Reportagem ouviu lideranças de diversas religiões sobre ato programado para esta terça

Texto: Géssika Costa e Jean Albuquerque

Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal

Nem as constantes entrevistas, coletivas de imprensa e declarações do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB) e do secretário de Estado da Saúde de Alagoas, Alexandre Ayres — nas últimas semanas — sobre a situação preocupante dos leitos de saúde e a possibilidade do pico da pandemia do novo coronavírus ser atingido no Estado foram capazes de coibir a organização de uma carreata que pede a reabertura de templos religiosos.

“Temos 151 UTIs disponíveis em Maceió e 122 estão ocupadas, o que representa uma margem de 81% de ocupação. No interior do Estado, existem 63 UTIs disponíveis e 56 delas estão preenchidas. Ou seja, a ocupação no interior chegou a 89%. É um número bastante preocupante, mas, o Governo de Alagoas vem trabalhando fortemente na ampliação dos leitos clínicos, com mais de 800 deles à disposição para o tratamento de pessoas contaminadas pela Covid-19. Só isolamento irá barrar ocupação de leitos para a Covid-19”, apontou o titular da Sesau na última sexta-feira (05).

Menos de 24 horas depois, pastores protestantes que integram a Ordem dos Pastores Evangélicos de Alagoas (Opeal), grupo que reúne algumas entidades religiosas do Estado, divulgaram a organização de uma carreata programada para esta terça-feira (09), intitulada “Ato Profético — Um Clamor por Alagoas”, que pede a reabertura das igrejas.

Vale lembrar que desde o dia 20 de março, data em que foi publicado no Diário Oficial (DOE-AL) o primeiro decreto de emergência que estabeleceu o isolamento social e consequentemente fechamento de bares, restaurantes, shoppings, museus, templos e igrejas, instituições religiosas estão proibidas de realizar cultos, missas e/ou atividades que gerem aglomeração.

A reportagem do O Que Os Olhos Não Veem procurou lideranças e fiéis de diversas religiões para repercutir a possibilidade de realização desse ato em meio ao luto de 601 famílias e quase 16 mil pessoas infectadas somente em Alagoas, de acordo com dados do último boletim epidemiológico da Sesau.

Confira logo abaixo:

Pastor Wellington Santos – Igreja Batista do Pinheiro

Em primeiro lugar, recebo essa notícia com absoluta estranheza e lamentação profunda. Essa entidade, obviamente, não me representa, mas eu respeito porque ela representa um percentual de pastores que a compõe. Porém, lamento profundamente e me deixa pasmo, diante de um crescente número de pessoas infectadas em Alagoas, tendo recorde e mais recorde de mortes, saber que aqueles e aquelas que deveriam ser os primeiros a se preocuparem com a vida das pessoas farão uma carreata para pressionar o Governo para abrir os seus templos religiosos. Eu sei que a argumentação é que em tempos difíceis é importante que as igrejas estejam disponíveis para servir a sociedade, mas é aí que está o equívoco, a igreja está de portas abertas, porque ela somos nós. Estranho é pressionar o governante a abrir templos que aglomeram pessoas, que mesmo com protocolos vão expor a vida de muita gente em risco quando ainda estamos na subida da curva de contaminação. Inclusive, preciso dizer que discordo dos “pseudopreocupados” com a vida espiritual das pessoas, porque, na verdade, me deixa no ar que a preocupação seja com seus negócios.

Railton Silva, Juremeiro – sacerdote da Jurema e do Candomblé.

Eu sou juremeiro, discípulo do Mestre Preá. Sou tombado na Jurema Santa Sagrada, consagrada e cimentada. Nossa rama da Jurema pertence a Jurema de Pernambuco, dentre outras ramas do Nordeste brasileiro. A Jurema Santa e Sagrada é uma religião onde cultua-se a ancestralidade como o candomblé, mas a nossa ancestralidade indígena vem do caboclo que vem da mistura do índio com o branco aqui na cidade. O índio saiu da sua aldeia e veio para a capital e assim formou outros aldeamentos. E, nesse sentido, nós entendemos a importância da natureza para a nossa relação, nosso bem estar, a nossa saúde, a nossa permanência aqui na terra.

Por isso, nós observamos a realidade da carreata com muito medo, uma vez que infelizmente muitas pessoas ainda não entenderam a gravidade da situação. Muitas pessoas acham que é uma gripezinha e Deus é muito maior do que essa perspectiva de voltar os cultos. Nós podemos cultuar em casa, nós da Jurema paramos nossas atividades. Estamos fazendo a nossa forma como podemos com quem vive no terreiro — apenas algumas pessoas da nossa casa e a gente não tem feito obrigações. Temos que nos cuidar enquanto templos para depois dessa pandemia voltarmos a nos reunir, cultuar as nossas entidades e nossos ancestrais. Para ajudar nossos fiéis/frequentadores e até mesmo nossa comunidade porque não somos um grupo isolado, temos a nossa comunidade em volta que são pessoas, pessoas que estão à margem da sociedade, pessoas que o capital não enxerga, estamos atendendo com trabalhos espirituais, com alimentos, com roupas, com orientação especificando os riscos e os perigos dessa pandemia, mostrando o que tem que ser feito e o que não tem que ser feito, inclusive se resguardando para quando tudo isso passar a gente poder com fé em Papai Tupã possamos nos reunir novamente para confraternizar a alegria de estarmos vivos, a alegria de estarmos bem e vivermos em comunidade e a nossa relação com a natureza.

Mãe Neide D´Oxum – Ialorixá Umbanda/Nagô, fundadora do Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb), da Ong Inaê e Patrimônio Vivo de Alagoas

Eu vejo essa carreata como uma irresponsabilidade por quem está organizando essa ação. Se eu sou religiosa, eu prego a caridade e amor ao próximo. Então vem a fé: de onde você faz a prece, agradecendo a Deus, rezando/orando, Deus está na nossa fé. Qualquer lugar do mundo onde quer que você esteja, você pode rezar e Deus estará presente, sem precisar estar dentro dos templos e levando doença física. Se amamos ao nosso irmão, temos que ter cuidado, porque o amamos. Acho acho essa carreata infeliz. Mesmo que abram os tempos, eu vou continuar com o terreiro esperando que os médicos e os cientistas anunciem que podemos estar perto um do outro, afinal temos que respeitar as leis aqui da terra.

Carlos Matias – Presbítero que auxilia diretamente o pastor presidente da Igreja Assembleia de Deus

As Assembleias de Deus não estão envolvidas nessa carreata. A nossa igreja tem feito nas regiões projetos de entrega de máscaras, álcool em gel com distribuição nas congregações e alguns pontos das comunidades. A igreja trabalha dando assistência aos desempregados, por exemplo, com entrega de cestas básicas, mas aos membros de nossa igreja.

Posso garantir uma coisa, a Assembléia de Deus está quieta, só aguardando e cumprindo os decretos governamentais. Afinal de contas já morreram quatro pastores de Covid-19 e presbíteros também, irmãos que eu conheço já morreram. Então a igreja está preferindo aguardar sempre os decretos. Hoje a posição da Assembléia de Deus é a posição do governo, por exemplo, o que o governo determinou, está determinado. A igreja não se manifesta em nada contrário até porque na igreja têm muitos médicos que trabalham pelo estado e a situação é real, a situação não é uma invenção, é real. Não pode haver aglomeração em hipótese alguma. Uma igreja que vai na contramão do Estado numa situação caótica dessa não vale a pena.

Bàbá Wagner de Shòrokè – Ilé Alàkétu Asé Sohòwè – Casa de Matriz Africana

Nos deixa muito preocupados essa carreata. Nós aqui do Ilè não continuamos com os nossos cultos porque quem ama a vida e os filhos de santos têm que se preservar. Estamos passando pela pandemia e por ataques políticos, gostaria de enfatizar, inclusive, o ataque da Prefeitura em querer nos despejar. Temos que nos resguardar para poder conter essa doença até o devido momento da saída da vacina ou estabilizar a doença no estado. Nos deixa mais indignados é que eles se manifestem para que abram os seus templos pondo em risco à população e sabendo que é uma doença altamente contagiosa. Por aqui, estamos tentando arrecadar alimentos para distribuir entre pais de santo e a própria comunidade para mantê-los em casa e seguros. Agora em relação aos atendimentos estão parados, agora em caso de emergência podemos fazer algo, mas sem contato físico.

Leia mais: Como #FicarEmCasa se a Prefeitura de Maceió emite ordem de despejo?

Igreja Católica Apostólica Romana

A reportagem do O Que Os Olhos Não Veem tentou — via assessoria de comunicação — entrar em contato com o arcebispo de Maceió, Dom Antônio Muniz, da Arquidiocese de Maceió — para saber a opinião dele, mas até o fechamento desta reportagem não obteve respostas.

O que diz a organização

O presidente da Opeal e pastor da Igreja Família Zoë, Glauco Leitão, disse em conversa por telefone na manhã desta segunda-feira (08) que o objetivo da carreata era sensibilizar os gestores para a reabertura das igrejas, uma vez que muitos fiéis não têm acesso à internet e às redes sociais.

“O objetivo da carreata era tornar a atividade essencial. Hoje há um público muito grande, cerca de 30 a 40% que não tem possibilidade de acompanhar via redes sociais ou algo do tipo os momentos online”, explicou Leitão.

 

Ainda segundo o presidente da Ordem, após mobilização, o Governo do Estado sinalizou a entrada da Opeal na mesa que discute, entre diversos setores, os próximos passos para a retomada ou não das atividades.

 

“Decidimos então cancelar a carreata já que houve essa sinalização por parte do Governo em também nos ouvir”, disse o pastor.

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