Reportagem

‘Campeão’ de insegurança alimentar no país, o que está sendo feito para combater a desnutrição infantil em AL?

Governador reeleito diz que pretende ampliar e continuar programa de transferência de renda às famílias

A despenicadora Sarah de Lima, 30, é hipertensa desde os 20 e mora com as duas filhas na Favela Mundaú, localizada na Zona Sul de Maceió (AL). A mais velha tem 5 anos e, a caçula, de 2 anos, possui transtorno do espectro autista (TEA), precisa de tratamentos e cuidados específicos para lidar com o distúrbio do neurodesenvolvimento. 

A principal fonte de renda da família é o sururu, mas o molusco, que é considerado patrimônio imaterial de Alagoas, está cada dia mais escasso. Por conta disso, a chefe de família tem se virado como pode. Alimenta os filhos com R$600, que recebe do programa de transferência de renda Auxílio Brasil, que manterá esse valor até dezembro de 2022.

A Mundaú, comunidade onde vive Lima com os filhos, tem mais de 10.213 mil barracos feitos de lona e restos de madeira, à margem da lagoa que leva o mesmo nome, no bairro do Vergel do Lago. Ao todo, no complexo lagunar, residem aproximadamente 15 mil famílias. A região é formada por quatro favelas, além da Mundaú, também tem a Sururu, Peixe e Muvuca, formadas por moradias construídas de maneira improvisada. 

O que recebe do benefício, ela usa para comprar alimentação das crianças, o botijão de gás e as fraldas, não sobra nem para comprar remédios. “Eu estou só com o remédio e o acompanhamento dela, não tive como comprar todos. Por conta disso, toda hora ela quer comer e, quando não tem, chora. É difícil você olhar para o armário e não ver nada”, desabafa.

 

Sandra de Lima, 47, junto ao seu marido e a filha Sarah de Lima, 30, despenicam o sururu, a principal fonte de renda

A outra filha de 5 anos está abaixo do peso e é menor do que geralmente uma criança da sua idade: a criança tem 98 centímetros e pesa 15 quilos. “Eu levei ela para uma consulta com a pediatra e ela falou que ela está com problema, que ela não cresce, passaram uns exames e um raio X.  Ela diz que é a alimentação, eu vou fazer o que? Eu dou o que tem em casa”, lamenta. 

Quando Sarah precisa de ajuda, recorre à mãe que mora ao lado de seu barraco e também é despenicadora. Sandra de Lima, 47, vive com o marido e a principal fonte de renda também é o molusco. Por mês, quando não chove, consegue tirar cerca de R$200. Ela, que também é hipertensa e toma remédio controlado, teve o Auxílio Brasil cortado há pouco tempo. 

“Alimentação muito cara, o Sururu tá morrendo, se abre todinho e a gente está passando dificuldade. As opções de alimentos, quando não pode comer feijão, come arroz, quando não pode comer arroz, come macarrão. No lugar da carne vem a salsicha e o ovo, quando não tem, comemos puro”, conta

Barriga vazia

A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), divulgou em setembro um estudo que mostra que a população de Alagoas, onde Sarah e as filhas pequenas moram, tem o maior índice de insegurança alimentar grave do Brasil quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro. Só para se ter uma ideia, no Estado, 36,7% das famílias estão nessa situação. Nas regiões Norte e Nordeste do país, a fome atinge 125 milhões de brasileiros. A média nacional chega a 15,5%. 

Já de acordo com  dados de 2019 da plataforma Primeira Infância Primeiro, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Alagoas está acima da média nacional quando o assunto é desnutrição infantil. O Brasil tem 4,13% de crianças nesse estado, enquanto o segundo menor estado do Nordeste possui 4,61% desse grupo com “Peso Baixo ou Muito Abaixo para Idade”.

O que está sendo feito e quais são os planos para 2023?

Diante desses dados alarmantes,  a reportagem do Olhos Jornalismo procurou o Governo de Alagoas para entender o que está sendo feito para amparar e garantir o direito constitucional e prioritário de uma boa alimentação às crianças. De acordo com o executivo estadual, para combater o problema foi lançada, recentemente, uma estratégia para que as famílias do Estado pudessem ter acesso à renda. Trata-se do Cartão Cria (Criança Alagoana), que  realiza depósito de R$150 para gestantes e crianças de até 6 anos que estejam em situação de vulnerabilidade, para que possam comprar alimentos, produtos de higiene pessoal e medicamentos. 

Essa política pública coaduna com uma das recomendações aos governos estaduais feita pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, no âmbito das eleições de 2022, que prega sobre a criação de um programa de transferência de renda. Outras duas recomendações tecem sobre a elaboração de um programa de visitação domiciliar para famílias vulneráveis e a oferta de uma educação infantil de qualidade. 

Ainda sobre o tema, a meta do governo em 2023 é de cadastrar 180 mil pessoas, além  da implementação do 13º do CRIA. Neste caso, a família passará a receber em dezembro o valor de R$ 300. “Existem estudos sendo realizados, em alguns municípios do Estado, sobre o primeiro ano de utilização do Cartão CRIA que apontam crianças que estavam subnutridas e saíram dessa condição, a partir do programa”, defende o Governo, em nota.

A assessoria de comunicação do programa ainda destaca que o governador Paulo Dantas (MDB) por meio do programa CRIA, tem como objetivo a entrega de 200 creches até 2024. Até o momento, já foram inaugurados 23 equipamentos. “A saúde é outra prioridade com ambientações e equipamentos distribuídos nas casas de parto e hospitais para melhorar a saúde da criança e da gestante. Dessa forma, reduzindo os índices de mortalidade infantil e materna”, acrescenta. 

Governador Paulo Dantas vistoria as obras da creche Cria na Grota do Cigano em Maceio. Foto: Pei Fon/ Agencia Alagoas

Além do auxílio financeiro, as Creches Crias, espalhadas por municípios do Estado, oferecem um ambiente educacional adequado para as crianças, fornecendo alimentação e um suporte para as mães que estão a procura de uma fonte de renda e não têm onde deixar os seus filhos. Atualmente, o CRIA possui 138 mil pessoas cadastradas em todo o Estado. Esse cadastro pode ser realizado no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) mais próximo de casa. Na capital alagoana, além do CRAS, as famílias também podem realizar esse cadastro nas Centrais Já. 

Com a reeleição do governador Paulo Dantas (MDB), que é uma continuidade do governo Renan Filho, o Estado disse ainda a reportagem do Olhos Jornalismo, que irá manter o Programa Pacto contra a Fome que tem como foco ajudar as famílias em vulnerabilidade social, com entrega de cestas básicas e outras ações, como a criação do Complexo Nutricional, que consiste em um equipamento construído pelo governo que é gerido pelo município que o recebe. 

Complexo Nutricional inaugurado em Batalha (AL) – Foto: Pei Fon / Agência Alagoas

Na última segunda-feira (14), inclusive,  foi inaugurado o terceiro Complexo. Alagoas conta, agora, com unidades nos municípios de Pilar, Santana do Ipanema e Batalha, o mais recente. As construções são realizadas com recursos do Estado por meio do Fundo de Combate à Pobreza (Fecoep). Mesmo que a iniciativa não tenha como principal foco a primeira infância, esses complexos acompanham os casos de sobrepeso e desnutrição das famílias cadastradas. 

*Esta reportagem especial foi produzida com auxílio de uma bolsa da Formação “Primeira infância e a cobertura das eleições 2022”, uma parceria das organizações Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta, Amazônia Real, Marco Zero e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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