“É aquela coisa, né? É casa de preto, religião de matriz africana. A gente já luta para sobreviver. A gente não luta para o povo gostar da gente, a gente luta para ser respeitado”, defende Mãe Vera.
Depois de registrar um boletim de ocorrência, a iyalorixá procurou mais uma vez a Polícia Civil e recebeu a informação que as investigações estavam em andamento. Assim como no caso da Mãe Nailza, nunca teve retorno.
“Quem quebrou se cortou, mas não tinha polícia para pegar aquele sangue e fazer um teste. Ficou o dito pelo não dito. A única coisa que o escrivão chegou para me dizer é que eu morava em uma área de alto risco. Não, eu não acredito. Eu atribuo à intolerância religiosa”, afirmou.
“É preciso constranger o agressor”
Ao mesmo tempo que sente que a injustiça pode ajudar a alimentar novos crimes, o pai pequeno Nicksson Correia espera que o terreiro não seja atacado novamente.
“Não tivemos uma resposta pelo ato. Seria muito bom ser revelado quem foi, para que os demais repensem por medo de serem presos ou de alguma multa. Conversar sobre o assunto ajuda, mas a punição é mais eficaz”, avalia.
O mestre em Sociologia e graduado bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Carlos Martins, acredita que é preciso reconhecer judicialmente os casos de intolerância religiosa como crime de racismo.
Para ele, o processo de educação precisa ensinar o que é e quando ocorre o racismo, além de contar a história do país numa perspectiva mais abrangente quanto aos assuntos sobre as relações étnicos-raciais.
“É preciso constranger o agressor. A pessoa precisa entender que cometeu um erro e agora está tomando uma surra moral. O brasileiro tem vergonha de falar que existe racismo e assim há um mal-estar com o assunto”, ressalta Martins
Carlos Martins credita os episódios de preconceito sendo o único elemento cultural da África que não foi assimilado, ressignificado e embranquecido no Brasil, ao contrário, por exemplo, dos blocos de carnaval e da capoeira.
“O que produz essa violência e dá legitimidade é esse discurso de que as religiões de matriz africana são do mal, do demônio, do inimigo. Todo esse discurso vai produzindo ódio e legitimando ações de violência. A cultura cristã é a cultura da violência. O cristianismo reivindica o legítimo e o puro e, em nome dessa pureza e santidade, ele sai destruindo tudo que tem pela frente”, argumenta o sociólogo.