Bairro concentra mais de sete mil negócios de pequeno, médio e grande portes

No asfalto da Cleto Campelo, carros, motos, bicicletas, ônibus e até carroças disputam espaço na chamada “Índia maceioense”. Nos becos e vielas que atravessam a rua principal, casas simples, muitas sem reboco ou só com a primeira mão de tinta. Nas calçadas, feirantes vendem peixe, batata-doce, frutas e verduras. Mas nada marca o segundo bairro mais populoso de Maceió do que a variedade de estabelecimentos comerciais.

Supermercados para todos os lados, comércio varejista com empresas de grande porte como a Magalu e a Cattan estúdios de tatuagem, agência bancária, casas de produtos esportivos, clínicas de estética, salões especializados em beleza afro, academias… e, a cada metro quadrado, uma loja de roupas e calçados, como a da empresária Talita Malta, de 31 anos, dona da Tago´s For Man e TG Kids, a última inaugurada há quase um ano.

Talita trabalhou durante mais de 10 anos em um shopping center vendendo roupas para o público masculino. Se dizem que o tempo é o melhor professor, a jovem já pode dar aulas quando o assunto é empreender no ramo e escolher as melhores peças para os seus clientes. Somou a bagagem conquistada com a oportunidade de ter um negócio no bairro em que Thiago Góes, seu marido, é nascido e criado.

“A gente pensou em abrir um negócio, primeiro porque parte da família é daqui e a gente já é do bairro. É muito bom para comércio, uma grande oportunidade. O fluxo de pessoas é grande. A Tago´s surgiu online e trabalhávamos apenas nesse ambiente, só em dezembro de 2021, resolvemos abrir uma loja física, em um ponto e, agora, nesse espaço físico atual e crescemos”, conta a empreendedora.

Thiago e Thalita, casal de empreendedores, donos da Tago´s For Man e da TG For Kids, lojas situadas no bairro do Jacintinho (Foto: Jean Albuquerque/Olhos Jornalismo)

Mas, para chegar lá, não foi fácil. Ela e o marido, que também trabalhou em shopping, perderam noites de sono, fizeram sacrifícios, cometeram erros e aprenderam no dia a dia. Não era apenas entender o Jacintinho como um hub de oportunidades. Foi preciso estudar os hábitos de seus moradores, a faixa de renda, a ausência de serviços específicos, para dar os primeiros passos.  

 

O casal, que hoje emprega funcionárias de carteira assinada, acredita que a troca de informações com outros empreendedores, o famoso networking, fortalece o comércio local. Não existe concorrência. O sol do empreendedorismo é para todos.

“Eu já trabalhei em várias lojas, principalmente de vestuário masculino. Primeiro, a nossa loja era masculino/adulto e infantil e agora desmembramos para a loja para adultos e a outra para criança. É tudo formalizado e temos funcionárias. Acreditamos no atendimento como diferencial e na qualidade dos produtos. Começamos como MEI e migramos para a faixa de ME”, explica Talita, com orgulho.

O Jacintinho é diferenciado. Quando o comércio de Maceió fecha suas portas às duas horas da tarde de sábado, as lojas de lá funcionam até às 19h, para atender à clientela. Aos domingos, também não tem tempo ruim. Se há clientes em potencial, é hora de vender.  

Talita e Thiago fazem diversos cursos e treinamentos, focados em venda e no posicionamento digital (Foto: Jean Albuquerque/Olhos Jornalismo)

Thiago Góes relembra que quando a Tago´s For Man, sua primeira loja, começou no ambiente online, alguns clientes iam à sua casa para pegar as peças e até prová-las.

“A gente armazenava a mercadoria em cima de uma mesa. Era demanda em casa com criança e a gente não conseguia administrar. E terminava que a gente não conseguia atender bem os clientes. Também tinha essa questão de alguns quererem provar a mercadoria e, infelizmente, isso não é legal por uma questão de segurança no nosso lar. Logo depois, montamos um ponto bem simples e pequeno, mas organizamos, reformamos do que jeito que queríamos, com a nossa identidade, antes desse aqui. Mas sabíamos, claro, que o fluxo maior de pessoas é aqui, onde estamos”, ressalta Góes.

Contra dados, não há argumentos

De acordo com dados da Junta Comercial de Alagoas (Juceal), o “Velho Jaça” concentra 7.047 negócios, destes, mais de 40% tem a categoria “comércio”. E olha só: eles não ficam restritos apenas aos moradores da região, não. Tem gente que mora a quilômetros dali, no Benedito Bentes, por exemplo, e não pensa duas vezes em comprar por lá, como conta a jornalista Dayane Laet.

Loja Encanto dos Pés, a preferida da jornalista Dayane Laet (Foto: Google Maps/Reprodução)

“O meu caso com o Jacintinho é de amor. Tudo que você precisa, você encontra lá: pode ser uma rasteirinha, chinelo, um sapato ‘diferentão’. Tem uma loja que nasceu no bairro e hoje está na Jatiúca: a Encanto dos Pés. É tudo muito caprichado. Tem coisas que você não encontra em nenhum lugar. Preço acessível, qualidade e atendimento excelente”, argumenta Laet.

Mas não é preciso sair de casa para aproveitar as melhores ofertas e os produtos naquele ‘precinho’. De olho no mundo digital, os empresários da quebrada também se fazem presentes nas redes sociais. Com isso, as vendas, ou melhor, o lucro, fica a um clique. 

A psicóloga Vanessa Costa acompanha, pelo celular, todas as novidades dos estabelecimentos da região. E na comodidade e conforto de sua casa recebe a mercadoria, tudo isso com frete de R$10 para o Jaraguá, onde reside.

O atendimento é bacana. O pessoal tem um carinho pelo cliente. Quando eu pergunto o tamanho da peça, se entra em mim, se vai ficar boa e confortável, sou sempre muito bem atendida. Não preciso ir lá pessoalmente, a entrega é rápida e garantida

O crescimento do Jacintinho, que hoje atinge uma população superior a mais de 100 mil habitantes, incluindo todas as grotas e conjuntos, como as Piabas e o José da Silva Peixoto é maior do que qualquer cidade do interior do Estado, tirando Arapiraca. O clima efervescente de comércio no bairro periférico retrata um cotidiano que escapa dos olhares da cobertura jornalística da mídia tradicional, que ainda costuma associá-lo aos índices de violência. Sim, não estamos aqui para negar ou omitir fatos. Mas o ‘Jaça’ é local, antes de tudo, de potências.

Lucas Sorgato, economista (Foto: Arquivo Pessoal)

Existem empreendedores e empreendedoras com soluções que podem gerar impacto positivo em suas comunidades e que, com suporte adequado, podem escalar e transformar a vida de milhares de pessoas, como explica o economista Lucas Sorgato, mestre em Economia Aplicada pela Ufal.

“Algumas pesquisas mostram que o consumo dessa população é forte. Foi feito um levantamento que constatou que a cada um real investido e transferido por meio de programas sociais para uma população mais pobre vira R$1,78 dentro do aspecto do comércio. Você vai lá no mercadinho da sua região e compra e alimenta isso”, ressalta o economista.

Em linhas gerais, o dinheiro não girava dentro das comunidades, mas o cenário mudou. A filosofia Ubuntu “Eu sou porque nós somos!” parece ter se espalhado na região. Ao comprar no armarinho do bairro, o vizinho do lado passa a ter mais estabilidade para manter o pequeno negócio e o amigo de infância consegue se organizar para abrir uma filial de sua lojinha de acessórios.

“A partir do momento que você tem uma rua extremamente movimentada que é a Cleto Campelo, você tem um comércio pujante e aí você lembra que, há 30 anos aqui não tinha consultórios médicos, supermercados, consultórios odontológicos, magazines e isso acontece porque há um ciclo virtuoso, forte e equilibrado’, comenta Sorgato.

Até pouco tempo atrás, o empreendedor da ‘perifa’ era aquele que abria uma mercearia ou um salão de beleza improvisado na sala de casa por necessidade. Hoje, as oportunidades nascem de outra semente: a da motivação. Que o diga Jorge Menezes que virou, há alguns meses, seu próprio patrão. Ele abriu uma loja de suplementos no bairro que mora há quase quatro décadas com dois primos e faz questão de oferecer um atendimento diferenciado, além de preço justo, adequado a realidade e demandas do bairro. 

“Apareceu a oportunidade de pegar esse ponto. Uma colega estava passando para frente e a gente já tinha essa intenção de abrir uma loja de suplementos na região. Veio a coincidência e resolvemos investir. Meus primos malham e acharam a oportunidade legal a partir das próprias vivências”, comemora.

Jorge Menezes, dono de uma loja de suplementos no bairro do Jacintinho, em Maceió (Foto: Géssika Costa/Olhos Jornalismo)

Pensando em facilitar a vida dos clientes, o microempresário, formalizado, aceita diversas formas de pagamento, inclusive o pix, que já entrou na rotina dos brasileiros. Jorge buscou se formalizar para ter mais facilidade quando for procurar um banco para solicitar uma linha de crédito, emitir notas fiscais para vendas ou até mesmo para ter direito aos benefícios da Previdência Social. Com a formalização, ele poderá contar com aposentadoria por idade, auxílio-doença e outros auxílios que têm como base o salário mínimo.

Pequenos negócios, como o de Jorge, respondem por 99% das empresas brasileiras, e mais de 55% dos empregos formais e 30% do PIB. Durante a pandemia, apenas em 2021, elas concentraram 98% das novas empresas e 78% das contratações.

“Dá mais credibilidade, né? Consegue com mais facilidade uma linha de crédito. Daqui a dois anos eu pretendo estar num lugar maior, que as pessoas possam comprar, que tenham mais pessoas para vender, sabe. Movimentando tudo?”, projeta.

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1 Comment

  • Dayane, 7 de março de 2023 @ 12:29 Reply

    Excelente reportagem, pessoal. Mostrar os vários tipos de economia tb traz dignidade para quem vive e trabalha na periferia. Fora que não precisa se deslocar pra ir ao trabalho e o atendimento sempre é melhor que nos grandes centros. Bela visão.

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