Texto de João Arthur Sampaio e Tais Albino
Foto: Arquivo Pessoal
Aos 21 anos, Leandra Maria dos Santos é a única provedora da casa alugada em que mora com a filha, de cinco anos, e a avó, de 73, no bairro do Jacintinho, em Maceió. Depois de perder o emprego como cuidadora de uma idosa devido à pandemia de Covid-19, a jovem diz que não consegue imaginar como seria sua vida se o auxílio emergencial de R$ 600 — de R$ 1,2 mil no caso dela por ser mãe solo — fosse cortado pela metade.
Ainda não há nada definido. Mas na segunda-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a dizer que — no caso de prorrogação do benefício — não terá como bancar a manutenção de mais duas parcelas do auxílio emergencial no valor atual, e que iria negociar com a Câmara dos Deputados e o Senado uma nova quantia.
No início do mês, após sair de uma reunião com o conselho do governo, Bolsonaro falou — em tom populista — qual era a previsão de pagamento. “A ideia da equipe econômica, e minha também, é de duas parcelas de R$ 300. Tem parlamentar que quer R$ 600. Se tirar dos salários dos parlamentares, tudo bem, por mim eu pago até R$ 1.000”.
Na casa em que Leandra Maria mora com a filha e avó só o aluguel custa R$ 300. Em entrevista ao O que os Olhos Não Veem, ela explicou que qualquer diminuição no auxílio emergencial pode comprometer a realidade da família.
“Não aceito. Eu pago aluguel e tenho filha. Muita gente está parada, paga aluguel e também depende desse dinheiro. Como a gente vai sobreviver? A energia às vezes vem R$ 80, às vezes R$ 90. Tem o botijão de gás, tem a comida da criança, a minha. Vai faltar tudo”
Leandra Maria conta que não tinha carteira assinada e foi demitida sem receber nada. A família da idosa que ela cuidava disse que temia que, por ela ser jovem, acabasse passando o vírus para a senhora. Além do Bolsa Família, o salário de R$ 700 era a única renda da residência.
“Se tivesse sem essa pandemia, eu estaria trabalhando. Eu nunca dependi de ninguém. Hoje, estou dependente porque não tem trabalho, não tem nada. É muito difícil para uma mulher só tomar conta de uma casa, de tudo”, desabafa.
Afinal, a “vida está boa”?
Mais de 44 milhões de brasileiros estão dependendo desta renda, que terá o calendário de pagamentos da terceira parcela divulgado nos próximos dias, segundo anunciou o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, nessa terça-feira (23). Em Alagoas, de acordo com dados do Portal da Transparência, até esta quarta-feira (24) 1.06 milhão de pessoas tinham sido beneficiadas.
Adalberon Sá, sociólogo e pós-graduando em Gestão da Qualidade na Administração Pública pela Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), é contundente ao dizer que, em caso de redução do benefício, as famílias serão afetadas de uma forma muito grave, uma vez que os efeitos da pandemia sobre a economia e a vida financeira das pessoas não cessarão ou diminuirão pela metade a partir de agora.
“Salvar vidas passa também por dar condições de subsistência para uma parcela tão grande da nossa população”
Em maio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse a seguinte frase sobre a prorrogação do auxílio emergencial: “Se falarmos que vai ter mais três meses, mais três meses, mais três meses, aí ninguém trabalha. Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa”.
À época, Guedes, apesar da declaração, admitiu que a possibilidade de estender o pagamento existia, mas no valor de R$ 200, que, lá no começo da crise, foi a proposta inicial do Ministério da Economia.
Adalberon analisou a fala do ministro como uma exposição da visão cruel que o Governo Federal e parte da classe média têm sobre a pobreza e os programas de distribuição de renda. “A ideia é que é algo somente relacionado a falta de vontade de trabalhar. Mas hoje há pelo menos dois grandes motivos para mudar de discurso e propor a continuidade do auxílio, ainda que cortando pela metade: a crise econômica e a sustentabilidade política do presidente”.
Essa idealização de Guedes e de parte da população brasileira, de acordo com o sociólogo, é algo cultural que precisa ser superado no Brasil.
Neste contexto de incerteza sobre a queda na renda mensal, algumas pessoas, além da preocupação com o sustento, ainda têm que lidar com a morte de amigos e parentes. Como é o caso de Adriana Silva Santos, de 43 anos, que perdeu a sogra, dois vizinhos e dois amigos para o novo coronavírus.
“Não adianta você ganhar dinheiro e nada ser como antes, quando a gente saía, ia visitar os parentes e tudo era normal. Não existe quantia no mundo que traz à vida aqueles que gostamos de estar juntos”, lamentou Adriana.
Ela mora com o marido e dois filhos, uma menina de oito e um menino de três anos, em uma casa de aluguel no Jacintinho. O dinheiro que recebia do Bolsa Família [R$ 286] servia para completar a renda com as diárias do marido que trabalhava como motorista de aplicativo.
“Nós dois estamos recebendo o auxílio e virou a nossa renda principal. Meu marido teve que parar de fazer corridas, por conta do risco de contaminação. Ele é diabético e tem 52 anos. A mãe dele faleceu logo no começo da pandemia, ela nos ajudava financeiramente. Era nosso braço direito”, conta.
Com a provável redução, Adriana contou que sentiria “todos os impactos” dentro de casa, teria que cortar algumas contas e evitar fazer compras a prazo, pois, nas palavras dela, é impossível se sustentar com R$ 600. “Tenho duas crianças pequenas, se a gente fica sem um lanche, é difícil, porque elas não querem saber se estamos passando por uma pandemia, querem o alimento na hora certa”.
Há alguma possibilidade do auxílio não ter o período estendido?
O professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cícero Péricles, explica que a possibilidade de o auxílio emergencial não ser prorrogado é pequena, pois há o apoio da opinião pública, da mídia nacional e uma grande pressão por parte de prefeitos, governadores, Câmara e Senado Federal.
Além disso, ele lembra que o estudo que foi feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no início da pandemia mostrou que há condições de prorrogação. Para o professor, um possível corte no valor do benefício traria três grandes prejuízos para Alagoas.
“O primeiro é a capacidade de renda das famílias. O auxílio emergencial chega para 1 milhão e 65 mil pessoas no estado, é um impacto muito grande nas famílias. O segundo seria na rede comercial de serviços. Esse dinheiro vai para a rede popular de varejo, como mercadinhos, farmácias e lojas. O terceiro é na troca da dinâmica econômica, por tanto, no número de empregos e na arrecadação de impostos. Quando uma loja vende mais, ela contrata mais, como foi o caso dos mercadinhos e farmácias que estão contratando neste período. Ajuda a manter emprego e o pagamento de impostos”, explicou.
A empresária Valéria Rodrigues, de 33 anos, proprietária de uma produtora infantil de teatro e de um bar de praia no bairro da Garça Torta [ambos fechados por causa das medidas de isolamento social], é mais uma dependente do auxílio emergencial que não sabe o que fazer com a possível redução.
Após a suspensão das atividades das empresas, ela se mudou com a filha, de 10 anos, para a sede da produtora com objetivo de cortar gastos. Para complementar o que recebe do auxílio, conseguiu abrir um depósito de bebidas online com o estoque que ainda restava no estabelecimento.
Valéria acredita que, mesmo que o comércio reabra, será difícil para todos os empresários se restabelecerem e voltarem ao “normal” de imediato, principalmente na produtora infantil que trabalha diretamente com escolas.
“É com esse dinheiro que hoje me mantenho. Se for cortar, vai ser um desastre. O que eu vou fazer? Essa é a real situação. Não sei o que fazer, porque a gente não pode sair para trabalhar. A Cultura foi afetada absurdamente e será uma das últimas a voltar. Não está fácil e, se houver o corte, vai ficar mais difícil ainda”.
Pressão
Com a forte possibilidade de diminuição do valor do auxílio, uma rede popular formada por 168 organizações e movimentos que compõem a campanha Renda Básica que Queremos lançou, no início deste mês, uma campanha para pressionar as principais lideranças do Congresso Nacional sobre o assunto. Até o momento, quase 114 mil pessoas de todo o Brasil aderiram ao movimento.
A ideia é enviar um e-mail para as principais lideranças políticas do país demonstrando descontentamento com a situação e propondo a prorrogação do auxílio com o valor integral que já vem sendo pago até o final do ano. Para entender mais sobre a campanha, acesse: https://www.rendabasica.org.br/
O que diz o Governo Federal?
A reportagem do O Que Os Olhos Não Veem procurou o Ministério da Economia — via assessoria de comunicação — para falar sobre o assunto, mas até o fechamento desta material não houve qualquer resposta.