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Por que a praça não pode ser de Dandara dos Palmares? Após pressão, JHC revoga lei

Mudança de nome foi publicada no Diário Oficial do Município dessa quinta

Ilustração mostra Dandara, guerreira negra que lutou bravamente no Quilombo dos Palmares (Imagem: Câmara dos Deputados)

 

Enquanto o som dos atabaques e agogôs ecoava no palco do Teatro Deodoro — em alusão aos 10 anos da tradicional Festa das Águas — a três quilômetros dali, a caneta do prefeito da capital alagoana, João Henrique Caldas, o JHC (PSB), deixava evidente que o silenciamento da história, das manifestações do povo negro e o racismo institucional voltaram a ganhar outros capítulos nas mãos dos que se autointitulam como os ‘novos’ gestores.

É que a edição do Diário Oficial de Maceió desta quinta-feira (21), dia marcado pela luta contra a intolerância religiosa e, principalmente, no combate aos episódios de preconceitos sofridos pelos religiosos de matriz africana, trouxe um decreto que modifica o nome de uma praça localizada na Jatiúca. Esse ato municipal revogou a Lei nº. 4.423, de 12 de Maio de 1995, que denominava que o referido equipamento público levasse o nome de Dandara dos Palmares. No lugar do nome da mulher negra e guerreira fundamental na construção e comando do Quilombo dos Palmares, — Praça Nossa Senhora da Rosa Mística.

Praça Dandara dos Palmares, na Jatiúca (Foto: Reprodução Google Street View)

Apesar da mudança ter sido publicada ontem, o Instituto do Negro de Alagoas  já havia denunciado ao Ministério Público quando o fato era um projeto de Lei do parlamentar Luciano Marinho (MDB). Com a publicação oficial, o INEG-AL  contatou, mais uma vez, a 66ª Promotoria de Justiça da Capital.

“Enviamos documento à Fundação Municipal de Cultura, à Câmara de Maceió, à Secretaria Municipal de Turismo para fazê-los entender o grande erro cometido quanto à mudança do nome. Entendemos, desde o início, que seria uma afronta à história e, hoje, infelizmente, esbarramos nessa lei municipal que já provocou várias manifestações de segmentos afros do nosso Estado. Por conta disso, já me debrucei na ação civil pública para que o chefe do Poder Executivo Municipal de Maceió reverta sua decisão em respeito à cultura e à história do povo”, ressaltou o promotor Jorge Dórea da 66ª Promotoria.

A reportagem do O Que Os Olhos Não Veem entrou em contato com o advogado Pedro Gomes, do INEG-AL, que informou as ações que o Instituto tomou sobre o caso.

“Essa lei é um absurdo e com certeza se torna um crime, uma vez que já existem outras praças com o mesmo nome de Rosa Mística. O local da Praça Dandara é marcado, historicamente, por reuniões do povo negro. Alagoas tem uma dívida histórica. Somos a própria República dos Palmares e temos que dar o exemplo.O INEG vai continuar lutando, em todos os âmbitos, para evitar que a memória seja apagada”, ressaltou Gomes.

Cláudio Jorge, mestre em Educação pela UFPE (Foto: Divulgação)

O mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cláudio Jorge Gomes de Morais, debruça o seu olhar a partir do ato publicado no Diário Oficial do Município e chama atenção para a tentativa de silenciamento do legado das referências negras em Alagoas.

“Esse movimento da identidade nacional e narcisismo coletivo também vem produzindo esse efeito de silenciamento. Interessante, por exemplo, que existe dentro dessa perspectiva esse estranhamento: um grupo se acha muito mais pertencente a uma localidade, a uma região, a uma nação do que outro e dentro disso ocorre a tentativa de apagar a memória e uma comunidade. Apagar o nome de Dandara e de Zumbi. Um grupo que tem um projeto que vai culminar na tentativa ou de embranquecer ou de silenciar essa memória coletiva. É uma manobra discursiva e ideológica que apaga o passado na construção de um vazio histórico sem sustentação”, argumenta.

Morais reflete ainda que esse tipo de ato oficial demonstra um passado sempre presente que combina, antes de tudo, com uma política marcada pela indiferença com a diversidade.

“É uma tentativa ideológica de submeter e fragmentar o Movimento Negro em Alagoas. É uma verdadeira articulação. Uma necessidade de uma compreensão arquitetônica de combinar o racismo estrutural dentro de um propósito de silenciamento coletivo das memórias das lideranças que historicamente sempre foram invisíveis, seja na escola, nos livros didáticos ou na academia. A história que se narra sempre foi e ainda é a de quem venceu. A história precisa ser revelada a contrapelo, como diz Walter Benjamin. Alagoas precisa prestar contas com o seu passado, mas não com silenciamento”, explica o mestre.

Repercussão

Horas depois da publicação e após pressão do movimento negro, a Prefeitura de Maceió emitiu uma nota no início da noite dessa quinta-feira (21) informando que o prefeito JHC (PSB) tornou sem efeito a sanção da lei que alteraria o nome da Praça Dandara dos Palmares para Nossa Senhora da Rosa Mística. A substituição foi publicada no Diário Oficial de hoje. (Confira clicando aqui!)

Géssika Costa

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  • Uma história não pode ser apagada, deve ser aceita e respeitada mesmo que a mascarada performance seja a atual maquiagem de preconceituosos colocando ruge branco em cima da pele morena.

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