Hey, hey, hey nego: você está na sintonia do seu podcast Quarentena Marginal

Coletivo Cia Hip Hop promove discussões durante o isolamento social

Texto: Jean Albuquerque

Imagem em destaque: Coletivo Cia Hip Hop – Foto: Arquivo Pessoal

Com a ideia de trazer a linguagem da periferia para tratar de temas presentes no cotidiano dos moradores das quebradas de Alagoas, o podcast Quarentena Marginal desde abril tem feito diálogos sobre a situação da população carcerária e fake news, além de outros assuntos em meio à pandemia da Covid-19. A empreitada é realizada pelo coletivo Cia Hip Hop que vem promovendo discussões durante a quarentena.

Segundo o integrante do coletivo Cia, Guilherme Leão, o projeto propõe trazer uma narrativa a partir do olhar da periferia, o viés daqueles que sustentam a injusta pirâmide social. “Então, é importante a gente ter o nosso olhar a partir das coisas que estão acontecendo, dos fatos e não só esperar que a mídia hegemônica, a mídia burguesa, a mídia das pessoas que têm dinheiro narrem os fatos para a gente. Enquanto seres que estamos pensando a realidade que possamos contribuir com esse pensamento para a galera poder refletir conosco”, defende.

A Iniciativa, que começou há alguns meses como Web Rádio oferecendo para seus ouvintes uma programação 24 horas por dia, hoje se concentra em promover semanalmente lives intituladas: Ideia de Mil Grau que são disponibilizadas como formato de um podcast no site de jornalismo independente local Mídia Caeté e no formato de vídeo para o canal no youtube da Cia Hip Hop.

“Na vibe da rádio a gente tentou mudar a dinâmica um pouco do que havia pensado inicialmente pelo o que tava rolando de adesão. Já tinha um público entre aspas e a gente começou a bolar a ideia desta live. O podcast veio antes da live, mas quando a gente pensou na live foi meio por essa onda que tá rolando na quarentena de muita live que acaba sendo um meio de socializar esse conhecimento. A gente pensou em fazer no formato de live semanalmente e apresentar pautas, temas que vem de baixo mesmo. Uma contranarrativa que acaba sendo colocada com os temas que são muito do que a gente vive, do nosso cotidiano e além disso. Ou assuntos que a gente ache necessário discutir”, explica o também integrante do coletivo Cia Hip Hop, Geysson Santos.

À reportagem do O que os olhos Não Veem o doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e professor universitário, Sérgio Santos contou como foi sua participação na live sobre a sua tese de doutorado. O encontro virtual que aconteceu no último dia 13 de maio teve como tema Facções Criminosas e Racismo: uma face de Alagoas. “A minha participação basicamente foi apresentar um pouco sobre o meu trabalho e a perspectiva do lançamento de um livro que eu estou preparando sobre o tema”, acrescenta.

O professor destaca a importância do espaço virtual no sentido de promover uma discussão e fazer com que esse espaço em certo modo seja democrático. “Bom, é importante esse tipo de ciberespaço. A gente sabe que também é um campo de disputa a internet e as redes sociais e elas têm se tornado um canal importante de divulgação, de debate, de discussão, de produção de conteúdo de conhecimento, de formação e de opinião. Então, as lives e os podcasts hoje têm um papel educativo e agora faz parte das vidas das pessoas, principalmente aquelas que estão conectadas diariamente na internet”, pontua.

Diante da discussão acerca do racismo, Sérgio argumenta que é importante trazer essa discussão principalmente em relação aos últimos acontecimentos. A morte de um homem negro por um policial branco nos Estados Unidos que tem reverberado numa constante de protestos ao redor do mundo.

“Então, não só no Brasil e não só nos Estados Unidos, a maioria dos países onde tem presença negra, na Europa com os imigrantes há um sistema de negação de direitos da população negra no mundo inteiro e isso tem ocorrido sistematicamente. Os sistemas penais dos países tem proporcionado um número exagerado e crescente da população negra e isso tem se tornado um problema. Não é a primeira vez que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil acontece de forma corriqueira. Há movimentos de alcance internacional como o Vidas Negras Importam que tem feito uma discussão sobre a importância da vida da população negra e tem feito debates, tem dialogado com instituições pondo questionamentos relacionado ao sistema de justiça de muitos países. E, bom. Esse é um problema grave que tem reflexo no Brasil”, pondera.

“Sabemos que a população negra é vítima de uma estrutura perversa que produz desigualdade tanto no ponto de vista socioeconômico, educacional, de saúde. É uma população que está diretamente sendo atingida pelo racismo e principalmente pelos agenciamentos produzidos pela segurança pública. Então vamos pensar que a segurança pública é parte, ferramenta que reproduz essas representações em torno dos criminosos e que historicamente consolidou o corpo negro como um algoz

Outro questionamento feito pela reportagem ao pesquisador trata da implementação tardia do fator cor/raça nos boletins epidemiológicos da Covid-19 no Estado. E a importância de discutir o racismo em meio a maior crise sanitária do mundo. Ele afirma que é uma questão importante porque pode provocar e permite que os movimentos sociais possam reivindicar políticas públicas específicas para a população negra. “O fato da pandemia do coronavírus vitimizar muito a população negra é justamente por conta dos processos provocados pelo racismo. Você tem uma população que está desassistida, ou seja, com déficit habitacional, pouco acesso à saúde e a distância dos equipamentos públicos principalmente de saúde: postos, hospitais, acesso da saúde da família. Então você tem uma série de déficits aí em relação a saúde que potencializa a vitimização da população negra”, denuncia.

A mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e professora universitária, Élita Morais Dorvillé falou à reportagem sobre a sua participação no podcast Quarentena Marginal. Há quase um mês, ela discutiu sobre a temática: Punitivismo e Segurança em período de crise. “Achei extremamente relevante, principalmente pela temática que foi abordada. A gente falou sobre as providências que o Estado tinha tomado com relação a esse tema logo que a pandemia começou a avançar. Falei de algumas iniciativas que ocorreram aqui no Estado por pressão por exemplo da Comissão de Direitos Humanos da OAB, as iniciativas a nível nacional por meio do Conselho Nacional de Justiça para a prevenção da Covid no sistema prisional que consiste na recomendação da prisão domiciliar para os casos que não tivessem grave violência. A discussão foi bem relevante”, relembra.

A professora ainda destaca a importância de manter espaços como o citado na reportagem no sentido de trazer informação de qualidade para as periferias. “A manutenção desse tipo de espaço é importante levando em consideração principalmente o público que ela atinge, o diálogo com a periferia, a importância de se discutir temas, como por exemplo, o que foi discutido quando participei. Inclusive, para levar informação de qualidade a esse público, para levar informação de qualidade para as periferias e, principalmente, levando em consideração o tempo em que a gente vive com informações a todo tempo, muitas fake news disseminadas pelas redes sociais” reitera.

O alagoano Eronaldo Soares está morando em Tocantins e estuda Geografia na Universidade Federal de Tocantins (UFT). Soares afirma que acompanhar o podcast e as lives do projeto Quarentena Marginal fazem com que ele permita matar a saudade do sotaque, além de ser uma maneira de manter-se conectado com o que está sendo discutido em Alagoas.

“O que me chamou a atenção no Quarentena Marginal foi o formato em si. Seja no formato de lives que permite uma interação no momento ou podcast que é o meu formato preferido porque posso ouvir o conteúdo na hora que eu quiser, com mais calma. Sobre os temas em si, também são bem interessantes, assuntos que nos afetam diariamente, porém não nos chega através da mídia hegemônica ou da mídia institucional. Ter uma galera independente falando sobre esses temas é bem mais interessante”, disse.

A última live do projeto Quarentena Marginal que foi ao ar tem como tema a Educação EAD: precarização do Ensino Básico e o bate papo ficou por conta dos professores Bolinho e Wilson Jamerson.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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