Covid-19: As relações amorosas em tempos de isolamento

Casal alagoano relata como lida com a distância durante quarentena

Texto: Jean Albuquerque

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) utilizou o conceito de “Modernidade Líquida” na tentativa de explicar o processamento das relações sociais na atualidade, sobretudo, a fluidez das relações afetivas e suas nuances na pós-modernidade.

O professor não previu que seria tão difícil manter relacionamentos amorosos em tempos de isolamento, como o da pandemia da Covid-19, que assola o mundo e nos obriga a ficar em quarentena como medida protetiva, já que o contato físico faz com que o vírus seja proliferado. Antes a maior preocupação do teórico era de que as pessoas simplesmente acabavam se desligando uma das outras sem nenhum motivo aparente, bastava um simples delete/bloqueio no facebook e partir para outra. Isso acontecia tanto com amizades, quanto com relacionamentos.

A quarentena é uma realidade, os amigos estão tomando a atitude de não ver suas namoradas. Nessas horas, é difícil não ser lavado pelo marasmo da ansiedade — logo vem a dificuldade para dormir, a falta de concentração e a impossibilidade de dar conta dos trabalhos que passaram a serem realizados na modalidade home office.

A distância tem nos colocado a prova, ao passar dos dias o grande desafio é não desconectar do amado/a e seguir tentando outros mecanismos para driblar a distância e a ausência. Seja criar uma rotina de conversas por Whatsapp sempre que puder, tentar fazer chamadas de vídeos — algo que ainda não fiz. Ou fazer ligações para ouvir a voz da pessoa querida para acalentar o coração e sentir-se próximo. A incerteza é uma realidade. Não sabemos quando tudo irá normalizar, nem quando poderemos ir às ruas e celebrar a vida, as pessoas queridas, os amigos, rever os familiares.

Paula Tavares e Pedro Paulo. Foto: Arquivo Pessoal

O namoro na quarentena

À reportagem do O Que Os Olhos Não Veem o casal de namorados residentes em Maceió, Pedro Paulo, 24, e Paula Tavares, 27, relatou as medidas tomadas no sentido de manter o relacionamento no período de isolamento.

Pedro Paulo é formado em História e trabalha como recepcionista em um centro especializado de reabilitação. Há 4 meses começou a relacionar-se com Paula. Paula Tavares é estudante de designer e durante o trabalho como assistente de produção cultural, na Bienal Internacional do Livro de Alagoas (ano passado), conheceu Pedro. “Nosso contato aconteceu através de amigos em comum. Foi a Bruna que nos apresentou, ela é ex namorada dele e nossa amiga. Estamos juntos até então”, relembra Paula.

O período da Bienal coincidiu com o momento no qual os dois estavam de férias. “Era tudo muito mais fácil para gente. A gente conseguia se ver mais, se encontrar, fazer as coisas que a gente gosta. Costumávamos ir à praia, vamos muito a praia. E depois que as coisas normalizaram voltamos a trabalhar, não conseguimos nos ver muito e fica restrito aos fins de semana, ou sábado ou domingo.”, acrescenta Paula.

Logo após, veio o carnaval e eles decidiram passar juntos. Depois desse período, o casal não estava conseguindo ter muitos encontros por conta da rotina de trabalho e outras obrigações. “Desde do carnaval a gente não tava podendo nos encontrar, a gente se viu duas vezes antes dessa pandemia”, relata a estudante de designer.

Eles decidiram ter um último encontro antes do isolamento. “De uma semana pra cá ficou bem claro que o Brasil e o mundo viraram de cabeça pra baixo. Daí eu fui me despedir dela [Paula Tavares] na última sexta-feira [20], o que é uma coisa mais difícil porque não moramos tão perto, ela mora no bairro da Serraria e eu no Poço. O que é que acontece, fui me despedir dela quando eu ainda julguei ser o mínimo responsável até por mim. Tem minha mãe e minha tia-avó que mora comigo com 102 anos.”, avalia Pedro.

“É uma situação que me deixa em pânico porque em nenhum sentido eu colocaria em risco a segurança nem da paula e nem dos meus familiares. Nós decidimos durante a quarentena não nos vermos, mas mantendo contato através dos aplicativos de mensagem, baixar jogos para jogarmos juntos, fazer chamadas de vídeo e compartilharmos pequenas coisas que conseguem aproximar e tirar-nos um pouco desse estado”, defende Pedro.

Paula destaca a importância do isolamento no sentido de garantir saúde para ela, o namorado e seus familiares. “Não vamos conseguir nos encontrar, não temos ocupações que impeçam isso, mas é uma pandemia, temos que respeitar. Não tá fácil pra ninguém. É um momento de tensão, muito caos e muita confusão para todo mundo de uma forma geral. Especificamente para nós como casal também. Estamos juntos há 4 meses, mas sabemos o que queremos, a gente decidiu passar juntos esperando que seja o mais breve possível”.

Os cuidados com a saúde mental no período de isolamento social

Psicóloga Rachel Aves. Foto: Arquivo Pessoal

A reportagem procurou a psicóloga clínica e perita judicial, Rachel Alves para saber quais são as medidas recomendadas pelos psicólogos no intuito de manter os relacionamentos e a saúde mental no período da quarentena. De acordo com a especialista, é necessário não enfraquecer a rede de contatos e afetos. “Podemos manter o contato com amigos e familiares através da internet e ligações. Vale lembrar que os bons afetos nos fortalecem imunologicamente e também nos dão suporte psíquico para enfrentar as dificuldades da vida”, defende.

Confira a entrevista a seguir:

Jean Albuquerque: Quais são as medidas para enfrentar o confinamento e manter a saúde mental? O que você sugere enquanto profissional?

Rachel Alves: — Estamos vivendo um momento histórico sem precedentes. Esta situação irá exigir de nós a adoção de medidas que permitam a preservação da nossa saúde mental e equilíbrio emocional. A palavra “resiliência” tem sido muito utilizada nos últimos anos e agora, mais do que nunca, é chegado o momento de pensarmos no significado desta palavra e adotarmos enquanto atitude. Em resumo, devemos olhar para a situação de modo realista, adotarmos os cuidados necessários e não entrar em pânico. Sabemos que toda situação é transitória. Esta pandemia também é finita. Além do mais, é importante pensar no que este quadro pandêmico pode nos ensinar.

Os autocuidados passam por ocupar nossa mente com atividades que nos deem prazer como leituras, filmes, seriados, fazer artesanatos, cozinhar para si, etc. Vamos ter que encontrar atividades domésticas que tornem este momento mais leve e isto é muito pessoal.

Não enfraquecer nossa rede de contatos e afetos também é muito importante. Podemos manter o contato com amigos e familiares através da internet e ligações. Vale lembrar que os bons afetos nos fortalecem imunologicamente e também nos dão suporte psíquico para enfrentar as dificuldades da vida.

J.A: O que os profissionais de psicologia estão recomendando?

R.A: — Nós, profissionais da saúde, Psicólogas/os, estamos atendendo online aos que já eram nossos pacientes (seguindo uma recomendação do CFP) e também estamos à disposição para atendimentos a pessoas que estejam se sentindo sobrecarregada, ansiosas e deprimidas em função do isolamento social.

J.A: Qual a importância de atentar para alguns cuidados neste cenário?

R.A: — Os cuidados objetivos com a saúde, de modo geral, estão sendo repetidos exaustivamente no intuito de alertar a população da gravidade da pandemia. A preservação da nossa saúde vai preservar nossas vidas, dos entes queridos e das populações vulneráveis. É momento de exercer cidadania através do autocuidado. Sem isto, o sistema de saúde irá colapsar e nossas vidas não serão poupadas.

Devemos pensar também nas populações de rua, nas que vivem em áreas sem saneamento e naqueles que têm acesso reduzido ou nulo à saúde. Como podemos, enquanto sociedade, socorrê-los? Estamos todos/as integrados. As ações dos condomínios de luxo irão reverberar nas favelas e vice versa.

J.A: Quais são as medidas e cuidados diante do isolamento para a sobrevivência das relações amorosas?

R.A: — É tempo de fortalecer nossos bons afetos, sejam eles quais forem. Há muitos casais enfrentando juntos este período de quarentena e outros não têm esta possibilidade, tendo que se isolar ou manter suas rotinas de trabalho, distantes dos seus pares. Tanto a proximidade, num tempo de tensões inéditas, quanto a ausência, podem trazer embaraços novos às relações.

Alguns casais – mesmo casados/as – tem, como parte da rotina, o distanciamento. Cada um está imerso nas suas rotinas, se encontrando ao fim do dia para compartilhar algumas horas de convivência. O que fazer neste momento de proximidade e isolamento social? Os conselhos de autocuidado servem para a relação também. O casal deve buscar atividades domésticas que possam ser prazerosas e inclusivas para os demais membros da família (no caso daqueles que têm filhos e convivem com outros parentes na mesma casa). Que tal resgatar o hábito da conversa, da escuta das angústias do outro e do cuidado com quem amamos?

Mas, voltando ao que você pretende focar, que são as relações amorosas. É momento também de imprimirmos à relação um tom mais leve; afinal, o clima já está bastante tenso. É momento de união, doação, carinho e compreensão.

Sobre as pessoas que estão separadas, cumprindo suas quarentenas à distância, é válido lembrar que o casal pode e deve manter contato fazendo-se valer da tecnologia. Hoje é possível assistir a filmes juntos, comentar os mesmos, jogar online, fazer vídeo chamadas, etc. O distanciamento é finito se o cuidado for mantido.

Os serviços online e streams estão disponibilizando materiais gratuitos

É bom também a gente lembrar que tem várias pessoas, profissionais e plataformas de todos os tipos que estão ofertando serviços online e disponibilizando o acesso irrestrito a suas plataformas, sejam elas: de filmes, de jogos, de pintura, de cursos online. Eu acho que isso é muito importante nesse momento, tanto para manter as pessoas em casa, quanto para ocupá-las com coisas úteis para que não fiquem somente presas as notícias que já são catastróficas, temerosas e fazem a gente entrar num sistema de pensamento constante de coisas ruins que afeta a nossa saúde mental. Manter o imunológico bom é também termos esses cuidados. Ter contato com as pessoas queridas mas também filtrar essas notícias, evitar o excesso de informação, ter os pés na realidade sem entrar em pânico.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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