Levantamento mostra mais de 30 negócios do tipo situados em 10 bairros da capital alagoana; confira quais são
Duas décadas, 7300 dias e um sonho que se tornou realidade após muito estudo, dedicação, suor e amor em transformar a vida de mulheres pretas por meio do reencontro – literalmente – com as suas raízes.
“O AfroYalla nasceu do sonho da minha mãe, ela sempre quis empreender, mas nunca conseguiu. A vida foi muito bruta com ela, que teve que trabalhar de doméstica, lavadeira, dentre outros. Até que um dia ela foi trabalhar num lugar e, após sair desse emprego, investiu num curso de manicure para mim”, conta Yalla Barros, dona do AfroYalla, salão especializado em tranças nagô, dreads e penteados.
Completando 20 anos de história em 2023, crescer não foi fácil. Buscar formalização, encontrar matéria-prima e mão de obra qualificada foram e também continuam sendo grandes desafios para manter o AfroYalla de pé e referência no cenário não só local como regional, como define a bio do instagram do negócio que conta com mais de 40 mil seguidores de vários cantos do Brasil e do mundo.
“Esse processo de formalização é burocrático demais e não abraça, de maneira correta, os afroempreendores, por exemplo. Foi um processo bem doloroso. Além disso, tem a questão de contratar pessoas qualificadas. Quando contrato, essas profissionais ainda estão ‘verdes’. Então, preciso trabalhar mais com elas, dando curso, antes de liberá-las para atender os clientes”, explica Barros.
Não muito longe da Avenida Júlio Marques Luz, na Jatiúca, onde fica o AfroYalla, a empresária Cardinete Ferreira, carinhosamente conhecida como Nete, dá o tom no Oficina AfroHair, salão pioneiro em estética afro em Maceió, localizado na Avenida Amélia Rosa.
Eu me sinto muito bem em saber que eu trouxe essa técnica para Maceió. Quem usava o cabelo crespo, as pessoas falavam que era maloqueiro. O black power também. Mas hoje não, tudo mudou. As pessoas se aceitam e isso é o que importa. Foi muito bom para a vida de homens e mulheres, negros e negras
Por meio do trabalho de Cardinete e Yalla, milhares de mulheres já foram impactadas e mudaram de vida. Passaram a se reconhecer. A ser o que se é: mulher, preta, com as raízes que transcendem oceanos: África, mãe do mundo. Em comum, além do tipo de negócio, a força da mulher preta para empreender, revolucionar e empoderar. Antes mesmo dessa palavra figurar na moda, as duas são potências da terra de Dandara.
“Comecei com espelhinho e cadeira e hoje me tornei uma empreendedora afro. E a coisa mais legal que aconteceu foi passar a empregar pessoas. Isso me traz uma satisfação muito grande”, argumenta Nete.
‘Virada de chave’
Há poucos anos, assumir os cachos e/ou o cabelo crespo era algo raro no Brasil. Hoje, pretos e pretas no país estão cada vez mais reconhecendo e amando a sua identidade, o que não é fácil em um país racista como o nosso. Usam os cabelos naturais, no estilo black power, soltos e longos, com dreadlocks, tranças afro, repicados. De um lado, as mulheres estão abandonando os fios lisos à base de relaxamento, chapinha ou escova, do outro lado, homens superam a tendência de raspar o cabelo para se livrar do “problema” dos fios crespos, do volume e do estigma, como é o caso do jornalista Victor Lima.
“Quando eu comecei a ir a salões especializados, virou uma chavinha para mim. A sociedade quer o tempo todo podar o povo preto, as nossas características e isso influencia muito como a gente se vê. Fez muita diferença, porque você aprende a se ver de outra forma, lida de outra forma, porque você aprende a cuidar”, conta ao Olhos Jornalismo.
Um movimento social, político e por que não econômico? Se você parar para pensar, o número de salões de beleza espalhados pelo Brasil impressiona: 1. 25 milhão, sendo 1 milhão de MEIs. Mas, apesar de 54% da população do nosso país ser de pessoas negras, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os locais voltados a esse público não chegam perto da metade do total. Ou seja, há um promissor mercado a ser dominado por quem oferecer um serviço diferente.
A empresária Maria das Dores, dona da Cacho Saudável, loja que vende apenas produtos para cabelos cacheados, crespos e ondulados, sabe bem do que estamos falando.
“Eu fazia uso de botox nos cabelos e, quando chegou a pandemia, a gente não tinha como ir aos salões e o meu cabelo foi começando a cachear. E aí comecei a passar pela transição e vi que aqui em Maceió era muito carente. Então, percebi uma oportunidade porque os preços por aqui eram superfaturados. Pesquisei e comprei os produtos com os preços melhores e surgiu o negócio”, relembra Maria.
Os dados falam
Mais de 70% das brasileiras têm cabelos crespos ou cacheados, e as mulheres negras movimentam R$700 bi em negócios anuais. Se você, empreendedor do setor de beleza, quer apostar em um negócio inovador, diferenciado e rentável, essa pode ser a hora. O mercado alagoano está aquecido.
Prova disso é que o Olhos Jornalismo somou a base de dados de 2020 da Agência Tatu – startup de jornalismo de dados de Alagoas com foco em produção de conteúdo e produtos inovadores para a realidade local e regional – com um levantamento manual feito pela reportagem este ano e encontrou 34 salões na capital que cuidam de cabelos crespos, cacheados, ondulados bem como trabalham com tranças nagô, box braids, dreads, dentre outros.
Os negócios estão situados em 10 bairros diferentes: Clima Bom, Benedito Bentes, Jacarecica, Jatiúca, Ponta Verde, Tabuleiro do Martins, Cidade Universitária, Jacintinho, Centro e Poço.
“A essência do afroempreendedorismo é feminina. Observa-se que as mulheres trazem isso para a gestão, que é afrocentrada. Elas viajam para fazer cursos fora de Alagoas, dialogam e trocam entre si e isso fortalece essa narrativa. Por isso, esse movimento cresceu ainda mais, seja em salões que são especializados em fibra, dos cortes, tratamento ou em outros tipos de negócios afros”, comenta Silva, fundador da Rede Cenafro, Hub de Criatividade Preta com missão de estimular empreendedores pretos a desenvolverem seu potencial inventivo e de geração de impacto social.
Para além de dados, nada paga a sensação de contribuir com a autoestima das pessoas que por meio do cabelo ganham mais força para serem sujeitas da própria história. “Eu trabalho para que essas crianças que estão vindo, da nova geração, porque quando a gente devolve a autoestima para a população negra, a gente devolve também o direito de se sentir capaz porque a gente tem a capacidade de chegar aonde quiser Não devolve apenas a autoestima capilar, porque a gente se torna um ser político”, projeta Yalla Barros.
Ver essa foto no Instagram