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Negros presos com drogas são mais enquadrados por tráfico que brancos em AL

Dados foram obtidos pela reportagem do Olhos Jornalismo via LAI

Negros presos com drogas são mais classificados por tráfico do que porte de drogas para uso pessoal, em comparação a brancos em Alagoas. Só para se ter uma ideia, dos 9.934 suspeitos da raça negra (soma de pretos e pardos, de acordo com classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE) presos por tráfico, a Polícia Civil de Alagoas (PC-AL), classifica apenas 15.96% como consumo próprio. Já dos 1.894 brancos presos por tráfico, 22% são classificados como de uso pessoal.

A reportagem do Olhos Jornalismo analisou, em parceria com o Instituto Sou da Paz, a série histórica do perfil de pessoas presas por ocorrências relacionadas à drogas nos últimos nove anos. Os dados são do setor de Procedimentos Policiais Eletrônicos (PPE), da Assessoria Técnica de Estatística e Análise Criminal da Polícia Civil (ASSTEAC), obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Dados foram obtidos pela reportagem do Olhos Jornalismo via LAI (Dyego Duarte/Olhos Jornalismo)

Como definir?

De acordo com o advogado criminalista Marcelo Herval, a interpretação em relação ao tráfico depende da leitura da autoridade policial e do judiciário que irão definir se o indivíduo se enquadra na modalidade de porte de drogas para consumo pessoal ou tráfico. 

“A atual legislação de entorpecentes vigente no Brasil (Lei 11.343/2006) não apresenta, de forma clara e objetiva, critérios que permitam taxativamente diferenciar as situações relativas ao consumo pessoal e ao tráfico de drogas”, destaca. 

Advogado Marcel Herval (Foto: Divulgação)

Herval ainda pontua que – sendo hipótese de consumo pessoal – o delegado de polícia não pode lavrar auto de prisão em flagrante, uma vez que o procedimento para este caso é a confecção de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), ficando a cargo do Poder Judiciário definir em relação à pessoa apreendida com a substância entorpecente. 

Na prática, o que percebemos é que essa ausência de objetividade da lei ― que estabelece, para fins de diferenciação entre usuário e traficante, parâmetros extremamente genéricos e subjetivos, a exemplo da natureza da droga, do local de apreensão, das circunstâncias e antecedentes de quem tenha sido apreendido ― abre espaço para uma série de arbitrariedades e prisões injustas 

O advogado ainda esclarece que, atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute, no julgamento do Recurso Extraordinário, processo número (635.659/SP), a possibilidade de descriminalização do porte e consumo pessoal de droga, “a partir do estabelecimento de critérios quantitativos que permitam objetivamente diferenciar a pessoa apreendida com droga como usuária ou traficante”. Até o presente momento, Herval esclarece que três dos onze ministros manifestaram parecer favorável à descriminalização. O julgamento aguarda, desde 2015, o posicionamento dos demais integrantes da corte. 

Pesquisa

As pesquisadoras Laura Nepomuceno e Thayná Lobato desenvolveram, sob a orientação do professor André Sampaio, na época da graduação, o projeto de iniciação científica: “O tráfico de drogas e a seleção policial: uma análise dos critérios utilizados para distinção entre os crimes de uso e tráfico de drogas na cidade de Maceió entre os anos de 2016 e 2017”. Foram analisados 119 processos, onde foram apreendidas um total de 162 pessoas, excluindo os adolescentes e jovens em conflito com a lei. A pesquisa revela que o perfil de cerca de 63% dos encarcerados por tráfico era homem, jovem entre 18 e 24 anos, negros e geralmente tendo como atividade econômica empregos informais, com nível de escolaridade até o ensino fundamental. Em relação ao local das ocorrências, em sua maioria foram presos em bairros de maior vulnerabilidade social. 

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Massa de droga apreendida em AL 

A reportagem do Olhos Jornalismo também teve acesso via LAI ao número da massa de drogas apreendidas no Estado de Alagoas entre 2016 e 2020. Nos últimos quatro anos, a droga mais apreendida foi a maconha, com a marca de 15.566, 29 kg, seguida da cocaína com total de 1.648 kg, crack com 197 kg, e pasta de cocaína 136,96 kg, já clorofórmio — matéria prima para a fabricação de “loló”, 29,2 litros. 

Quantidade de drogas apreendidas em Alagoas (Infográfico: Dyego Duarte/Olhos Jornalismo)

*Esta reportagem foi resultado das oficinas do Programa de Jornalismo de Dados de Segurança Pública ofertado pelo Instituto Sou da Paz

Géssika Costa e Jean Albuquerque

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