Por Felipe Ferreira
Apesar da urgência na adoção de câmeras corporais pelos militares da Polícia Militar de Alagoas (PMAL) — uma necessidade sentida especialmente por quem vive nas periferias de Maceió — a proposta, que teve sua discussão barrada na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE), enfrenta dificuldades para ser implementada pelas instituições do Estado.
No caso mais recente, apenas para ilustrar o que causa a falta de transparência dos agentes de segurança pública, moradores da Grota do Cigano, no Jacintinho, periferia de Maceió, acusam policiais militares de dispararem contra eles durante uma festa do Dia das Crianças, que aconteceu no último dia 20 de outubro.
Segundo relatos da população, os disparos de arma de fogo provocaram um grande tumulto, deixando algumas crianças machucadas devido à correria. Após o episódio traumático, muitos relutam em voltar ao Parque do Cigano, onde a festa estava acontecendo.
Revoltados com a abordagem truculenta, eles bloquearam ambos os sentidos da Avenida Gustavo Paiva para protestar e chamar a atenção dos veículos de comunicação da cidade.
Depois da repercussão na imprensa, quase 24 horas após o ocorrido, a PM emitiu uma nota, por meio de sua assessoria de comunicação, desmentindo a versão apresentada pela população e esclarecendo que os militares foram recebidos com disparos quando chegaram no local.
A PM diz, ainda, que durante a festa acontecia a comercialização de armas de fogo e drogas ilícitas, versão contestada por quem estava no local. Casos como o citado poderiam ser facilmente esclarecidos se o agente de segurança pública usasse uma câmera corporal.
Adoção de câmeras corporais por militares de AL é urgente
A reportagem do Olhos Jornalismo conversou com o Doutor em Ciências Criminais pela PUC-RS e professor de direito penal e direito processual do Centro Universitário de Maceió – UNIMA/Afya, André Sampaio, que analisa como urgente a adoção das câmeras corporais por militares alagoanos.
“A ideia de implantação de câmera corporais é uma medida de extrema urgência. Ela vem a reboque. Já deveria ter vindo há muito tempo”, diz.
Para André Sampaio, o uso de câmeras corporais se faz necessário graças à aglutinação de poder exercida por militares quando estão em serviço.
“É uma medida imperativa quando a gente está tratando do controle do exercício do poder público. As forças policiais acabam aglutinando uma esfera significativa de poder. De acordo com uma perspectiva libera, e aqui eu falo de um liberalismo político clássico, quando você concentra o poder, é preciso aumentar a fiscalização de seu exercício, então as câmeras corporais são fundamentais para que a gente consiga ter mais informações de algum caso concreto para resguardar o cidadão e para resguardar o próprio policial”, avalia.
O especialista aponta que, apesar das necessidades da instalação, é preciso cuidado com a regulamentação da medida. “Para além da implementação, a gente precisa ver como isso vai ser regulamentado. A gente não pode instalar uma câmera para funcionar como uma espécie de Big Brother, 24 horas, no dia a dia do policial. Ele tem que ter os momentos dele de privacidade”.
“Ele tem que ser monitorado quando ele estiver incorporando o agente público que ele é, trabalhando como funcionário, é isso que tem que ser regulamentado”, aponta Sampaio.
O debate sobre as câmeras corporais foi barrado na ALE
Enquanto o governo Lula se movimenta na articulação para que mais estados adotem o modelo que traz mais transparência às atividades policiais, a Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) arquiva o Projeto de Lei (PL) que trata sobre o assunto.
Em março de 2023, o deputado estadual Ronaldo Medeiros (PT) protocolou no parlamento alagoano uma matéria que trata da adoção de câmeras corporais por policiais militares. Na época, o deputado petista defendeu a aprovação e falou que a medida protegeria os militares.
Após mais de um ano tramitando na Casa de Tavares Bastos, a matéria foi arquivada pela Mesa Diretora após receber parecer negativo nas comissões temáticas por onde passou.
Apesar de ser petista, Medeiros tem forte ligação com o governador Paulo Dantas (MDB), que fez pouco caso do arquivamento da matéria de sua autoria.
Ao Olhos Jornalismo, o parlamentar disse que “o PL foi arquivado, mas o governo do estado, através da Polícia Militar, segue dando andamento à ideia para sua implantação na Corporação. A medida, além de fazer parte de um programa do Ministério da Justiça, ajuda a promover a segurança de todos, inclusive dos próprios policiais”.
Na bancada de oposição ao governador, mas defensor dos militares, o deputado estadual Cabo Bebeto (PL) se coloca contra o uso de câmeras corporais.
“Qual é a mensagem que passamos para sociedade quando temos um único agente público que precisa usar uma câmera em seu peito para trabalhar? Para mim, fica claro, passamos que aquele agente não merece confiança. Isso enfraquece os bons policiais e fortalece os criminosos, que ficarão mais à vontade, mais seguros. Em várias ocorrências isso não é bom para segurança pública, não é bom para recuperação de roubos, nem para ocorrências onde há perseguição de dois ou três assaltantes e só pega um”, avalia Bebeto.
O deputado bolsonarista aponta que, se os policiais precisarem ser monitorados, todos os agentes públicos deverão ser filmados também.
“Se todos os profissionais públicos usassem, eu ficaria calado. Se desembargador, deputado estadual, médico, enfermeiro, fiscal de renda, professor… Também fossem usar, tudo bem”, diz.
O especialista em segurança pública, André Sampaio, aponta que o tipo de defesa apresentada por Bebeto é um sofisma (argumento que parece lógico e verdadeiro, mas que, na realidade, é enganoso ou falacioso), e que cada problema precisa ser pensado com uma estratégia devida.
“É um sofisma. De fato existem outros problemas que devem ser objeto de atenção, que devem ser cuidados. As questões ligadas à corrupção são, sem dúvidas, um desses problemas. Mas trazer esse tipo de argumento vai no sentido de um “tudo ou nada”: ou revolve-se tudo de uma vez, ou não se resolve nada. Temos que pensar cada tipo de problema com a estratégia devida”, disse.
“Quando comparamos as chacinas que ali podem ser provocadas, o extermínio que pode ser provocado em uma operação policial arbitrária, sem dúvida nenhuma, o dano causado pela Polícia é bem maior. Estamos falando de pessoas que vão ser mortas, de pessoas que podem ser alvos de balas perdidas”, aponta.
Mais câmeras corporais, menos uso de força
Redução da letalidade policial, transparência na segurança pública e redução da subnotificação de casos de violência domésticas são alguns dos benefícios apontados por estudos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) sobre os estados brasileiros e países que adotaram o uso da câmera corporal por forças policiais durante suas atividades.
De acordo com um relatório apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em junho deste ano, houve redução da letalidade policial em localidades dos Estados Unidos local o qual o uso dos equipamentos são obrigatórios.
Além disso, dados mostram que também houve uma redução do uso da força e das reclamações de conduta policial entre 25% e 61% a partir do uso de câmeras corporais.
O documento apresentado pelo MJSP mostra, ainda, redução na subnotificação de casos de violência doméstica: na presença de câmeras, policiais em Santa Catarina reportaram 69% mais esse tipo de crime. Em São Paulo, o avanço foi de 101%.
Posicionamento do governo Lula
Em maio deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski assinou uma portaria que estabelece as diretrizes sobre para os órgãos de segurança pública do país.
As normas estabelecem 16 circunstâncias em que os equipamentos devem estar, obrigatoriamente, ligados:
As regras lançadas no início deste ano admitem três modalidades de uso, alternativa ou concomitantemente:
Lewandowski destaca que, independentemente do modo de acionamento, todas as 16 situações descritas pela portaria deverão ser necessariamente gravadas.
A norma do Ministro da Justiça e Segurança Pública estabelece que os órgãos de segurança pública deverão adotar, preferencialmente, o acionamento automático, que inicia a gravação desde a retirada do equipamento da base até a sua devolução, registrando assim todo o turno de serviço.
Incentivo ao uso dos equipamentos
Para incentivar que os estados adotem as câmeras corporais nas rotinas de suas forças policiais, o ministro Lewandowski estabeleceu, por meio de portaria, que os entes federados que decidirem usar os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e Fundo Penitenciário Nacional em projetos terão que, obrigatoriamente, seguir as diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Para facilitar a adesão às câmeras corporais, o ministro Ricardo Lewandowski estabeleceu, também, a possibilidade de os estados usarem os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para aquisição e implantação dos equipamentos. A regra já está em vigor.
O que diz o governo de Alagoas
À reportagem, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) expressou interesse na adoção das câmeras corporais, mas não forneceu detalhes sobre o andamento interno da medida, mencionando que aguarda “mais informações do Ministério da Justiça”.
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