Reportagem

Seis meses após fortes chuvas, quilombolas lidam com prejuízos econômicos e desigualdade social

Enchentes na Bahia serão ainda mais frequentes, e de maior intensidade, alerta Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)-2021

Os prejuízos da enchente que assolou a Bahia em dezembro de 2021 já somam mais de R$5 milhões, em perdas na lavoura, de animais e moradias nas comunidades quilombolas espalhadas pelo Estado. As fortes chuvas foram causadas pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), mas o desmatamento de mata ciliar, bem como assoreamento de riachos e rios podem ter agravado tragédia. A “Suíça baiana” virou “Veneza”. Vitória da Conquista registrou maior número de comunidades quilombolas atingidas pela enchente: 14, todas situadas na zona rural.

De acordo o levantamento do Movimento Estadual das Comunidades Quilombolas da Bahia (Cenaq) e da Secretaria Estadual de Relações Institucionais (Serin), cerca de 63 comunidades foram atingidas direta ou indiretamente pela enchente. Dentre os 27 municípios, destacam-se: Bom Jesus da Lapa, Palmas de Monte Alto, Simões Filho, Ibipeba, Vitória da Conquista, Serra do Ramalho, Anagé e Itacaré.

Claudenice dos Santos, quilombola do interior da Bahia, lamenta os prejuízos após as chuvas (Foto: Janaína Neri)

Claudenice dos Santos, quilombola do Boqueirão, em Vitória da Conquista, viu sua plantação de milho e feijão ir por “água abaixo”. O desespero foi ainda maior, pois o marido, Joel, na época, tinha sofrido o segundo AVC. Celeste precisou contar com ajuda de vizinhos para salvar a casa. A Defesa Civil do Município esteve no local, alertou sobre o risco de desabamento, mas não adotou medidas emergenciais para segurança da família.

Histórias como a da Claudenice ecoam pelo país. O nordeste brasileiro é uma das regiões do Planeta mais vulneráveis às mudanças climáticas. As fortes chuvas na Bahia ativaram o alerta para a emergência climática, pois os locais mais atingidos foram áreas da zona rural. É preciso considerar a vulnerabilidade, agravada pela ação humana com assoreamento dos rios, perda de vegetação que segura o solo das matas ciliares que protegem as margens fluviais. Nas cidades, os alagamentos são agravados pela impermeabilização do solo e canalização de rios e canais que impedem a absorção da água. Na COP26, o Governo Federal se comprometeu a reduzir 50% das emissões dos gases de efeito estufa da atmosfera até 2030. Mas, na contramão o desmatamento aumentou vertiginosamente no Brasil.

“A atmosfera mais quente é capaz de armazenar mais vapor d’água, para chegar ao ponto de saturação, mais água precisa ser retirada da superfície via evaporação ou evapotranspiração. Isso agrava as condições de estiagem com o prolongamento dos períodos de seca. Do outro lado, uma vez a atmosfera mais ’saturada‘, têm-se mais vapor d’água para se condensar, produzindo chuvas mais intensas e bastante concentradas”, explicou Alexandre Costa, físico com doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A ausência de vegetação para proteger o solo e as nascentes aumenta o risco de enchentes cada vez mais devastadoras.

No Quilombo Barreiro do Rio Pardo, também em Vitória da Conquista, famílias tiveram que sair às pressas de suas casas utilizando helicóptero, por conta do aumento do nível do Rio Pardo, devido à abertura das comportas da Barragem Machado Mineiro, em Minas Gerais. O quilombola Pedro Vieira dos Santos, de 50 anos, ribeirinho nascido e criado no quilombo, presenciou as águas do rio inundarem sua plantação de milho, feijão, banana e hortaliça, totalizando um prejuízo de mais de 10 mil reais. Sem alimentos e sem renda, ele precisou se reinventar, e hoje, as águas do rio são utilizadas na irrigação da roça, agora, a alguns metros de distância das margens.

A titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), Ana Claudia Passos indagada sobre projetos para recuperação de matas ciliares, informou que o município não tem nenhum projeto de reflorestamento na zona rural ou campanhas de educação ambiental junto às comunidades quilombolas. 

Depoimento

Na véspera de Natal, dia 24, eu, meu marido e dois filhos tivemos que ir para casa dos meus pais buscar abrigo. Minha produção de bolos caseiros estava em risco, a água nas estradas me impediu de entregar às encomendas. E, infelizmente, o pior estava por vir: a água levou parte da minha casa, indo junto à cozinha de adobe e minha fonte de renda. Agora, nesse São João, aqui na Comunidade, ganhamos gás de cozinha da ação social (Brasil Sem Fome) e espero tirar um dinheirinho com a venda dos meus bolos, para tentar reconstruir meu lar

Luciana Rosa, do Quilombo do Boqueirão, em Vitória da Conquista (BA)

 

CONFIRA A LISTA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS ATINGIDAS

MUNCÍPIOS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
ANAGÉ ÁGUA DOCE
ANAGÉ MANDACARU
ANAGÉ TORTA DOS PRETOS E LAGOINHA
BELO CAMPO BOMBA
BOM JESUS DA SERRA MUNBUCA
BOM JESUS DA LAPA LAGOA DO PEIXE
BOM JESUS DA LAPA ARAÇA CARIACÁ
BOM JESUS DA LAPA BEBEDOURO
BOM JESUS DA LAPA RIO DAS RÃS
BOM JESUS DA LAPA NOVA BATALHINHA
CAETITÉ SAMBAÍBA E MATA DO SAPÊ
CAMPO FORMOSO LAGE DOS NEGROS
CONTENDAS DO SINCORÁ SÃO GONÇALO
ENCRUZILHADA BREJINHOS
ÉRICO CARDOSO PARAMIRIM DAS CRIOULAS
IBIASSUCÊ SANTO INÁCIO
IBIPEBA SERRA GRANDE
IBIPEBA SALVA VIDAS
IBIPEBA OLHO D’ÁGUA DO BADU
IBITITÁ CANOÃO
ITACARÉ SANTO AMARO
ITACARÉ JOÃO RODRIGUES
MALHADA TOMÉ NUNES
MALHADA PARATECA E PAU D’ARCO
MUQUEM DE SÃO FRANSCISCO FAZENDA GRANDE
NOVA CANAÃ LAGOINHA
PALMAS DE MONTE ALTO BARRA E JUAZEIRINHO
PALMAS DE MONTE ALTO EMPOEIRA
PALMAS DE MONTE ALTO LAGOA SECA
PALMAS DE MONTE ALTO RANCHO DAS MÃES
PALMAS DE MONTE ALTO ANGICO
PALMAS DE MONTE ALTO AROEIRA,TOQUINHA E BRASILEIRA
PALMAS DE MONTE ALTO MARI
PALMAS DE MONTE ALTO VARGEM CUMPRIDA
PALMAS DE MONTE ALTO CEDRO,CURRAL NOVO E SITIO CANJIRANA
PALMAS DE MONTE ALTO JUREMA
PALMAS DE MONTE ALTO VARGEM ALTA
PALMAS DE MONTE ALTO LEÃO
PIRIPÁ LAJINHAS
RIBEIRÃO DO LARGO THIAGOS
RIACHO DE SANTANA PAUS PRETOS DE VESPERINA
RIACHO DE SANTANA AGRESTE
RIO DE CONTAS BARRA, BANANAL E RIACHO DAS PEDRAS
SERRA DO RAMALHO BARREIRO GRANDE, ÁGUA FRIA E PAMBU
SIMÕES FILHO RIOS DOS MACACOS
TREMEDAL QUENTA SOL
VITÓRIA DA CONQUISTA BARREIRO DO RIO PARDO
VITÓRIA DA CONQUISTA BOQUEIRÃO
VITÓRIA DA CONQUISTA BAIXA SECA
VITÓRIA DA CONQUISTA LAGOA DE MELQUIADES
VITÓRIA DA CONQUISTA RIBEIRÃO DOS PANELEIROS
VITÓRIA DA CONQUISTA CACHOEIRA DOS ARAÇAS
VITÓRIA DA CONQUISTA CORTA LOTE
VITÓRIA DA CONQUISTA FURADINHO
VITÓRIA DA CONQUISTA LAMARÃO
VITÓRIA DA CONQUISTA SÃO JOAQUIM DE PAULO
VITÓRIA DA CONQUISTA SINZOCA
VITÓRIA DA CONQUISTA VELAME
VITÓRIA DA CONQUISTA LARANJEIRAS
VITÓRIA DA CONQUISTA CACHOEIRA DO RIO PARDO
WANDERLEY SACUTIABA
WENCESLAU GUIMARÃES RIO PRETO
XIQUE XIQUE XAMPRONA

Esta reportagem, de autoria de Janaína Neri, é fruto do edital do Instituto ClimaInfo, em parceria com o Observatório do Clima e com o apoio do Programa SPIPA(*) por meio do Instrumento de Parceria da União Europeia e do Ministério Federal Alemão para o Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) no contexto da Iniciativa Climática Internacional (IKI).

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