Um relato sobre a quarentena

Texto: Jean Albuquerque

Arte: Herman Tacasey, Sem título, 2004

A insônia tem sido frequente. E aqui estou, em mais uma madrugada que não consigo dormir tomado pelo desespero de enfrentar um novo amanhã com as mesmas derrotas, o sentimento que ora me faz ter ânsia de vômito, ora desfalece meu corpo no dia seguinte. Nunca foi tão difícil manter a sanidade em tempos de pandemia do coronavírus.

Na maioria dos dias eu só consigo dormir lá pelas 3h ou 4h da manhã e tem sido assim há algumas semanas. A única diferença é que hoje [05/04] tomei umas cervejas, participei de uma live com amigos poetas e escrevi um texto que não deveria. Só me causou mais dor e de dor eu tenho entendido muito bem.

GATILHO é a palavra da vez no terreno vasto que é a internet. E tanta coisa tem me feito sentir esse efeito. Às vezes penso que tudo seria tão fácil se eu tivesse grana e me embrenhar-se num interior qualquer sem internet, celular e todas as parafernálias tecnológicas que temos hoje.

No dia seguinte eu acordo fodidaço lá pelas 12h, corro para comer qualquer coisa e, logo após, tomar o remédio para controlar minha pressão. O almoço vem em seguida. Meu estômago não tem aguentado esse alvoroço todo, durante o dia costumo ter algum sintoma parecido com a gastrite. Fora os momentos que costumo descontar a ansiedade na nicotina. Não tá sendo fácil. Nem para os otimistas, venhamos e convenhamos. Ficar em casa não é uma escolha, abster-se de ter contato com quem amamos também não.

Em meio a essa loucura toda dou graças por ter mantido as sessões de terapia e assim sigo. Tem momentos que passo a questionar a eficácia da análise. Ou fico tratando dos demônios de sempre com medo de mergulhar fundo com a vil certeza de que esse movimento irá me trazer mais sofrimento.

Resiliência virou quase que um slogan publicitário. Como ter resiliência se há pouco li uma matéria no jornal extra que dá conta de um estudo de uma pesquisadora da Ufal que prevê 900 mil pessoas infectadas em Maceió? É só resolver sair em qualquer bairro da periferia para notar as pessoas aglomeradas como se nada tivesse acontecendo. Sei bem que é necessário pensar em estratégias para amparar os trabalhadores informais e os desempregados. A proposta do auxílio emergencial aprovada na Câmara e sancionada pelo [des] governo bolsonarista ainda é muito incipiente.

Em meio a pandemia, há uma quebra de braço entre Bolsonaro e o Ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Na última segunda-feira [6/04], a mídia já dava como certa a demissão do Ministro. Precisou a pressão dos militares para acalmar os ânimos do irresponsável e sua trupe anticientificista.

A única instituição que tem funcionado nesse país e mostrou isso ontem [7/04], é a dos cornos. A live da Marília Mendonça machucou milhões de corações apaixonados e virou um dos assuntos mais comentados tanto no twitter Brasil quanto no mundial. A cantora goiana conseguiu a façanha que consistiu nas pessoas mandarem mensagem para os exs ao som dos hits que fazem com que quem já sofreu por amor risque o chifre no asfalto, são eles: “Infiel”, “Supera”, “Graveto”, “Tentativas”, além de muitos outros e fechou com chave de ouro com “Todo Mundo Vai Sofrer”. Pena não ter cerveja em casa.

Muito se fala sobre o plano do Ministério da Saúde de afrouxar o isolamento social. Matéria publicada no site Nexo dá conta de que a pasta planeja relaxar as medidas de isolamento em estados no qual o sistema de saúde não estiver sobrecarregado mediante à Covid-19. A ideia trabalha a possibilidade de haver gradualmente o isolamento de idosos e pessoas que sejam consideradas grupo de risco. Mesmo com a proposta, a medida depende da adesão dos governantes dos estados e municípios. O que sabemos até agora e o que recomenda a Organização Mundial de Saúde até então: fique em casa, quarentena, distanciamento social, higienização das mãos e afins.

A incerteza bate à nossa porta. Não sabemos como será o amanhã. Nem se sobrevivermos a essa loucura toda. Escrevo esse texto para não enlouquecer e acabar constatando que já entreguei os pontos faz é tempo.

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