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Nossos amores em tempos de pandemia

Uma crônica sobre as reações emocionais do isolamento

Texto: Dayane Laet

Fotos: Arquivo Pessoal

Com esse título parafraseando Gabriel García Márquez e seu romance que conta o amor de Florentino e Firmina ao longo de quase 53 anos sem nenhum contato, me peguei pensando qual seria a opinião do autor Nobel de Literatura sobre essa maldita pandemia e suas consequências emocionais.

Isolada desde março, fui demitida no mês anterior e ainda me acostumava com a nova rotina de não ter rotina quando tudo mudou repentinamente. O isolamento tomou proporções necessárias e tivemos de nos adaptar e aprender a lidar com o espaço de uma casa simples e pequena, poucas saídas dela e todos os protocolos de limpeza. O mais difícil, no entanto, tem sido conviver comigo mesma sem a presença das pessoas que ajudam a dar sentido ao viver.

Não posso reclamar. Tenho amigas que são fruto do Ensino Médio, outras feitas ao longo dos seis anos de convivência diária no antigo emprego. A moça da padaria, a vizinha com quem dividia a carona… Dentro da realidade de cada uma, sei que posso contar com a mão estendida em uma necessidade. Mas, e quando a mão não pode ser tocada e o abraço precisa ser adiado?

Essa semana precisei ir à casa de uma das amigas mais antigas e foi a primeira vez em quase trinta anos de convivência que não pudemos nos abraçar. De um lado do vidro, mesmo de máscara, vi os olhinhos da Elaynne se apertarem e a ouvi soluçar. O choro foi pela impossibilidade de sentarmos para uma simples conversa e falarmos de nossas vidas, como fazíamos sempre. Também cuidando de uma mãe idosa, ela entendeu que não devíamos arriscar e eu concordei. É estranho ter de evitar quem se ama por proteção mútua.

“Eu te amo, por isso não devo me aproximar”.

Desse mesmo grupo de amizades antigas, Tatiana, a “Xála”, enviou mensagem dizendo que tinha contraído Covid-19 e estava em isolamento total em casa. Mais uma semana de pesadelos, ansiedades e medo. Quis cuidar e levar uma sopa, mas durona e turrona, ela não aceitou. A pior parte é que Xála não aceitou por amor e eu quis bater nela por isso. Na mesma semana perdemos um dos nossos professores pra mesma doença.

Hoje, seguindo o perfil rebelde, decidi passar na porta da casa de outra amiga e gritei do portão: “não vou entrar! Só aparece aí na janela!”. E assim foi. Dieldja apareceu com a filha Helena no colo e, em uma das mãos, um tubinho de álcool em gel. Trocamos frases de carinho e saudades, voltei ao carro e chorei durante a volta para casa. Chorei de alívio. Chorei de saudade. Chorei sem saber o porquê, sendo bem sincera.

A verdade é que tenho aprendido que uma boa parte de mim pertence e existe nas pessoas que escolheram fazer parte da minha vida. E é justamente essa parte que está em conflito: de um lado fico feliz que todos estejam bem e do outro sinto a ausência como um dos sintomas mais difíceis dessa pandemia. Nada substitui o contato físico, ainda que as telas ajudem. (Quem tem amor distante sabe bem do que estou falando).

Das memórias afetivas o que fica sempre soa como nostalgia. Com esse período de isolamento tudo fica potencializado na nossa cabeça, como uma eterna madrugada. Passei a relembrar de pessoas que fizeram parte da minha história por um tempo e já não estão por perto. Concluo: aquele amor que não durou pra sempre, foi amor SIM. Foi sentimento legítimo e, ainda que por um tempo, formamos um elo bonito de ser ver e gostoso de viver. Amei como gostaria de ser amada e sou grata por perceber isso hoje. Se há um respeito que devemos praticar é o respeito à própria história.

Amigos, amores e momentos vividos. Diante desse isolamento que ameaça durar além do previsto, precisamos aprender a conviver com a solidão para conseguirmos traçar novos objetivos e seguir em frente, já que observar o passado não nos faz voltar para ele. Voltar a fazer planos e lembrar que tudo é, literalmente, uma questão de tempo. Paciência com as próprias limitações e aquela força que a gente não sabe que tem, até precisar dela. É fácil? Não, mas se precisar de uma ajudinha, lembre-se de Gabo.

De cem anos de solidão ele entende bem.

Olhos Jornalismo

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