“Vejo o meu trabalho com o intuito de mostrar o outro lado da moeda da Braskem, que ela não é apenas aquela empresa sustentável que se diz ser, mas sim uma empresa que destrói vidas, que destrói lares, que expulsa, que tem ganância”, defende o fotógrafo e mestrando em Antropologia Social pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Carlos Eduardo Lopes, 28, que mantém a página no Instagram @cotidiano_fotografico e conta com quase 10 mil seguidores na rede social.
As lentes do acadêmico ajudam a narrar a angústia e desespero dos cerca de 60 mil moradores dos cinco bairros afetados pela exploração do sal-gema na capital alagoana, que em cinco anos, desde o aparecimento das primeiras rachaduras, fez com que mais de 14 mil imóveis fossem desocupados pela ganância da mineradora.
“Tento mostrar o outro lado, porque, infelizmente, para quem não é das áreas afetadas, ou que não tem conhecimento nenhum, mesmo morando em Maceió, vê em um comercial do Braskem Explica [série de anúncios na imprensa local, que detalha as ações do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da empresa], essa pessoa se vira contra o morador, contra um ex-morador”, argumenta Lopes.
O contato com a fotografia se deu ainda na infância, aos 11 anos, principalmente com os álbuns de família. Nessa época, ele gostava de ver os livros com imagens da natureza e da prática de esportes. A primeira foto foi feita com a máquina que o seu irmão teve.
Muitos anos depois, quando ele já estava no primeiro período de Ciências Sociais na Ufal, só tinha um celular e passou a registrar o cotidiano de Maceió (AL). À época, não passava pela sua cabeça criar uma página e divulgar os registros. Logo após surgiu o desejo de divulgar essas imagens. “O nome Cotidiano Fotográfico surgiu com o intuito de mostrar para as pessoas uma Maceió que está no nosso cotidiano, porém não é de certa forma vista”, relembra.
Lopes registrava o que passava despercebido pela maioria dos maceioenses: memórias, moradores de rua, feira, comércio. Logo após, surgiu o desejo de documentar os danos causados pela mineração na capital alagoana. Passou a se aproximar dos moradores e divulgar imagens de protestos contra a Braskem e as regiões afetadas.
Porque se passar um tempo e ninguém postar nada, ninguém publicar nada, esse crime vai cair no esquecimento. Eu já recebi várias mensagens me perguntando o que está acontecendo, porque essas ruas estão em ruínas, ou as casas estão sem telhado, sem janela
O mestrando relata que possui um acervo muito grande e tem o cuidado de trazer fotos antigas, para mostrar o antes e o depois das localidades afetadas. “Para as pessoas terem a noção, para as pessoas saberem que Maceió, esse slogan, ‘Maceió é massa’, não se resume a só isso. Os moradores que estão sofrendo e estão lutando pelos seus direitos”.
Tapumes para esconder o crime causado pela mineração
Para ele, uma barreira que tem se tornado um desafio para o seu trabalho são os tapumes colocados pela Braskem para isolar as áreas afetadas dentro dos cinco bairros.
Os tapumes estão em todas as partes dos bairros afetados. Então eu sempre fui aquele que se eu via alguma brecha, algum tapume, eu entrava
Lopes afirma que essas barreiras são colocadas sem nenhuma ordem judicial, nem comunicação com os moradores. “Simplesmente eles vão, fecham ruas, passam os tapumes da casa, dizendo que são por segurança. Mas a gente sabe que é pra esconder o que tá acontecendo, é pra esconder o crime. Quando eu vejo alguma brecha, é mostrar para sociedade o que tá além daqueles tapumes. Mostrar a lembrança, a memória daquela casa, ou daquele comércio, ou daquela rua”.
O fotógrafo recorda que nunca passou por alguma proibição nos cinco que fotografa os danos causados pela mineração na capital alagoana. “Quando eu tô andando nesses bairros, os carros passam, os motoristas ficam olhando e questionando o que eu estou fazendo ali, já que é um lugar que não tem ninguém”.
Ele acredita que como pesquisador, cientista social e futuro antropólogo, tem uma missão de desenvolver uma pesquisa para os que serviram como interlocutores, que neste caso, são os próprios moradores dos bairros afetados, a sociedade em geral que acompanha o seu trabalho e a própria comunidade acadêmica.
“De uns tempos para cá, eu estou fazendo essa devolutiva. Sei que eu vou ter que fazer uma devolutiva acadêmica, que é a minha dissertação, mas através das imagens eu faço essa devolução para a sociedade em geral, através da fotografia e através do cotidiano, no Instagram. De uma certa forma, é para mostrar não só para os daqui, do Maceió, de Alagoas, mas para o Brasil e para o mundo, o que vem acontecendo”, conta.
Com o trabalho, vem o reconhecimento, Lopes recorda que os feedbacks são positivos e as pessoas falam que o acompanham nas redes sociais, seja na rua, na Universidade, em viagens ou até em congressos.
“É uma forma de divulgar e fazer essa devolutiva para a sociedade, para as pessoas verem que tem gente lutando por isso, tem gente denunciando isso, seja pela fotografia, seja academicamente, e também enfatizando que as lembranças e as memórias daquelas pessoas, as vozes dessas pessoas, não sejam esquecidas”, finaliza.
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