Especial - Educação de Maceió afundando

30 de novembro de 2022

Bairros afundando, alunos sem escola: o impacto do crime ambiental da Braskem na educação de Maceió

Exploração de sal gema afetou mais de 7 mil alunos de escolas públicas de Maceió |

Por Géssika Costa e Jean Albuquerque
Produção: Paula Berle

Se Cláudia Santos, 46,  mãe de Graziele de Oliveira, 13, soubesse o que aconteceria semanas depois da filha ter iniciado o ano letivo em Maceió, o álbum de fotografias da estudante guardaria as últimas memórias do colégio que a acolheu ainda nos primeiros anos de vida.

“Era uma extensão da minha casa. Foi um corte muito brutal para a minha filha. Quando soube que ia sair, ela chorou muito e disse que ia ficar na escola. Tivemos que explicar a ela que precisávamos tirá-la de lá e que também iríamos nos mudar. Pensei que fôssemos desabar de vez. Hoje, ela se emociona por tudo e diz estar triste. Quando alguém fala a palavra Braskem dá vontade de chorar, eu não gosto”, desabafa Santos.

Era sábado, 03  de março de 2018, quando um tremor de terra com magnitude de 2,5 na escala Richter foi registrado em vários bairros de Maceió (AL). As rachaduras nas paredes, o asfalto de ruas cedendo, seguidos de buracos no piso de dezenas de imóveis davam o tom para o tamanho do problema que a exploração de sal gema da bilionária Braskem iria causar à vida e à rotina de milhares de maceioenses. Moradores entraram em desespero e esvaziaram prédios, casas e estabelecimentos comerciais, sob orientação da Defesa Civil de Maceió.

Em fevereiro, bem antes daquele início de tarde marcante na memória dos atingidos, rachaduras menores já haviam surgido em ruas, calçadas e casas do bairro do Pinheiro, hoje considerado um bairro fantasma na capital alagoana, por ter sido quase que totalmente evacuado.

Apenas em maio de 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apresentou à sociedade um estudo que revelou que a principal causa do surgimento das rachaduras foi a atividade de mineração na extração de sal-gema.  A exploração do material, segundo o CPRM, teria sido feita de maneira equivocada. Como resultado de décadas de trabalho desenfreado da mineradora Braskem, as cavernas subterrâneas foram desestabilizadas, provocando a instabilidade do solo.  Além do Pinheiro, os bairros Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol também foram afetados.

Apesar de ser apontada,  pelo órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, como a responsável pelo problema, a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas  e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos, pertencente ao grupo Odebrecht, ainda não assumiu oficialmente a culpa. Mas, de maneira contraditória, criou e executa o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação,  fruto de um acordo com as autoridades alagoanas e federais. Essa iniciativa faz a mudança dos afetados pela empresa para outros imóveis e paga  indenização por danos  materiais e morais causados. Mas, desde que foi criado, o chamado “PCF” é criticado por moradores e comerciantes devido ao baixo valor das indenizações. 

Para além dos danos materiais, existem cerca de 55 mil moradores dos cinco bairros que foram incluídos no Mapa de Linhas de Ações Prioritárias da Defesa Civil de Maceió (DCM), de acordo com o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem. O MUVB refuta, inclusive, os dados da empresa que alega que seriam cerca de 35 mil pessoas atingidas, com base em dados estimados do IBGE.

As consequências geradas pelo crime ambiental atingiram ainda outras frentes: ruas e avenidas foram totalmente fechadas, hospital psiquiátrico desativado,  cemitério interditado e até o campo do CSA (Centro Esportivo Alagoano), time que jogou recentemente a série A do Brasileirão, realocado. Todos esses equipamentos já foram ou serão indenizados pela Braskem, mas há um área duramente afetada, em que os prejuízos são considerados incalculáveis: a educação.

Imóveis atingidos pelo afundamento do solo ocasionado pela exploração de sal-gema (Foto: Edilson Omena)

O QUE SOBROU DAS ESCOLAS

Foto - 01
Foto de 2019 mostra o chão rachado da sala de aula da Escola Correia da Silva Titara, no Farol, hoje desativada (Foto: Arquivo Pessoal/Cedida ao TNH1)

Assim como a Edécio Lopes, ao menos outras 17 unidades de ensino públicas, divididas entre 13 estaduais (11 escolas e 2 centros de formação)  e outras 4 do município foram afetadas com o processo de instabilidade das 35 minas de sal gema da mineradora. Além dessas unidades de ensino, dezenas de colégios particulares também tiveram que fechar as portas ou enfrentam dificuldades após mudança para um novo endereço. 

Todo esse processo colocou em xeque o futuro e até a vida, de ao menos,  7.066 estudantes de todos os níveis: educação infantil, básica e ensino médio. De uma hora para outra, tiveram que conviver com inúmeras incertezas, suspensão das aulas presenciais ainda antes da pandemia de Covid-19, rachaduras e, para os que ficaram nas escolas da área 01, considerada apenas de monitoramento pela Defesa Civil de Maceió, a sensação de medo.

 

Apesar de 18 prédios de escolas públicas e centros de formação de professores terem sido afetados, oito permanecem no mesmo local, no Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa), e podem continuar funcionando por estarem situadas na chamada “área 01” do Mapa de Setorização de Danos e de Linhas de Ações Prioritárias da Defesa Civil de Maceió. Apenas as unidades localizadas na “área 00”, considerada de maior vulnerabilidade, precisaram mudar de endereço. O documento de orientação, elaborado por técnicos da Defesa Civil Nacional e da Defesa Civil de Maceió, é dividido em setores, conforme características técnicas e a gravidade/criticidade dos danos observados. Ele  aponta as linhas de ações prioritárias para cada área e de atenção à população afetada.

Segundo o coordenador da Defesa Civil de Maceió, Abelardo Nobre, embora a Braskem tenha encerrado a extração de sal-gema na capital alagoana e iniciado o processo de fechamento dos 35 poços de sal, ainda há a possibilidade de sinkhole – (escorregamentos de terra que criam enormes crateras, levando para o seu interior tudo o que se encontra no diâmetro do vazio, incluindo ruas, casas e prédios) não somente onde estavam instaladas as escolas, mas em toda região afetada. 

“Estamos em monitoramento constante. As equipes  também trabalham nos poços e, com isso, a rapidez do afundamento tem diminuído, mas é preciso destacar que não descartamos a possibilidade de um evento maior. Por isso, há monitoramento por meio de equipamentos que medem a movimentação do solo com precisão de milímetros”, ressaltou Nobre.

Além dos equipamentos, conforme explicou o responsável pelo órgão, o Centro Integrado de Monitoramento e Alerta (Cimadec) realiza vistorias para  acompanhar os imóveis das áreas adjacentes ao Mapa de Ações e Linhas Prioritárias, a fim de identificar se houve evolução nas fissuras existentes nos imóveis e se elas estão atreladas ao afundamento do solo.

Defesa Civil monitora 24 horas por dia as áreas afetadas pelo afundamento do solo (Foto: Prefeitura de Maceió)

 

No dia a dia, os técnicos do Cimadec, além de conferir os dados dos equipamentos, realizam rondas pelos bairros. Não há nenhuma cavidade situada abaixo das escolas, somente próximas. A gente trabalha, torce e busca para que essas instituições que foram desativadas sejam, no tempo mais breve possível, reativadas, para que os alunos e professores tenham suas rotinas em normalidade. Sabemos que a história não pode continuar no mesmo local, mas podemos construir uma nova história

HISTÓRIA DE LUTA DOS PROFESSORES

 

As consequências do crime ambiental atingem não apenas os estudantes, mas até a histórica entidade que luta pelos direitos dos professores e trabalhadores da educação. Foi na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), situada na Avenida Cícero de Góes Toledo, no Mutange, que a entidade se juntou à mobilização nacional para o reconhecimento dos funcionários de escola como educadores, por meio da lei 12.014/2009, e que a categoria aderiu à luta para a implantação do Piso Salarial Profissional Nacional para o magistério, com a lei 11.738/2008.

Hoje, todos esses marcos permanecem apenas registrados em fotos e vídeos dos arquivos da organização que agora está em novo prédio, como explica a presidente do Sinteal, Consuelo Correia.

“Nós acreditávamos que o dano não chegaria lá, até que recebemos o aviso, em meio à pandemia, de que em duas semanas precisaríamos encaixotar tudo e abandonar nossa sede. A indenização foi paga depois de muita luta e de muitas idas e vindas. A gente perder um local, palco de muitas lutas, não é qualquer coisa, sabe? Lá nós construímos a nossa história”, relembra Correia.

Para a sindicalista, é como se um pedaço não apenas da trajetória do Sinteal como do próprio movimento sindical alagoano ficasse para trás.

“Nós recuperamos aquele prédio, que foi tombado e construímos um novo, em anexo. Ambos não tinham só o valor patrimonial, eles tinham um valor histórico muito forte para nós. No início, nós fazíamos nossas assembleias naquele gramado, naquela sacada do prédio, então aquele lugar é de um valor sentimental muito grande para todos. Naquele prédio ficou um pedaço de cada uma de nós que construímos e levantamos todos aquele patrimônio, a partir daquela semente”, defende a presidente do Sindicato.

A pauta desta reportagem foi selecionada pelo 4º Edital de Jornalismo de Educação, organizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), com apoio do Itaú Social.

Créditos das fotos: Josian Paulino, Chico Buarque, Ascom Sinteal, Dilma de Carvalho/Projeto Ruptura.