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Alunos respondem: não, secretária, a culpa não é dos professores

Para estudantes, fala da titular da Secretaria de Estado da Educação é inaceitável

Texto: Jean Albuquerque

Fotos: Arquivo Pessoal

Lamentável para o professor alagoano escutar isso de forma tão equivocada. Quando a própria Secretaria sabe que se não dá condições, não se pode cobrar. Nossos alunos reclamam que não tem internet suficiente para diariamente assistirem as aulas. (sic*)

Um dia meu aluno me diz que está saindo de casa para pegar a internet do vizinho… No outro dia, ele transforma uma caixa de leite em uma obra de arte… e me emociona!É bem diferente da emoção que tenho quando ouço palavras como essas… Triste e revoltante! (sic*)

Enquanto estamos nos virando de todas as formas, editando vídeos, tornando as aulas o mais atrativas possíveis, procurando coisas novas e novas metodologias agora temos que nos preocupar com a manutenção de nossos empregos, em virtude de uma situação que nós não temos como alterar. O problema é acesso. É recurso tecnológico. É um ambiente em casa em que ele possa se concentrar e estudar. (sic*)

*O que você acabou de ler são relatos de professores da rede de ensino em Alagoas.

A fala fora da realidade da secretária de Estado da Educação (Seduc-AL), Laura Souza, sobre a inexpressiva participação nas aulas on-line dos estudantes neste momento de pandemia e a consequente evasão escolar causou revolta e repercutiu nas redes sociais de movimentos sindicais, professores e estudantes.

“Se passa um mês, dois meses e 2% dos alunos estão participando como a gente viu no relatório. Gente, não é possível. Tem 13 professores numa turma e a gente não consegue engajar, mobilizar para trazer esses alunos. A gente precisa. É dever moral de cada um de nós fazer disso. Volto a repetir: infelizmente, a aprendizagem está em segundo plano no momento, porque a gente precisa trazer esses meninos primeiro”, disse Laura Souza em um vídeo obtido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal-AL) gravado a partir de uma reunião ocorrida na última quarta-feira (12).

O próprio Sinteal-AL repudiou nessa quinta-feira (13) a atitude da titular da Educação e ressaltou a dedicação dos profissionais em manter as atividades em meio às dificuldades do ensino on-line durante a pandemia.

“Esses mesmos profissionais que estão com seus salários defasados e sofrendo perda há anos estão fazendo um grande esforço pessoal já que o Estado não forneceu formação nem instrumentos suficientes para a realização do trabalho. Ao invés de empatia recebem isso”, argumentou a presidente do Sindicato, Consuelo Correia.

As palavras da gestora chegaram ainda ao parlamento alagoano e fizeram com que o deputado estadual Davi Maia (DEM) encaminhasse nesta sexta-feira (14) requerimento à Assembleia Legislativa de Alagoas para convocar Souza a prestar esclarecimentos sobre a declaração em que culpa professores pela falta de engajamento de alunos em atividades on-line. O requerimento também foi enviado à Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Turismo da ALE e deve ser lido em Plenário e votado pelos demais parlamentares. Se aprovado, a secretária será convocada a comparecer na ALE.

“Além de absurda, a fala proferida na reunião é ofensiva, desproporcional e incabível. A gestora tenta transferir indevidamente a responsabilidade e os problemas da gestão da educação durante a pandemia para os professores, que não merecem a culpa da desorganização gerada pelo Estado”, afirmou o representante da Casa de Tavares Bastos em nota.

Alunos dão resposta

Dário Alves, de 19 anos, que estuda o 3º ano do ensino médio na Escola Estadual Nossa Senhora do Bom Conselho, em Bebedouro, não compactua com o pensamento exposto pela secretária Laura Souza. Para o aluno, o órgão está preocupado apenas com números e não com a qualidade do ensino.

“Foi uma fala infeliz, desconfortável e que nos desanima. Aqui em casa eu não consigo me manter organizado devido aos deveres de casa porque tenho que ajudar no trabalho do meu pai e acabo não tendo tempo para estar estudando. Tem alunos que são pai ou mãe, que não têm ferramentas disponíveis, além dos próprios professores que precisam usar o próprio celular e não têm ferramentas. A Seduc precisa se organizar para contribuir com os alunos e profissionais”, reflete.

O estudante relembra ainda um episódio negativo durante um curso oferecido pela Secretaria neste período.

Apareceu um curso e eu me inscrevi, porém não consegui acessar à ferramenta. Então, o pessoal da Gere me ligou e disse: ‘nossa, é por conta da internet? Vai na casa de um parente, na casa de um colega e se esforça’. A gente está no meio da pandemia e eles acham que eu vou sair da minha casa para colocar a minha vida e a dos meus familiares em risco? Eles não estão pensando nisso. Estão apenas pensando em números

O pensamento de Dário Alves é o mesmo do estudante Nadnael Oliveira, de 17 anos, que estuda na Escola Estadual Aristheu de Andrade, em Colônia Leopoldina, interior de Alagoas.

“A fala dela foi desrespeitosa e errada, sobretudo porque não existe possibilidade de culpar os professores por uma coisa que eles logicamente não têm culpa e, mais ainda, quando a gente tem a consciência que nossos professores conversam, tentam convidar os alunos para participar das atividades. Então não tem sentido algum ela pensar dessa forma. Uma outra coisa é a insinuação dela sobre as possíveis demissões dos monitores se a turma não participar. É algo que a gente não aceita, ainda mais vindo da secretária de Educação”, explica o jovem.

Oliveira conta que as dificuldades impostas pela exclusão digital se acentuaram desde o início da quarentena principalmente aos alunos que moram na área rural da cidade e que não têm como se manter aprendendo a distância.

“Muitos alunos têm mais dificuldade de aprender porque não é fácil você só vê vídeos de youtube e não ter um contato mais próximo. O que eu digo é que aqui nossos professores têm trabalhado bastante, deixado o Whatsapp disponível para a gente mandar mensagem, aula pelo Google Meet. Fora a gestão escolar que se doou inteiramente para buscar os alunos, mandar mensagem e perguntar porque não estavam participando. Nunca a Seduc. Então, este é o motivo da nossa indignação, ela não consegue ver a realidade que os profissionais estão passando. Só sabe pedir e não consegue enxergar o que eles estão enfrentando e assim tentar resolver os problemas”, ressalta.

Outro que também não concorda com as declarações proferidas pela gestora é o estudante Givanildo Saraiva, de 18 anos, da Escola Dom Otávio Barbosa Aguiar, no Benedito Bentes, parte alta de Maceió.

“É inaceitável uma secretária — que também é professora — ter esse tipo de fala, tendo em vista que os alunos lidam com adversidades para assistir às aulas por não ter celular, internet, entre outras coisas. É como culpá-los pela desigualdade social que a gente vive. Estamos numa pandemia, se o professor já enfrenta dificuldades em tempos ditos normais, imagina agora?”, indaga Saraiva que também é presidente do Grêmio Estudantil Geração Consciente.

Para o aluno, a fala da gestora quanto à importância dos números em detrimento do ensino reflete a ausência de compromisso com a área.

“Precisamos de pessoas que acreditem na educação e não só em números. Parece que eles não querem saber se estamos aprendendo ou não. Eu, por exemplo, não tenho computador, só tenho celular. Para me concentrar é muito complicado. Fora isso é a dificuldade com a questão do auxílio merenda, muitos não receberam”, conta.

Sobre o assunto, o Grêmio Estudantil emitiu uma nota repudiando a declaração da titular da Seduc-AL.

 

Buscando um posicionamento oficial sobre a repercussão da declaração, a reportagem procurou a Secretaria de Estado da Educação de Alagoas (Seduc-AL). Em nota, enviada via assessoria de comunicação, o órgão lamentou a atitude do recorte e compartilhamento de uma das falas da secretária da Educação. De acordo com a pasta, o trecho exposto foi retirado de contexto e utilizado de má-fé.

Sobre o auxílio merenda/alimentação, benefício no valor de R$ 50 para alunos da rede pública, citado por um dos estudantes entrevistados nesta reportagem, a Seduc explicou que o processamento do pagamento está sendo realizada pela Caixa Econômica Federal e que aluno que não teve o valor do auxílio depositado na conta poupança (operação 013), conta poupança social digital ou por meio do cartão bolsa família de seu responsável, que é o que está registrado no Sageal, deve entrar em contato com a sua unidade de ensino.

Confira, na íntegra, a nota da Seduc clicando neste link!

Géssika Costa

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