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“O tratamento é desumano e só sabemos alguns ‘flashs’”, diz secretário-geral da OAB sobre presídio

Leonardo Moraes, secretário da OAB-AL, fala sobre os presídios em Alagoas

Da redação

Presos estirados no chão enquanto tentam, desesperadamente, respirar. Isso é o que mostra vídeo divulgado pelo perfil nas redes sociais da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento, no domingo (13).

O caso aconteceu no Presídio Masculino Cyridião Durval de Oliveira Silva, unidade administrada pela Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social (Seris), e localizada no complexo penitenciário no bairro Tabuleiro do Martins, parte alta de Maceió.

Saiba mais: Vídeo: com falta de ar, presos agonizam no chão do Cyridião Durval

Para analisar a situação, a reportagem do O que os Olhos Não Veem entrou em contato com o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB-AL), Leonardo Moraes, que acompanhou o caso de perto.

A OAB participou de uma inspeção no Sistema Penitenciário de Maceió e, além dos problemas de superlotação, identificou um transbordamento de esgoto, na terça-feira (15). Um relatório com sugestões e solicitações de melhorias está sendo confeccionado e será encaminhado à Seris.

Confira a entrevista abaixo:

O Que Os Olhos Não Veem — Acho que o que mais chocou no vídeo foi ver várias pessoas sem ar no meio de uma pandemia de um vírus que causa justamente isso. Como essas situações extremas podem ser evitadas? O que o Estado pode fazer para acabar com a superlotação?

Leonardo Moraes — Para evitar esse tipo de situação, é necessário que seja feita uma redistribuição dos presos com outros presídios. Existem presídios com mais vagas que presos, enquanto outros estão superlotados, com até 130%. Essa seria a primeira coisa a se fazer. Segundo, deve ser averiguado se as pessoas que estão presas realmente precisam ficar detidas, pessoas que já podem progredir no regime, outros que estão com a prisão temporária decretada há alguns meses, outros até anos. Tem que tomar medidas mais salubres, observar a quantidade de presos que estão com cela, possibilitar a visita da família, um ambiente mais arejado. Tudo isso é importante para manter as condições de saúde.

OQOONV — Tenho a impressão de que pouco se sabe sobre o que realmente acontece dentro do sistema prisional, não só o alagoano, mas também o brasileiro, e sobre qual é a real situação dos reeducandos, salvo engano em casos pontuais como esse [falta de ar e esgoto] quando o problema é tão grande que alguma imagem acaba vazando. É isso mesmo?

LM — Essa preocupação é completamente pertinente. O acesso ao sistema prisional só é feito com agendamento prévio. E o que acontece lá dentro a gente não sabe nada além do que é noticiado. O tratamento é desumano e só sabemos alguns ‘flashs’.

OQOONV — A Seris abriu uma sindicância e afastou 7 policiais penais por 60 dias, que podem ser prorrogados por mais 60. Foi a decisão certa a tomar? O que mais pode/precisa ser feito em relação a essa situação específica?

LM — O afastamento foi feito com os policiais penais que estavam de plantão naquele dia. Uma coisa que fica clara no vídeo é que são pessoas no chão e ao invés do socorro ser prestado, aquilo foi filmado, para denunciar as condições desumanas, que o tratamento dado é aquele, não só dos presos, como dos policiais penais. Isso me chamou atenção. Não existe ‘terra de ninguém’, é necessário que qualquer pessoa que venha a errar, seja por ação ou omissão, seja responsabilizada. Soube que a investigação já estava em andamento, se for comprovado a omissão de socorro, a responsabilidade deve ser cobrada. É interessante que todo agente público que haja em excesso responda pelo ato, seja na segurança pública ou qualquer outro servidor. A obrigação do estado é aplicar a pena. Não é aplicar a pena mais tratamento desumano, mais insalubridade; é só cuidar para que a pessoa fique presa, para que saia melhor. Mas, da forma como está, acredito que saem pior do que entram.

OQOONV — Além da OAB, quem tem a função de fiscalizar e como, na sua opinião pessoal, eles têm agido até então?

LM — A OAB, o Conselho Penitenciário e a Defensoria Pública são os três únicos órgãos que têm essa preocupação com o sistema prisional. A OAB aparece constantemente no sistema prisional, nosso contato é diário, conversando com diretores, policiais penais, até com o secretário, justamente para evitar que situações como essa aconteçam, e mesmo assim acontecem. Esses órgãos têm fundamental importância nesse processo.

OQOONV — Segundo as últimas informações divulgadas sobre a pandemia no sistema prisional alagoano, o número de casos de Covid-19 em detentos dá conta de que 66 estão em tratamento, 65 recuperados e 78 descartados; entretanto, não houve mortes. Há um medo de que os números estejam subnotificados?

LM — Claro que existe essa expectativa que esses números não correspondam à realidade. É indispensável que todo ato do poder público seja o mais transparente possível. A gente não tem muita informação da situação lá dentro. Quando conversamos com os presos, eles falam que alguns têm suspeita de Covid-19, e aí vão receber o tratamento no hospital de campanha. É injustificável ter esse tipo de tratamento desumano em pleno século XXI, mas, infelizmente, ainda acontece.

OQOONV — De vez em quando, os policiais penais entram em greve ou suspendem alguma atividade, pois estão pleiteando alguma demanda com o governo do Estado. Da última vez, teve a questão das feiras que gerou vários protestos. Isso piora a situação dos presos? Ou essa possível falta de visibilidade com os policiais também é um sintoma de como sistema prisional é tratado?

LM — Essa forma de protestar tem que ser o último recurso. O que nós, como advogados, questionamos é a quantidade de vezes que paralisa o funcional, seja para visitas, seja para o atendimento dos advogados em relação aos presos. É necessário que tenha sempre a transparência. Claro que o servidor precisa de condições dignas, isso é muito importante, mas um movimento que busca reivindicar os direitos da categoria não pode esmagar direitos básicos, como é da família visitar o preso e do advogado conversar com o cliente. Acho que se for pensar no limite das coisas, se excede um bocado enquanto a isso.

Olhos Jornalismo

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