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“É nois tomando de conta”: PSOL Maceió consolida cota racial de 30% do fundo eleitoral

Medida propõe execução a partir do pleito eleitoral para prefeito e vereador neste ano

Texto: Jean Albuquerque

Com a eleição do governo Bolsonaro (sem partido) em 2018 e a crescente onda de ataques à população negra, vide Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, que não mede esforços para criticar as pautas que envolvem a população negra — cria-se a urgência da participação de grupos minoritários na política nacional. Em suas últimas declarações, o responsável pela instituição pública voltada para a promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira chegou a chamar o movimento negro de “escória maldita”, demonstrando um profundo desprezo pela agenda contra o racismo.

Exemplos como esses somados ao aumento da discussão sobre o racismo — impulsionada no últimos meses após o covarde assassinato do americano George Floyd, em Minnesota, Estados Unidos, por policiais, só reafirmam a necessidade da população negra ocupar cada vez mais espaços e garantir que suas pautas sejam atendidas no campo político.

O filósofo Antonio Gramsci trabalha com a tese do intelectual orgânico diretamente ligado a uma classe ou grupo no intuito de conseguir organizar a sua própria hegemonia. E trata-se daquele que consegue atuar como porta-voz criando mudanças dentro do capitalismo. Daí surge a necessidade da articulação política para que o ator político consiga promover mudanças dentro do sistema.

Saindo do campo filosófico, na prática alguns exemplos positivos podem servir de reflexão sobre a evidente disparidade no campo político. Em reunião dos pré-candidatos ao pleito eleitoral de 2020 via teleconferência, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em Maceió consolidou a instituição de cota racial de 30% do fundo eleitoral, na última quinta-feira (2). A medida, que foi proposta após um amplo debate levantado pelos militantes negros do partido e aconteceu de forma consensual por todas as correntes, coletivos e independentes presentes no momento, no entanto para começar a entrar em vigor na sigla a iniciativa precisa ser homologada pelo diretório municipal do PSOL.

À reportagem do O que os olhos Não Veem o militante do PSOL Maceió, Geysson Santos disse que o momento em que vivemos influencia no debate em relação ao espaço da população negra nas esferas de poder. Além de que o avanço dos retrocessos promova organização e uma saída por meio da resistência. “Acho que tem muito a ver isso porque a gente tá conseguindo visualizar e por onde passa nossas questões, nossas pautas, nossas demandas. E se dá efetivamente nesse campo político, dentro do parlamento, da assembléia legislativa, dentro da câmara de vereadores. Sentimos essa necessidade de se auto representar porque a galera que tá lá não representa. É uma galera que tem uma distância da realidade”, pontua.

Geysson concorreu às eleições de 2018 para deputado estadual numa candidatura com participação coletiva pelo Coletivo Todos Noiz e obteve 1.587 votos, somando 0,11% dos válidos. Ele avalia a experiência como positiva. “Em 2018 foi a experiência que a gente teve aqui em Alagoas de fazer a primeira proposta de um mandato coletivo e conseguimos dialogar com vários setores que não tem esse engajamento orgânico nessa política tradicional, que se voltou em torno de uma eleição, de uma candidatura, foi muito positivo isso”, defende.

Sobre a implementação da cota de 30% no fundo eleitoral, o militante argumenta que a vitória representa uma reparação histórica, mas ao mesmo tempo é muito pouco porque o povo negro quer mesmo é ocupar os espaços de poder. “Acaba que conseguimos esse 30% de cotas para candidatura de negras e de negros na esfera municipal. Nossa intenção é levar esse debate para a esfera estadual para que seja uma política permanente e que seja uma política progressiva que a gente não pare por aí e que possamos nos ver representados dentro dos espaços de poder. Se não for a gente pra travar nossas discussões ninguém vai fazer. É muito simbólico aprovar isso no contexto de manifestações anti-racistas”, revela.

De acordo com o professor universitário e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Sérgio Santos, a política partidária é majoritariamente um espaço ainda ocupada por homens brancos. Ele interpreta que o reconhecimento da desigualdade no exercício da política partidária foi o motor para a implantação da cota, além de ser uma medida positiva para minimizar as desigualdades.

“Ao longo dos anos temos colocado para os partidos considerados progressistas a necessidade de constituir mecanismos democráticos de acesso ao fundo eleitoral. Justamente porque ainda é muito forte nesses partidos a ideia de eleger entre as diversidades de candidaturas, uma ‘candidatura prioritária’. Essa última é geralmente a do próprio dirigente do partido. Sendo assim, a disputa que já é normalmente desigual, é potencializada ainda mais”, disse.

O professor avalia que o movimento negro durante a sua trajetória no Brasil conseguiu eleger alguns representantes para exercer mandatos embora em menor número e enfrentando muita precariedade no processo eleitoral.

“Hoje [dia 2] tornou-se um dia histórico para os militantes negros do PSOL de Maceió. Considero um avanço importante. Primeiro porque o PSOL de Alagoas corrige o que ocorreu no processo anterior, que se negou a fazer esse debate, fruto de uma política extremamente oligárquica praticada no partido; e segundo, que através dessa reserva de 30% do Fundo Eleitoral, é possível minimizar desigualdades históricas”, defende.

O escritor, servidor público e eleitor residente em Maceió, Richard Plácido afirma que historicamente a esquerda alagoana não consegue eleger seus representantes salvo em alguns casos onde os políticos são mais reconhecidos. “É necessária essa contextualização para refletir qual a política que a esquerda tem realizado para alcançar não só estudantes e servidores públicos mobilizados em seus diretórios estudantis e sindicatos, respectivamente. Aos poucos, vejo movimentos sociais emergindo e quebrando essa barreira, principalmente neste período de pandemia. E é esse o caminho, é assim que pode-se chegar à base, como disse o Brown, em 2018, no Rio, no comício do Haddad”, sugere.

Plácido disse que é de conhecimento de todos a importância da comunidade negra, indígena, quilombola, LGBTQ+. Mas ressalta para a necessidade de uma candidatura coletiva que possa partir de um desejo coletivo, de uma demanda política e não só partidária.

“Caberia um político representar o povo, e nada mais justo do que emergir do povo, da população negra, pobre, periférica, um representante que vá lutar por nossas causas, que nos apresente novos caminhos, para além do coronelismo e da velha política canavieira, ainda arraigada nos ‘novos’ políticos alagoanos [JHC, Rui, Renanzinho]”, conclui.

O que diz o diretório municipal do partido

Em mensagem publicada por meio de uma rede social, o presidente do diretório municipal do PSOL e pré candidato a prefeitura de Maceió, Basile Cristopoulos se manifestou sobre o assunto.

Votações

Devido à pandemia, o pleito eleitoral de 2020 deve acontecer nos dias 15 e 29 de novembro, primeiro e segundo turnos, respectivamente. O plenário do Senado Federal aprovou em votação remota o adiamento que iria acontecer inicialmente no mês de outubro. Agora, o texto segue para a Câmara dos Deputados para após análise virar projeto de lei. Contudo, a data de posse de prefeitos e vereadores permanece no dia 1º de janeiro.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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