Essa provavelmente é a eleição mais importante desde a redemocratização do país. Todos estão de olho na disputa presidencial e as coisas parecem, para alguns, já definidas nesse sentido. Só parecem. Enquanto isso, outros quatro personagens também terão de ser escolhidos. Nessa lógica personalista, a impressão é que ao decidir pelo novo presidente — num passe de mágica — todo o estrago dos últimos anos irá se desfazer. É contra essa corrente que se apresenta a Bancada Negra (Psol), liderada por Estefanie Silva e Alycia Oliveira.
Estefanie tem 29 anos, é moradora do Benedito Bentes, o Biu, como todo o maceioense se refere ao bairro. É estudante de administração, presidente do Psol, mãe de Sofia, militante do MTST e dona do salão de beleza Estefanie Afroembelezadora. Alycia é filha dos movimentos negros de Alagoas. Neta das lutas mais antigas que se misturam com o nascimento desse Estado. Professora e mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Mulher negra, de 25 anos, que tem consciência do tamanho do desafio e de como essa luta não começou nessa eleição e, por óbvio, não se encerrará ao final dela. Duas mulheres, pretas, periféricas, antirracistas que almejam alcançar o ainda branco, masculino e hétero plenário Ulysses Guimarães.
Para entender um pouco mais sobre essa candidatura, o Olhos Jornalismo conversou com Alycia Oliveira, que representará nesta entrevista o mandato coletivo. Confira, logo abaixo, o bate-papo.
Homero Baco: Mais de 1.600 votos no último pleito, em 2018, à Bancada Negra. Campanha aguerrida, feita fora de trios e carros de som robustos e com recursos incipientes quando comparada a outras candidaturas. Para quem talvez ainda não conheça, como você definiria a proposta da Bancada Negra?
Alycia Oliveira: A Bancada tem como proposta justamente ocupar esse lugar da política institucional. A gente observa que existe uma falta de representatividade de pessoas negras no âmbito nacional, no âmbito estadual, no âmbito municipal. Principalmente aqui em Maceió que nós passamos por um processo bem violento que foi a aprovação de cotas raciais para os concursos realizados no município. E nós observamos como essa falta de representação ativa dentro da Câmara de Vereadores, por exemplo, impacta diretamente a vida dos cidadãos negros alagoanos que precisam muito dessa cota. A Bancada vem com essa proposta, um mandato negro para a política local. Então, esse ano, nós decidimos novamente participar, avaliando que as eleições de 2020 foram muito positivas para a Bancada Negra. Nós tivemos uma votação bem expressiva, nos localizamos obviamente à esquerda, dentro dessa identificação na política. E aí dentro da esquerda nós somos uma das candidaturas mais votadas (a Bancada teve 1.672 votos). Aqui em Maceió nós tiramos um balanço positivo. Foi muito bom receber essa quantidade de votos.
H.B: Bolsonaro ainda no poder, riscos à democracia e à continuidade do Estado Democrático de Direito. Como avaliar o cenário nacional?
A.O: Nós avaliamos que na conjuntura nacional temos um ano bem difícil. Foram quatro anos de governo Bolsonaro que foram extremamente difíceis e a gente não fala de um lugar em que a gente observa os dados, a gente fala de um lugar em que a gente vivenciou essa dificuldade. Então, por exemplo, eu sou uma mulher que saiu da periferia, mas a minha família está na periferia de Maceió. Eu saí por necessidade, porque eu precisava de acesso à cidade pra poder trabalhar. E aí eu me mudei. Senão, estaria em Fernão Velho, hoje, inclusive. Mas a minha família está lá então, eu sei o que foram esses quatro anos de governo Bolsonaro. Nós sabemos que foram anos infernais. Está faltando comida pra galera da periferia.
E faltou vacina por muito tempo pra essa galera. Eu acho que a gente não pode esquecer disso. Inclusive tem que ser uma das coisas que a gente precisa bater na tecla de que não foi comprada a vacina pro povo brasileiro, por negligência. E depois a gente descobre que é por questões de querer lucrar com esse fator. A minha família que ficou na periferia está até os dias de hoje com muita dificuldade. O quilo da carne que tá impossível comprar. Até o do carro do ovo não passa mais porque até o ovo aumentou. As pessoas que comiam carne passaram a comer ovo e pessoas que comiam ovo nem ovo tão podendo mais comer.
H.B: Acredito que ao citarmos a conjuntura política é inegável não pensarmos no papel do PT. Qual é a opinião da Bancada Negra sobre o partido neste momento e também sobre suas ações quando esteve no poder?
A.O: Nós reconhecemos muitos dos problemas que o governo do PT teve, principalmente para juventude negra brasileira. Nós temos encarceramento em massa da população negra durante os governos do PT, a implementação das unidades pacificadoras, as UPPs, também foram muito problemáticas para a população negra. Mas nós estamos diante de um cenário em que eu acredito que não dá pra ficar imaginando ou pensando em terceira via, sabe? Eu acredito que nós temos uma tarefa que é urgentíssima que é tirar o governo Bolsonaro. Por isso, eu acho que a Bancada tem muito essa característica, sabe? De discutir teoria, a gente tem essa capacidade, a gente quiser discutir o socialismo, o comunismo, revolução. Nós temos como discutir teoria, mas a gente vive muito a política, como o Geysson {Geysson Santos, militante do movimento negro} fala: “no chão de terra”. Nós somos desses lugares, a gente sabe que não pode passar muito tempo discutindo essas questões que são tão graves. A gente precisa tomar decisões e nesse momento nessa eleição entende que o apoio ao Lula nessa conjuntura nacional como uma tentativa. Na sequência disso, podemos pensar composições ao PT ou pode trabalhar pra sugerir e construir políticas que melhorem a vida das pessoas em geral. A Bancada Negra não faz política apenas para pessoas negras. Nós entendemos que a eliminação do racismo e da discriminação racial são benéficas pra toda a sociedade.
A gente pensa política dessa forma, a gente pensa política em que as pessoas precisam ter pelo menos de novo um prato de comida por dia porque nas condições em que nós estamos as pessoas voltam ao mapa da fome no Brasil, condição de miséria acentuada e aí eu volto a dizer: essa questão a gente não imagina e a gente não está falando de números, nós estamos falando de pessoas que nós vimos, nós vemos diariamente. Eu e as pessoas que integram a Bancada são pessoas que fazem parte dessas periferias. A gente sente diretamente os impactos dessa política nefasta que é do governo Bolsonaro. Temos como tarefa retirá-lo do poder. E vamos contribuir sim para a eleição de Lula. Enxergamos que a gente pode fazer uma oposição, mas fazer oposição ao Lula é melhor do que fazer oposição a um fascista que é o Bolsonaro.
H.B: Quais são as prioridades nesse pleito?
A.O: Eu acredito que partimos de um lugar dentro da Bancada que é o de entender quais são as reais prioridades. Não partimos desse lugar de ser o representante dessa massa, de que ‘olha eu estou aqui tomando decisões por vocês e a nossa relação vai ser essa’. Muito pelo contrário. A construção do projeto político da Bancada foi justamente construir um projeto em conjunto com os movimentos negros. Os movimentos sociais aqui da cidade de Maceió. Não existe uma representação. O projeto é trazer para esse mandato coletivo, que é um mandato coletivo de fato, não é um mandato coletivo de três ou quatro pessoas, é um mandato coletivo de várias pessoas que integram o movimento negro. Para entender quais são as prioridades reais do nosso povo. E quando eu digo o nosso povo, eu falo povo alagoano, povo preto, povo periférico.
Eu acredito que essa é a chave. Nós assistimos, nós presenciamos, nós vivenciamos quais são essas realidades e a gente traz para proposta de mandato essas urgências. O Geysson fala muito isso. Que nós queremos viver e isso é um direito nosso que vocês negam o tempo todo. A nossa vida. A gente não pode nem existir nesse país. Muito menos nesse Estado. Muito menos nessa cidade que é Maceió. Então vivemos num país que é negro, vivemos numa num Estado que é negro. Vivemos numa cidade que é negra, mas a nossa a nossa vida é negada. Nós somos sujeitos matáveis.
H.B: E quais as pretensões de vocês? Acham possível a eleição para o cargo esse ano?
A.O: As nossas pretensões para essa eleição é que a gente consiga projetar a Bancada Negra para fora de Maceió. Em 2018, tivemos votos no interior, teve voto no sertão, teve voto no agreste. E a gente precisa avançar. Temos a intenção de expandir, fazer com que a Bancada chegue cada vez a mais pessoas nessa eleição e a gente tem como objetivo eleger para o legislativo municipal em 2024. Esse é um objetivo claro que nós temos. Isso já foi conversado entre a gente e estabelecido. É uma esperança que a gente tem, mas é uma esperança baseada em fatos.
H.B: O que podemos esperar para o futuro no estado de Alagoas?
A.O: Eu queria dizer que a gente tem esse projeto político de representação do povo pelo povo, a gente não quer mais ser representado por ninguém que fala ‘ó gente, eu estou aqui pra representar vocês eu estou aqui pra falar com vocês’. A Bancada é esse projeto em que o povo fala, a gente não teme não quer ninguém lá na frente segurando o microfone. Queremos as nossas reivindicações, os projetos direcionados para a nossa população para população negra alagoana. Nós somos a maioria desse Estado, estamos no Estado em que Zumbi dos Palmares viveu, Dandara viveu. O Estado historicamente marcado pela cultura negra, pelas nossas reivindicações, pelos nossos trabalhos, pelas nossas contribuições. Nós levantamos esse Estado e a gente quer essa representação, a gente quer estar ocupando esses espaços e a política institucional é um desses passos. É um projeto coletivo pra que nós possamos ser representados, pra que as nossas demandas sejam levadas para o legislativo, para o executivo e para a política institucional. A gente não faz política só institucional, né? A nossa política está, como diz o Geysson, no chão de barro. A gente está integrando as diversas movimentações, diversos movimentos sociais, movimento negro. E entendemos que precisamos ocupar esse espaço.
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