem o ensino médio completo e trabalha como operador de Telemarketing, o morador do bairro da Taquara compartilha como foi vítima de um golpe de desinformação no Instagram, destacando que a vulnerabilidade à desinformação não está restrita ao nível de escolaridade, mas à falta de educação midiática crítica.
“Ao passar o número do telefone e um código de verificação, os golpistas conseguiram controlar meu aplicativo de mensagens, o que causou uma grande perturbação em minha vida. Levei mais de um dia para recuperar o acesso. Durante esse período, meus amigos receberam mensagens pedindo dinheiro, e eu precisei explicar repetidamente que não era eu, o que tornou a situação ainda mais estressante”, relata.
Fabrício admitiu que não costuma se informar regularmente e, quando se depara com algo suspeito, prefere não abrir e deixar de lado. Ele descreveu a frustração e a ansiedade que sentiu ao tentar recuperar seu WhatsApp, afirmando que a experiência foi bastante desagradável e afetou seu dia a dia.
Escolaridade não garante proteção contra desinformação
A especialista em desinformação e jornalista Alice de Souza afasta a possibilidade da não alfabetização ser um fator crucial na suscetibilidade às fake news. Para a jornalista, pessoas que frequentaram todos os estágios da formação acadêmica formal podem, assim como pessoas com baixa escolaridade, ser analfabetas midiáticas.
“Ao mesmo tempo que você não ter educação básica pode dificultar o teu processo de educação midiática, não necessariamente uma pessoa que concluiu todos os estágios de uma educação formal está mais habilitada a ser educada midiaticamente. Essas plataformas não fizeram parte do processo educacional de boa parte das pessoas, então são dois processos diferentes. Por isso é comum ver pessoas “inteligentes” cair em fake news”, aponta Alice.
Apesar de ambos os lados – alfabetizados e não alfabetizados – estarem suscetíveis à desinformação, Alice de Souza, diz que, de fato, pessoas com menor nível de escolaridade terão mais dificuldades para enfrentar o fenômeno.
A especialista acredita que, no momento atual, é necessário desenvolver outros mecanismos comunicacionais para lidar com as novas formas de consumir conteúdo.
“Estamos passando por um momento de transformação muito acelerado no processo de comunicação e cria a necessidade de desenvolvermos outras competências comunicacionais para além da questão do ler, escrever, falar e ouvir. Agora, esse processo envolve você saber se comunicar através desses novos meios de comunicação, que acontecem em tempo real”, avalia a jornalista.
Para a jornalista e mestranda em Ciência da Informação pelo IBICT/UFRJ, Erika Zordan, não há correlação entre o nível educacional e a suscetibilidade a notícias falsas.
Ela menciona uma pesquisa do Instituto Locomotiva que revelou que 88% da população admitiu ter acreditado em uma informação falsa, indicando que todos estão suscetíveis à desinformação, independentemente do nível de escolaridade.
Além disso, Erika aborda como o local de residência pode afetar a exposição a fake news. Em áreas rurais ou com acesso limitado à internet, a falta de fontes de notícias variadas pode levar à proliferação de boatos.
Ela destaca que 5 em cada 10 municípios vivem em situação de deserto de notícia, o que abre margem para a desinformação. A idade também é um fator, com jovens e idosos sendo mais vulneráveis devido à falta de maturidade educacional e letramento midiático.
Erika destaca diferenças significativas na maneira como diferentes faixas etárias consomem e processam informações. Nativos digitais tendem a consumir informações por meio de redes sociais, o que pode dificultar o processamento crítico, enquanto adultos e idosos confiam mais em meios tradicionais como jornais e TV.
Como combater a desinformação?
Um estudo da Universidade de Stanford revelou que até mesmo estudantes universitários altamente qualificados têm dificuldade em diferenciar notícias verdadeiras de falsas, destacando a necessidade de uma educação midiática abrangente que inclua a crítica à credibilidade das fontes.
Com isso, a educação midiática, promove o pensamento crítico e a avaliação das fontes, o que é essencial para todos os níveis educacionais. Pesquisadores da Universidade de Harvard apontaram que a alfabetização midiática deve ser adaptada a diferentes contextos e idades para ser eficaz, tornando-se uma ferramenta poderosa na luta contra a desinformação.
Essa também é a opinião de Alice de Souza, para a especialista em desinformação, é preciso apostar na difusão da alfabetização midiática como saída para combater a desinformação.
“Precisamos entender a importância de desenvolver mecanismos e formas de educar e alfabetizar as pessoas de uma forma midiática. Precisamos criar uma sociedade composta por pessoas críticas ao uso dessas ferramentas e, ao mesmo tempo, de pessoas que entendam o poder dessas plataformas e seus danos”, disse Souza.
Erika Zordan também concorda que a educação midiática é uma das ferramentas mais importantes no combate à desinformação que, adaptada para diferentes públicos, é essencial. A especialista acredita que é importante investir na renovação do jornalismo para enfrentar a desconfiança e a crise de mercado, tornando-se mais transparente e adaptado às novas dinâmicas de consumo de informação.
Erika defende que o acesso à internet e às redes sociais não modificam por si só a relação entre desinformação e escolaridade; é a qualidade desse acesso que faz a diferença. Pessoas com melhores condições de acesso à internet têm maior possibilidade de se informar de forma qualificada, o que pode promover um conhecimento crítico.
“Não há saída simples para o combate à desinformação, o desafio é complexo e envolve muitas esferas. É preciso fazer uma legislação que promova uma moderação segura de conteúdo, é preciso fortalecer o jornalismo enquanto instituição mediadora e com protocolos transparentes de atividade, mas, sobretudo, é preciso educação midiática”, destaca Zordan.
Ilustração de capa: Énois