Maceió de Frente para a Lagoa e Vilas do Mundaú: por que a promessa de lar digno para os moradores das Favelas Muvuca, Sururu de Capote, Torre e Mundaú não saiu do papel?

Texto: Géssika Costa
Fotos: Vitor Beltrão
O sol estava indo embora quando seu Pedro Lopes apareceu na porta do barraco que mede dois metros de frente por cinco de extensão. Há 15 anos, ele e dona Miriam, sua esposa, chamam de lar a estrutura feita de lona e restos de madeira construída na Favela Mundaú, à margem da lagoa que carrega o mesmo nome, no bairro Vergel do Lago, na parte baixa da capital alagoana.
 
Descalços em meio ao solo úmido próprio da região, eles passam as tardes na companhia de um toca cds, olhando a noite aos poucos cair e tentando se proteger — sem sucesso — dos mosquitos e insetos que se multiplicam no verão.
 
Enquanto isso, nas vielas e becos onde o serviço dos Correios não chega, crianças que foram vítimas de um surto de bicho do pé em 2017 brincam de amarelinha perto da lama e do esgoto a céu aberto.
 
Mas nem sempre foi desse jeito. O casal sexagenário morava no interior do estado e assim como milhares de famílias que habitam a Lagoa Mundaú veio tentar a sorte em Maceió. O tempo passou e a esperança de conseguir uma condição de vida melhor trouxe-os para o caminho inverso. Sem banheiro, sem água encanada, a rede elétrica envolvida em gambiarras e de tempos em tempos — em virtude do aumento no nível da Lagoa — o lar invadido pela água. “Teve até cobra querendo pegar a gente. Quando choveu, ficamos um tempo morando no pátio de uma escola, na condição de desabrigado”, recorda dona Miriam.
             Seu Pedro Lopes, 67 anos, mora em um barraco construído às margens da Mundaú (Foto: Vitor Beltrão).

 

Na paredes do barraco do casal, que vive de benefício assistencial, as siglas pintadas “C 50,  M 379 e S 222” reacenderam o antigo desejo de morar em uma casa  digna e longe das condições subumanas atuais. As marcas no barraco foram feitas meses após o então ministro das Cidades, Alexandre Baldy e o prefeito de Maceió,  Rui Palmeira (sem partido), anunciarem no local a construção do Residencial Vilas do Mundaú. Bem no apagar de 2018, a três dias do início de um novo ano, no final da gestão do presidente Temer (PMDB), eles assinaram a ordem de serviço para construção de 1776 novas moradias para atender famílias das favelas da Torre, Sururu de Capote, Mundaú e Muvuca, além de revitalizar toda a  orla.
 
Com recursos oriundos do  Programa Minha Casa, Minha Vida e orçada em R$140 milhões, a promessa era de que no natal deste ano o projeto fosse entregue aos moradores, mas com a paralisação da obra —  desde de fevereiro de 2019 —  o sonho parece estar cada dia mais distante.
“Se eu tivesse dinheiro compraria uma casa, não viveria assim. O que eu ganho não dá para financiar nada. Olha como eu vivo. Será que isso vai sair?”, indaga Lopes.
Além dos idosos, cerca de 15 mil pessoas moram na região margeada pelo maior complexo estuarino lagunar. Em cada lar construído de maneira improvisada, uma família e inúmeras histórias. Muitas acabam se cruzando em relatos parecidos, de avós que criam os netos ou de mães que lutam para sustentar os filhos com uma renda mensal que dificilmente chega a meio salário mínimo. Uma dessas histórias é a de Giselma Alves da Silva,  despenicadora de sururu — molusco patrimônio imaterial de Alagoas.
 
À espera do apartamento no Residencial, ela reflete que cresceu na Mundaú, teve uma filha e agora observa com tristeza que a mesma realidade de condição de moradia se repete com sua segunda geração, a neta Karla Sibelle. Com apenas três meses de vida, a recém-nascida sofre com a insalubridade do ambiente, com a infestação dos mosquitos e insetos e ainda com a fumaça inalada oriunda do fogo a lenha dos lares e da fervura do sururu comum na região.
Giselma Alves e sua netinha recém-nascida 

“Só temos Deus por nós, porque se for depender dos homens não há resposta quanto a essa espera. Eu me sinto numa situação bárbara. Vejo rato, barata e escorpião para tudo que é lado. Minha netinha vive tomando inalação para melhorar a respiração”, conta a marisqueira.

O Comitê pela Democracia dos Povos da Lagoa — organização criada com o objetivo de compartilhar a realidade da luta por direitos dos moradores da localidade — acompanha desde o início o projeto. A organização, que é coordenada pelas lideranças locais e ativistas, funciona na própria comunidade.

 “A verdade é que a luta pela moradia começa com a promessa nas eleições de 2016. Na época, o então candidato à reeleição Rui Palmeira passa em campanha divulgando o Maceió de Frente para a Lagoa. Seria uma revolução, mas quando a gente teve acesso ao projeto não tinha nada disso. Ele era direcionado para o Bom Parto e Bebedouro e não envolvia nada aqui. Foi propaganda enganosa”, ressalta Samuel Scarponi, integrante do Comitê.
 
Pelas informações oficiais, disponíveis na agência de notícias da Prefeitura, o Programa Maceió de Frente pra Lagoa beneficiaria diretamente 150 mil pessoas e construiria 1.900 unidades habitacionais, equipamentos sociais e de assistência à educação e à saúde, sistema de esgotamento sanitário e iluminação, além do projeto eixo viário lagunar.
 
Em meio à ausência de respostas do executivo municipal, segundo Scarponi, a população se articulou: primeiro por meio de um abaixo assinado e depois durante a campanha de 2018 quando uma carta foi feita em nome dos Povos da Lagoa.
“Após essa ação, conseguimos junto a um senador que fôssemos atendidos por meio do Residencial Vilas do Mundaú. Com a conquista, lutamos para poder ter mais transparência no que se refere ao projeto da obra e o contrato, coisa que é direito de todo cidadão. Pareciam que queriam dificultar”
          Confira no link abaixo a atual situação dos moradores que esperam pelas residências:

Paralisação do Vilas do Mundaú gerou problemas
 
Com o início dos trabalhos do Residencial, a Prefeitura — por meio da Secretaria Adjunta de Habitação Popular, ligada à Secretaria de Infraestrutura de Maceió (Seminfra) instalou um canteiro de obras no Dique Estrada. De acordo com os moradores, os meses se passaram e a com a obra paralisada a estrutura colocada passou a ser palco de uma guerra entre facções que levou medo e violência entre as pessoas que moravam do lado esquerdo ou direito dos tapumes.
 
Além do clima hostil, marisqueiras e comerciantes que vendiam seus produtos em barracas improvisadas à beira da avenida estavam sendo prejudicados financeiramente com a queda repentina do fluxo de compradores no local, uma vez que a pista foi interditada pelas autoridades de trânsito municipais para prosseguimento da obra. Essa situação fez com que os potenciais clientes não tivessem onde estacionar os veículos e procurassem outros pontos de comercialização de mariscos na capital alagoana.

Aos que ainda assim resistiram à falta de movimento restou apenas administrar o prejuízo. O quilo do sururu que era comercializado por R$10 para a clientela, hoje é vendido a R$3,50 para atravessadores. “Já cheguei a tirar R$120 por dia. Passo o dia todo e não consigo voltar nem com 15, 20 para casa. A venda está muito ruim. Ninguém quer parar por aqui por conta dessa obra que nos deixou invisíveis”, relata Tamires Maria, 30 anos de idade e despenicadora há 20.
O problema foi mitigado em 07 de outubro do ano passado. Na data em que a ONU celebra o Dia Mundial do Habitat, moradores e ativistas organizaram um protesto e retiraram todos os tapumes do canteiro que corta a Avenida Senador Rui Palmeira.
 
Por que a obra está paralisada?
 
Por meio de informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI) a reportagem do O Que os Olhos não Veem foi informada que o Residencial Vilas do Mundaú contempla a construção de 1.776 unidades habitacionais dotadas de toda infraestrutura necessária, contendo uma escola, uma creche, um posto de saúde e áreas de lazer. Ainda segundo as informações via LAI, as obras que foram iniciadas em janeiro do ano passado deverão ser retomadas por solicitação do Governo Federal.
 
Para saber a situação atual e o possível retorno das obras, também entramos em contato com a Secretaria Nacional de Habitação (SNH) – ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Segundo o órgão, a contratação do Residencial Vilas do Mundaú foi considerada irregular pela Controladoria Geral da União (CGU), devido à ausência de lastro orçamentário [entenda o processo]. Ainda de acordo com o Governo Federal, a retomada da obra foi autorizada, uma vez sanada a questão orçamentária e após obter respaldo jurídico. Agora, o Ministério aguarda a Caixa Econômica Federal (CEF) assinalar a fase de reanálise do projeto e de formulação de novo cronograma para execução da obra.
 
Já a Prefeitura de Maceió — por meio da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra) informou que já foi levantado o canteiro de obras e assim que o Ministério do Desenvolvimento Regional enviar o repasse dos recursos elas voltarão ao seu ritmo normal. Disse ainda que segundo a Caixa Econômica Federal (CEF), órgão gestor dos recursos, o cronograma será retomado a partir da revalidação do contrato, que está prevista para este mês.
 
Que fim levou o Maceió de Frente para a Lagoa?
 
Completando em 2020 quatro anos sem sair do papel, o Maceió de Frente para a Lagoa — principal promessa do segundo mandato do prefeito Rui Palmeira — projetava uma verdadeira mudança na vida de quem mora na orla lagunar. No vídeo abaixo, você pode conferir os detalhes.

Contrariando o vídeo de campanha acima, a assessoria de comunicação da Seminfra informou que o Maceió de Frente para a Lagoa previa o atendimento a comunidades das margens da lagoa, na área do Bom Parto, sentido Bebedouro. Sobre o motivo da iniciativa não ter sido executada, a Ascom alegou que na fase de captação de recursos, junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Prefeitura de Maceió teve dificuldades com documentação que não dependia do próprio município e que diante da instabilidade política do Brasil à época, o próprio Governo Federal decidiu cancelar os projetos que estavam em andamento em todo o Brasil.
 
Além disso, outro entrave à execução do projeto seria a instabilidade de solo registrada nos bairros do Mutange, Bebedouro, Pinheiro e Bom Parto. Nessa região – devido aos fenômenos geológicos – está suspensa a realização de qualquer construção por recomendação do Ministério Público Estadual, desde 2018, quando foram registradas as primeiras ocorrências de instabilidade no solo.

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