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Torcidas antifascistas de Alagoas defendem futebol sem racismo, homofobia e xenofobia

Além dos dois maiores clubes do estado, CSE também possui agremiação antifa

Texto: Jean Albuquerque

Artes: Dyego Duarte Rocha

Mesmo com forte ligação com as classes populares, o futebol ainda é constituído como um espaço hostil para as minorias sociais. Exemplo disso é que, ao menos na temporada de 2019, segundo o site Observatório da Discriminação Racial no Futebol, foram registrados 56 casos de injúria racial, em 14 estados do país e, inclusive, na terra que abrigou o maior centro de resistência negra das Américas.

Em julho do ano passado, na quarta rodada do Alagoano Sub-20, o volante Elizeu, do Penedense, foi vítima de ofensas racistas por parte de um torcedor do Jaciobá durante partida no Estádio Eliseu Maia, em Pão de Açúcar, no interior de Alagoas. À época, a Federação Alagoana de Futebol (FAF) e os dois times emitiram nota repudiando o crime cometido pelo torcedor.

Entenda:

Por conta da pandemia da Covid-19, as partidas dos campeonatos de futebol mundo afora estão suspensas. Em Alagoas, na última segunda (16), a Federação Alagoas de Futebol (FAF) paralisou o campeonato estadual por 15 dias, tendo a possibilidade de prorrogação.

Situações como as relatadas acima mostram a realidade das arenas esportivas como ambientes no qual o machismo, o racismo, a homofobia e a xenofobia ainda são muito presentes. Tentando quebrar com essa lógica e colocando-se como uma alternativa nas arquibancadas do futebol alagoano, as torcidas Azulão Antifascista do CSA, CRB Antifascista, do CRB e a CSE Antifascista, do CSE, clube de Palmeira dos Índios, têm em suas bandeiras a luta contra todo tipo de intolerância e a elitização do futebol brasileiro que exclui do espetáculo os seus torcedores mais fiéis.

Segundo o sociólogo e integrante da Azulão Antifascista, Adson Ney, todas as pautas defendidas pelas torcidas antifascistas são bandeiras progressistas no Brasil contemporâneo.

“A gente termina associando essas coisas a própria concepção do futebol como uma esfera plural que todos deveriam ter acesso. Sejam eles pobres que são cerceados desse direito pela elitização, mulheres que se sentem intimidadas de ir ao estádio devido aos casos de machismo ou homossexuais que sofrem com a homofobia. Além disso, há o debate xenofóbico que existe… pensando mais no futebol brasileiro que é sudestino. O eixo Rio-São Paulo e a televisão comandam de maneira absurda e desproporcional”, argumenta Ney.

Defendendo uma linha independente de qualquer gestão do Galo e combate às opressões dentro e fora de campo, o professor de história e membro da CRB Antifascista, José Nivaldo Mota, fala dos princípios que regem a torcida.

“As bandeiras que nós representamos são variadas e múltiplas. Entendemos que o clube tenha eleições diretas para presidente e conselho, um sócio, um voto, sem pesos, que todo associado deve votar e escolher de forma direta a sua direção com a mais ampla democracia”, diz o regatiano.

Cenas infelizmente corriqueiras – principalmente em clássicos – as brigas entre torcidas, para Mota, não fazem sentido. “Entendemos que todas as torcidas organizadas devem parar com esses episódios de violência. Todos ali são vítimas do sistema. Não há sentido essa guerra que vemos sempre”, fundamenta o educador.

A mais nova entre esse tipo de coletivo, a CSE Antifascista, surgiu a partir da necessidade de incluir no ambiente esportivo reflexões sobre a importância do combate a qualquer tipo de intolerância e a necessidade de se posicionar, como destaca Júnior Cunha, professor de educação física e um dos fundadores.

“Defendemos um futebol livre de preconceitos. Acreditamos numa ideologia voltada para o social e contra a elitização do futebol que afasta as classes menos favorecidas dos estádios. Se posicionar é mostrar que existe resistência em nossa cidade e que apesar de tudo não iremos nos calar perante, por exemplo, as injustiças do atual governo”, ressalta o educador.

Klebson Silva, que também integra a Azulão Antifascista, destaca a importância do grupo de torcedores auto afirmar-se enquanto antifascistas e ainda defende que a luta não se limita às ações contra o governo Bolsonaro.

“A verdade é que sempre foi importante nos afirmarmos como antifascistas ou no mínimo como indivíduo que se opõe a ideias supremacistas. Limitar essa luta a ações contra o governo Bolsonaro é distorcer toda a importância da luta antifascista em si. É bem verdade que esse governo deve ser combatido e que traz sim, em sua estrutura, fortes características fascistas e nazistas, porém ele é mais um a ser combatido e não a razão da existência do antifascismo em si, como muitos bolsonaristas acreditam”, expõe Silva.

A presença feminina

Ex-membro da Mancha Azul, torcida organizada mais antiga do clube marujo, a advogada Mayara Heloíse faz parte atualmente da Azulão Antifascista. Ano passado, ela se afastou da T.O.M.A após aparecer numa foto ao lado de outras torcedoras do time rival durante uma reunião no Estádio Rei Pelé.

“Como também representante da Antifa participei da reunião do movimento feminino de arquibancada no Rei Pelé, que visava a união feminina e o debate de pautas de nosso interesse. Isso gerou a minha suspensão do núcleo feminino da Mancha Azul, meu total afastamento dessa organizada e a criação de um movimento feminino independente que é o Empoderazul. Na época do fato, a Antifa e outros movimentos se manifestaram contra esse ato e eu representei publicamente todas as meninas, infelizmente até hoje sou julgada, mas isso não me atinge”, desabafa a azulina.

Ainda de acordo com Heloíse, as mulheres do grupo são engajadas na luta contra o machismo dentro e fora das quatro linhas. “Além da luta contra o machismo, temos reuniões online. Nesses encontros virtuais, os homens podem participar das discussões, sempre respeitando o lugar de fala. Buscamos também integrar a política e articular pautas sociais”, explica a advogada.

Represálias nos estádios

À reportagem do O Que Os Olhos Não Veem um dos integrantes da Azulão Antifascista contou que o grupo já foi barrado no estádio por portar material com simbologia antifascista. Aos torcedores, os policiais militares responsáveis pela segurança alegaram, na ocasião, que a ação era incompatível com o estatuto do torcedor, Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor.

Os militares fizeram uso do art. 13-A, no item “IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo”, porém a alegação dos agentes é totalmente contrária à ideologia e o que propõe as torcidas antifas.

Uma vez que o material não fere o Estatuto do Torcedor, a reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL) para buscar um posicionamento oficial sobre o relato, mas até o fechamento desta matéria não obteve qualquer resposta sobre o assunto.

Casos de censura são registrados no Nordeste e no Sudeste do país. O último deles foi reportado pelo perfil no instagram das Torcidas Antifas Unidas do Nordeste (TAU-NE), no dia 2 de fevereiro. Na imagem, três torcedores da Resistência Tricolor, torcida do Fortaleza, são impedidos de entrar no setor Premium, da Arena Castelão, na partida válida pela Copa do Nordeste. Segundo a publicação do perfil da TAU-NE, o Tenente da PM local que foi chamado para resolver a situação alegou a ação usando como base o Estatuto do Torcedor.

“A Resistência Tricolor, ciente dos seus direitos, expressa o seguinte trecho de um artigo do Estatuto do Torcedor que fala sobre proibições no estádio: Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: … IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Portanto, não há base NENHUMA nessa proibição, é pura censura, arbitrária e fascista! Não carregamos mensagens ofensivas. A sub-tenente perguntou o significado do termo ‘ANTIFA’ em nossas camisas. Nos perguntamos também a quem ofende o termo antifascista”, diz um trecho da postagem.

O outro caso aconteceu com a torcida Antifascista do Botafogo. No vídeo, a PM/RJ remove uma faixa com os dizeres: “Botafogo Antifascista”.

 

As torcidas antifascistas e sua história no estado de Alagoas

A CRB Antifascista iniciou as atividades em 2016. A ideia é combater o fascismo crescente nos estádios de futebol. Apesar da maioria dos seus componentes integrar partidos políticos de esquerda, a criação não foi uma decisão partidária.

“A inspiração veio para dar uma resposta a crescente onda fascista no Brasil. Não temos contatos formais, apenas informais com as torcidas antifascistas. Gostaria aqui de fazer uma saudação aos azulinos do CSA que criaram uma e a torcida do CSE de Palmeira dos Índios, que também construiu uma com o mesmo pensamento que o nosso!”, reverencia José Nivaldo Mota, integrante da torcida.

Felizes pela ascensão do CSA durante os anos de 2015 a 2018 e preocupados com a conjuntura política do país, a Azulão Antifascista surgiu entre o diálogo de amigos sobre futebol. Com a principal proposta de lutar por uma arquibancada, um futebol e uma sociedade mais democrática e plural, o diálogo resultou na ideia de criar um movimento Antifascista no time azulino. O grupo também busca expandir cada vez mais suas pautas de acordo com as propostas dos membros e suas demandas.

“Hoje nós tentamos cada vez manter o pessoal ativo, tivemos um aumento no número de membros e com isso também sofremos uma dispersão no sentido de organização e estrutura em si. Mas, estamos remando em busca de manter o movimento cada vez mais ativo e presente nos ambientes que nos propomos atuar. Tudo indica que este ano as coisas irão tomar mais corpo”, defende Klebson Silva, integrante da torcida.

Com dois meses de atividade, a CSE Antifascista nasceu por meio de um grupo de amigos que já discutia futebol e política bem como a necessidade de ter um posicionamento mediante a atual situação do país. Os torcedores propõem um posicionamento contra a intolerância crescente na sociedade brasileira.

As torcidas organizadas de Alagoas também integram a Torcidas Antifas Unidas – BR (TAU-BR) e a Torcidas Antifas do Nordeste (TAU-NE). As duas entidades lutam contra o racismo, o machismo e a xenofobia dentro do futebol brasileiro.

Jean Albuquerque

Jornalista, escritor e estudante de Letras na Ufal. Editor do site O que os Olhos Não Veem. Colabora com o site Negrê, correspondente em Maceió, do Portal Lunetas. Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.

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