Por Maria Luíza Ávila e Ezequiel Anacleto especial para os Olhos Jornalismo
Longe dos palcos e com um trabalho não tão bem compreendido no cenário local, a arte drag ocupa pouco espaço na capital alagoana. Festas LGBTQIA+ como a Crush on U e Santa, realizadas na parte baixa da cidade (antes da pandemia de Covid-19), eram os únicos eventos onde as artistas poderiam ser valorizadas e dar brilho e vida a sua performance.
Para entender um pouco dos problemas enfrentados que vão do preconceito à desvalorização dos profissionais, a reportagem do Olhos Jornalismo entrevistou três artistas atuantes na cena local: Reynald Lessa, Jardel Omena, homossexuais e amantes da arte drag, e Gretchen Cibernética, travesti que enxerga na arte drag a possibilidade de se expressar.
Mas antes de compreender o contexto atual, é preciso destacar a força do documentário Maceió Is Burning, de 2017, inspirado no Paris Is Burning, de 1990, que mostra a cena LGBTQIA+ de Nova York nos anos 1980. O documentário traz uma proposta similar ao abordar a cena LGBTQIA+ maceioense. Reynald Lessa, de 28 anos, um dos personagens do documentário, estava em seu primeiro ano de carreira como Khloe Klassy.
“Surgiu com a necessidade de externar tudo que eu tenho dentro de mim. Toda essa euforia, toda essa alegria, todo esse ânimo de conhecer pessoas. A drag só fez aumentar tudo isso que eu sou e levar isso pra muita gente”, explica.
Reynald revela que foi por meio das drag queens — que conheceu no reality show RuPaul’s Drag Race — transmitido pelo o canal norte-americano VH1, e do conhecimento adquirido ao longo dos anos sobre o movimento que percebeu que também poderia brilhar nos palcos.
Já Gretchen traz outra perspectiva a esse propósito. “Eu precisava de uma terapia que me ajudasse a interpretar tudo que eu sinto internamente. A arte drag é muito abrangente e eu procurava alguma arte que abrangesse toda essa grandiosidade de possibilidades. Quando eu percebi que ali eu poderia ser tudo, em meio a nada, decidi que poderia fazer com muito amor e começar a ser a arte que existe dentro de mim, de forma que as pessoas enxergassem cada sentimento”, ressalta.
Ela também conta o quanto a arte drag ajudou-a em outras áreas de sua vida. “Junto à arte da maquiagem, que evoluí de forma autodidata e na prática, aprendi melhor a editar fotos, e ter um melhor polimento de imagem, e uma visão maior sobre o que sinto, como posso controlar meus sentimentos e transformá-los em um roteiro artístico, para que seja algo palpável”.
Sobre a relação entre drag queen e ativismo, Gretchen afirma que: “Fazer drag me trouxe muitas experiências pessoais incríveis, consequentemente cresci em vários aspectos. O drag me trouxe um lado muito mais livre e divertido que eu não sabia que poderia externar. Me ajudou a reconhecer os contrastes fora da bolha que eu vivia e ser um ponto de apoio de vários LGBTs, por me enxergar como uma figura forte”, diz.
As visões sobre a pandemia
A pandemia da Covid-19 fez com que a maioria da população tivesse que ficar em casa e quem dependia do movimento de festas e casas noturnas também foi duramente afetado. “A arte drag foi totalmente atingida como todos os trabalhadores da noite, ficamos inviabilizados de fazer nossos trabalhos”, reflete Reynald, intérprete da Drag Queen Khloe Klassy.
Quando se trata de artistas locais, o prejuízo é ainda maior. Por ter menos visibilidade, esses artistas se veem impossibilitados de trabalhar com suas personagens. “Sendo uma drag local, não tem como ter financeiro de outra forma, como podemos ver drags famosas fazendo lives performances em estacionamentos e etc”, argumenta Reynald.
Quando questionados sobre as dificuldades enfrentadas pelos artistas, Reynald e Jardel são incisivos no assunto: “A arte drag é desvalorizada de forma geral sendo você uma drag local. Mas aqui, além desse fato, a gente tem que lidar com as poucas casas que nos contratam, além do valor proposto para se ter drags nas festas”, revela.
Além das poucas oportunidades oferecidas, Jardel, que interpreta a drag queen Alexis, revela que as maiores dificuldades estão relacionadas ao aspecto financeiro: “Eu cheguei em um momento em que eu não tinha como manter as minhas contas e as contas de Alexis. Maceió não abraça seus artistas locais, não adianta ter um, dois produtores que pagam pelo trabalho de uma drag queen, quando tem três, quatro, cinco querendo contratar em troca de duas águas e três cervejas”.
Ser Drag Queen e Travesti
Desde 2017, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), se preocupa em divulgar o Dossiê de Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras. A pesquisa tem como objetivo denunciar os casos de violência e violações dos direitos humanos contra essa população, enquanto o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo.
O relatório da Antra revela que, em 2020, Alagoas ocupava a 6ª posição no ranking de mortes no Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Na região Nordeste, o estado aparece como o terceiro que mais mata pessoas trans. Desde o primeiro ano de publicação do Dossiê da ANTRA, o Nordeste segue como a região que mais assassina pessoas trans do país, com 43% das mortes.
Gretchen Cibernética, de 22 anos, é travesti e usa seu nome social também como nome artístico da sua personagem Drag Queen. Quando questionada sobre o cenário de violência apresentado por esses dados, ela afirma que:
“É algo que as pessoas não sabem diferenciar e nem proteger. As pessoas têm visões dispersas do que é ser travesti, ser uma pessoa trans, e do que é fazer drag, a visão limitada sobre gêneros, alimenta mais essa ideia, de achar que só homens cis podem fazer Drag. Eu como uma travesti que não tomo hormônios sou limitada a acharem que sou um gay que faz drag. E isso é frustrante, pois só afirma o que digo e sempre repito: não tem como eu me sentir segura e ter esperanças quando as pessoas não protegem e nem entendem o que fazemos”.
O que esperar
O futuro da cena drag queen em Maceió é incerto, mas há um consenso: não existe avanço sem que os artistas locais tenham a valorização que merecem. “Eu não tenho uma visão boa. Maceió é muito limitada, a galera LGBIA+ é bem limitada quando se trata da visão da arte drag. Tirei a sigla T, pois é a sigla mais aberta para a arte drag, para entender e valorizar o que fazemos. O meio cisgênero é muito limitado. Então, não vejo um cenário produtivo”, lamenta Gretchen.
Por outro lado, Reynald tem esperança: “Temos drags excelentes prontas para atender todos os públicos e festas da cidade. Se fôssemos mais valorizadas, conseguiríamos entregar muito mais”.
*Imagem destacada: arte de divulgação do evento Crush on U
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