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Em um estado hostil contra pessoas trans, Paloma Marques é símbolo de resistência

Alagoas tem um longo histórico de crimes e exclusão social contra a população LGBTQIA+

Final do expediente, quase noite de uma quinta-feira de novembro, tempo nublado. Apesar disso, ainda consigo ligar para Natasha Wonderful da Silva, travesti, negra, militante, de Pernambuco que, desde os 13 anos, vive em Maceió. Neste horário, ela comenta que se arruma para ir ao plantão do Consultório de Rua, um projeto do município que tem como objetivo dar assistência a pessoas em situação de rua ou em vulnerabilidade social. Diz também que está se achando linda com a mudança física que fez na boca.

Assim como Paloma, Natasha também foi rejeitada desde criança. Ela foi adotada por uma mulher quando tinha dois anos, mas ficou novamente sozinha depois que essa mãe adotiva faleceu, há 25 anos. Quando criança teve que morar em um orfanato, depois, para sobreviver na capital alagoana, tornou-se prostituta aos 13 anos. Anos depois, conseguiu passagem para São Paulo, viveu um tempo no estado e depois viajou para Itália, onde também resistiu como travesti e fazendo programas. Voltou para Maceió e aqui se instalou, criando também o Transhow, grupo de travestis e transexuais que realiza shows, eventos, espetáculos de teatro e performances ao vivo. O grupo fazia três ou quatro shows por mês antes da pandemia da Covid-19.

Natasha Wonderful, presidente da Actrans (Foto: Arquivo Pessoal)

Natasha tem uma fala apressada e espontânea, como quem quer dizer a história o mais rápido possível para poder se distanciar do passado. Ela festeja muito o presente. Hoje, é presidente da Associação Cultural de Travestis e Transexuais de Alagoas (Actrans), que dá suporte para a comunidade trans sem oportunidades. Segundo a associação, há cerca de 200 travestis vivendo na parte baixa de Maceió, composta pelos bairros Levada, Bom Parto, Vergel do Lago, Ponta Grossa, entre outros. Não há informações sobre a quantidade total dessa população no estado.

Entre as atividades da Actrans estão doação de cestas básicas, realização de cursos profissionalizantes, orientações jurídicas, criação de documentos e suporte para retificar nomes sociais e gêneros em documentos.

A presidente da Actrans comenta que na época que fazia programas na região do Mercado da Produção, na Levada, nos anos 2000, foi vítima de xingamentos, de agressões físicas e até de homens que jogaram pedras contra ela. Os agressores gritavam, vaiavam e a perseguiam.

“A gente que é travesti tem que procurar outro lugar para sobrevivência. Ou morre ou sobrevive. A gente era presa por nada na rua. As travestis e os afeminados sofrem mais. Maceió hoje é outro paraíso. Antes matavam muito as travestis, mas não tinha visibilidade, hoje tem mais visibilidade por causa da tecnologia. Antes éramos tratadas pelo masculino. Hoje até o nome social conseguimos ter. Mas é muita pouca vaga para travesti no mercado de trabalho. É aquilo: tem no papel tudo bonitinho, mas na prática é outra coisa”, relata Natasha.

“As travestis eram os principais alvos na Praia da Avenida”

Marcelo Nascimento, de 48 anos, bacharel em direito, com mestrado em direitos humanos e pós-graduação em educação. Por telefone, é possível ouvir objetos sendo guardados, pessoas limpando o local. É uma manhã de sexta-feira, final de outubro. Com a voz suave e uma boa oratória, Marcelo explicou como foi ser um dos fundadores do movimento LGBTQIA+ em Alagoas, junto com Wilson Ruas, Jorge Márcio, entre outros.

Nascimento trabalha com direitos LGBT há cerca de 30 anos. Ele conta que conheceu Paloma, mas não eram amigos. Segundo ele, Paloma é uma das primeiras travestis do estado. O movimento surgiu em meados dos anos 90, mas já nos anos 80 estava sendo discutido em Alagoas.

As principais razões para a criação do movimento, que também envolveu os campos artístico e intelectual, foi a grande quantidade de violência e de assassinatos contra pessoas LGBT, especialmente travestis, e o assassinato do vereador da cidade de Coqueiro Seco, em Alagoas, Renildo José dos Santos. Em um dos momentos de sua fala, o bacharel em direito critica a oligarquia alagoana e o patriarcado, e afirma que a violência contra gays e travestis é exatamente motivada por quem acha que tudo que é diferente da heteronormatividade deve ser colocado à margem.

“Então começamos as primeiras discussões sobre a necessidade de fundar uma entidade representativa e que articulasse os direitos da comunidade. Na época, existia a Gangue Fardada, que era um grupo que matava pessoas políticas e, principalmente, pessoas LGBT. As travestis eram os principais alvos na Praia da Avenida, local de prostituição em Maceió. Eram crimes muito cruéis, sobressaiam pela crueldade. A quantificação comparada aos assassinatos de hoje não era tão significativa, mas havia mais crueldade. Geralmente as vítimas eram mortas por muitos disparos de arma de fogo, mais de 40 facadas, decepação de órgãos genitais. Por puro ódio”, conta Nascimento.

Praia da Avenida no horário da noite (Foto: Matheus Alves)

Segundo alguns contemporâneos de Renildo, o vereador era bissexual. Outros já afirmam que ele era homossexual. Em jornais da época, como a Gazeta de Alagoas e Jornal de Alagoas, Renildo foi descrito como homossexual. Foi assassinado dentro de casa a mando de um fazendeiro do município, em março de 1993, por ser da comunidade LGBTQIA+, por defender os direitos dos trabalhadores da cana-de-açúcar e os mais pobres. O caso chamou a atenção até da Anistia Internacional e em 1994 entrou no relatório sobre “violações dos direitos humanos dos homossexuais”.

O julgamento desse caso foi adiado onze vezes. O primeiro julgamento aconteceu em 2006, 13 anos após o crime. O fazendeiro mandante do crime José Renato de Oliveira e o tenente da reserva da Polícia Militar de Alagoas, que executou Renildo, Luiz Marcelo Falcão, foram condenados a mais de 20 anos de prisão. Em 2015, os dois réus se entregaram à polícia.

O cenário LGBT dos anos 90 é relatado por Marcelo com um certo peso, até porque foram tempos difíceis e a problemática era manifestada em praça pública. Segundo ele, setores da religião e políticos pregavam e estimulavam a violência contra a comunidade de forma escancarada.

“Teve uma vez que um pastor, na década de 90, espalhou um outdoor dizendo que a homossexualidade era um pecado. Outro dia, convidei esse mesmo pastor para debater comigo em um programa de televisão sobre a declaração dele e questionei porque era pecado. Ele não soube argumentar e passou vergonha. Já sofri muitas ameaças de milicianos por causa da minha participação em movimentos. Não só eu, muita gente já sofreu”, conta.

Marcelo Nascimento, que já viveu em uma época de repressão, hoje tenta costurar os fatos vividos no movimento por meio de arquivos e documentos. Ele começou uma pesquisa em maio de 2021 para escrever um livro sobre a sua trajetória e a fundação do movimento LGBTQIA+ em Alagoas, mas ainda tem dúvidas se o livro não acabará sendo substituído por um documentário audiovisual. O trabalho de pesquisa está em processo.

Acolhimento em tempos de violência

É uma terça-feira de novembro, tempo quente, o vento passeia rasteiro pela janela do primeiro andar da casa do repórter. Há som de canto de pássaro em duas mangueiras, de noticiário na televisão ligada, de porta metálica sendo serrada na esquina e de gente fazendo reforma em suas casas. A reportagem liga para a bacharel em direito, pedagoga e coordenadora do jurídico do Centro de Acolhimento Ezequias R. Rego (CAERR), Rosângela Sant’anna.

Depois de três tentativas, Rosângela atende de forma prestativa. É uma voz ativa, potente. Segundo Rosângela, oito pessoas trans estão abrigadas no centro. “Essas pessoas fugiram de casa porque a família rejeitou, duas delas estavam morando na rua e precisaram ficar no abrigo”. Mais de 100 pessoas trabalham em equipes divididas em áreas como, por exemplo, saúde, psicologia, psiquiatria, esporte, lazer, empregabilidade, entre outras.

O Caerr, sustentado por meio de doações, funciona como um tipo de suporte para pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, auxiliando-as, já que a maioria dos órgãos públicos de Alagoas não funciona de forma ativa e não acompanha casos que aconteceram no meio dessa população. Rosângela diz que 26 pessoas transgênero conseguiram mudar de nome e gênero nos documentos oficiais em setembro de 2021. A iniciativa foi por meio do Caerr, em parceria com o Tribunal de Justiça de Alagoas.

Casos de violência e assassinatos também já chegaram no centro. Sant’anna relata que os casos que mais chegam no setor jurídico é de violência doméstica. “O marido ou o companheiro fica com raiva após o término e bate nas vítimas ou as persegue. Muitos companheiros se aproveitam da bondade das travestis para comprar ou abusar das condições financeiras delas, usam seus cartões até estourar. São relações abusivas”, explica.

Primeira Casa de Acolhimento em Alagoas para população LGBTQIA+ (Foto: G1 Alagoas)

A maioria das travestis que são vítimas de violências e assassinatos não tem sua dignidade preservada e os casos acabam sendo esquecidos pela polícia e por familiares. Apesar da falta de celeridade, Rosângela comenta que as coisas estão mudando no campo jurídico. “Os casos não são solucionados porque a família deixa pra lá, não corre atrás. Estou aprendendo bastante com a comunidade, lutando junto com eles por direitos, estou amando. É o que eu digo sempre a eles: ‘Não desistam de lutar por seus direitos’”.

 

Messias Mendonça é de Belém do Pará, mas sua mãe é alagoana. Tem 40 anos e desde os 15 faz parte do movimento LGBT em âmbito nacional. Atualmente ele é presidente eleito do Conselho Estadual de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT de Alagoas. O conselho é formado por 21 pessoas: 11 da sociedade civil e 11 do governo. Segundo ele, vivemos em um estado coronelista e homofóbico, que mais mata LGBT, e que o conselho é uma ferramenta, para quem sabe usar, de conhecimento e de grandes focos. O conselho vem atuando desde 2015.

Messias conhece e já conviveu com travestis e mulheres trans e acredita que essa população é a que mais precisa de acolhimento. “Algumas travestis, pelo fato de se prostituírem à noite, não têm tempo de trabalhar durante o dia e aí acabam perdendo. E também pela escolaridade dessas mulheres, difícil para arrumar emprego. Existe esse preconceito muito grande com as mulheres transexuais em Alagoas”.

Com uma certa paciência na fala e em tom de explicação, Messias conta também que a maioria das travestis e transexuais vem de fora do estado. Apenas 30% são transexuais alagoanas. “De 100 mulheres trans, hoje, temos 30% delas em Alagoas. Outras travestis vêm de fora do estado. Mais 30% estão no presídio, por furto, roubo, uso e tráfico de drogas, por falta de oportunidade”, diz.

“O transfóbico mata a travesti no ponto de prostituição porque ele quer matar o desejo dele”

Paloma, Natasha, Victória, Dandara, Suham. Todas travestis e mulheres transexuais que já foram rejeitadas por familiares devido às suas identidades de gênero e orientações sexuais. Muitas enfrentaram até a ditadura militar brasileira em Maceió, período em que o preconceito era propagado no meio da rua. O que vemos hoje não está sendo tão diferente.

A diferença é que casos como o de Natasha Wonderful, hoje, são divulgados nas redes sociais e denunciados por meio de vídeos, relatos e fotografias.

“Quando o transfóbico vai e mata a travesti no ponto de prostituição, ele está matando o desejo dele. Ele não mata a travesti do nada, ele mata o seu desejo. Ele está matando a raiva, às vezes matando a inveja de não ser o que gostaria de ser. Às vezes as pessoas matam as outras por inveja da liberdade da outra pessoa ser o que ela é”, explica a psicóloga e educadora sexual, Milka Freitas, que também é integrante da Actrans e cis aliada da causa trans em Alagoas.

Mika Freita, aliada à causa trans em Alagoas (Foto: Arquivo Pessoal)

A conversa aconteceu no começo de novembro de 2021, em um domingo de sol. Em uma videochamada que durou quase uma hora, Milka, com seus olhos claros, cabelo curto e espontaneidade na fala, conta que se integrou à causa trans em 2010. Foi a partir dela que travestis e transexuais do estado conseguiram ser protagonistas de suas histórias em programas de TV e rádio.

 

“Na mídia, as pessoas trans não entravam na TV nem no rádio. Elas não entravam. As pessoas olhavam com estranhamento, as tratavam no masculino. Foi um processo de conversa, de trazer as pessoas da produção para rever ideias sobre as questões. Quando levamos uma travesti, independente se ela é profissional do sexo ou não, para compartilhar de nosso momentos e não só de uma pesquisa, isso faz toda a diferença”.

Milka está na sala de sua casa e, sempre com respostas diretas, mostra um livro sobre Psicologia Social e conta o motivo de estar aliadas à causa trans. Ela também explica, com a voz embargada, emocionada, o que pode influenciar para o adoecimento de pessoas trans. Entre os fatores externos estão a família, a religião e a sociedade.

“Como também a escola. Muitas escolas não estão preparadas para receber pessoas trans. E é muito doloroso saber que é a própria família que está empurrando essa pessoa para o caos. É preciso acolher. Basta uma menina ou um menino sair um pouco do padrão que a família idealizou, aquela criança já começa a sofrer exclusão e uma opressão dentro de casa. O índice de evasão escolar e falta de comprometimento da escolaridade das pessoas trans é altíssimo, principalmente das travestis”, explica.

A psicóloga também diz que muitas travestis não terminam o ensino básico por causa da família tóxica e da escola que ajuda a ensinar o preconceito, a indiferença. “Elas acabam indo para o semianalfabetismo”. Milka encerra a conversa dizendo que o corpo da travesti e transexual é muito negligenciado e que a família é aquela que a gente constitui.

Em Alagoas, a invisibilidade

As travestis e as mulheres transexuais, como também os homens transexuais/transmasculinos, são colocados à margem em todos os aspectos sociais e culturais da sociedade. Tudo que é considerado diferente da heteronormatividade é posto em última instância e pouco visto por órgãos públicos, hospitais, empresas, entre outros locais onde a regra básica é escolher os trabalhadores por sexos já definidos por seus nascimentos: homem e mulher (masculino e feminino).

É possível ver também que há na entrelinhas de atendimentos hospitalares a recusa em atender pessoas trans por seus nomes sociais, nomes retificados em documentos. Há casos em que o homem trans fica grávido e é atendido por uma enfermeira ou médico por seu nome antigo, o que causa constrangimento e trauma. Ou até em cartórios ou no Instituto Médico Legal (IML), onde tratam a pessoa trans que morreu por seu nome antigo, tirando toda a dignidade e luta daquela pessoa que sempre viveu à beira da morte e da crueldade humana.

Em Alagoas, não é diferente. A reportagem tentou contato com assessorias de diversos órgãos de segurança pública, de perícia, da saúde, dos direitos humanos, e nenhum deles atendeu o chamado ou não tinham informações precisas sobre a vida de travestis e transexuais no estado. A alternativa foi tentar contato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Por serem excluídas, as travestis acabam se escondendo nas sombras ou nas sombras da sociedade alagoana. A maioria dos dados, nem todos suficientes, já que há subnotificações ou são retirados a partir do que foi publicado na imprensa, são organizados por ONGs, instituições filantrópicas ou centros de acolhimentos.

Pesquisa traz dados sobre violência contra pessoas LGBT no Brasil

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) é uma das instituições que fazem o papel dos órgãos públicos de verificar, pesquisar e organizar dados sobre travestis e transexuais no Brasil. A equipe utiliza um mecanismo tecnológico que pesquisa informações dos assassinatos e violências dessa população a partir do que foi divulgado na mídia e também por meio de denúncias.

Paloma Marques vendo a própria foto tirada pelo fotógrafo Celso Brandão (Foto: Jamerson Soares/Olhos Jornalismo)

Esse acompanhamento é necessário anos após anos para medir a proporção desses crimes contra a população trans e fazer com que a sociedade reflita sobre as suas ações e preconceitos no cotidiano, como também propor políticas públicas. Até porque a pessoa que mata uma travesti está inserida em uma sociedade que compactua com a cultura machista e transfóbica, que é ensinada desde a infância a rejeitar o que é diferente do gênero de nascimento.

Segundo dados da associação, em 2021, cerca de 140 assassinatos de pessoas trans foram registrados, sendo 135 travestis e mulheres transexuais e cinco casos de homens trans e pessoas transmasculinas.

Alagoas ficou em 16° no ranking de assassinatos por estado, com dois casos. Em 2020, o estado registrou oito assassinatos, ficando em 6° lugar. Isso significa que houve uma queda no número de mortes. Lembrando que são números visíveis na imprensa e em outros canais para obtenção de informações. É possível que mais travestis e transexuais tenham sido assassinadas, mas que não foram registradas.

São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2021, com 25 assassinatos, e se manteve no topo do ranking pelo terceiro ano consecutivo. Além de São Paulo, Bahia, Ceará e o Rio de Janeiro estão entre os cinco primeiros com maior número de assassinatos desde 2017.

Ainda em 2021, o Nordeste apresentou queda, enquanto as demais regiões apresentaram aumento no número de assassinatos. Na região Sudeste, 49 assassinatos foram registrados, o que equivale a 35% dos casos. Em seguida, a região Nordeste, com 47 casos (34%); Centro-Oeste, 15 casos (11%); Norte, 14 casos (10,5%) e o Sul, com 13 casos (9,5%). Em 2020, o Nordeste registrou 43%. Mesmo com a queda de casos, a região se manteve como a segunda região que mais mata pessoas trans no Brasil.

O levantamento também mostra que a idade média das vítimas é de 29,3 anos. Cinco vítimas tinham entre 13 e 17 anos, 53 vítimas tinham entre 18 e 19 anos; 28 vítimas tinham entre 30 e 39 anos; 10 entre 40 e 49 anos, 3 vítimas entre 50 e 59 anos; e 1 vítima entre 60 e 69 anos. A maioria dessas pessoas era preta, da periferia, expulsa de casa, de classe baixa e que mora em situações precárias.

Alagoas não tem cirurgia de redesignação sexual

A reportagem tentou contato com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) de Alagoas por e-mail, ligação e WhatsApp, mas os setores responsáveis pelo público LGBT não têm dados sobre a quantidade de trans e travestis que frequentam os ambulatórios e quantos locais como esse são mantidos em Alagoas. A secretaria respondeu por meio da assessoria que o estado não disponibiliza a cirurgia de redesignação sexual, mas não explicou o motivo.

Há dois ambulatórios LGBT em Maceió, no Hospital Universitário e no Hospital Metropolitano, onde são realizados atendimentos para essa população. Os serviços são a hormonioterapia, para pessoas transgêneros, atendimentos psicológicos e psiquiátricos. A secretaria não informou se os locais realizam mais serviços além dos que foram citados.

Solicitamos informações sobre o número de travestis e transexuais que estão sendo atendidas nos três ambulatórios LGBTQIA+ nos hospitais do Estado; a quantidade de pessoas trans que estão no processo de transição em 2020, se a procura por esses postos de atendimento aumentou ou diminuiu; e a confirmação da quantidade de ambulatórios que prestam esses serviços para as travestis e mulheres trans. O repórter solicitou as informações no dia 25 de outubro por meio da LAI, e a resposta chegou no dia 26 de novembro. O órgão respondeu que a solicitação foi encaminhada para outro setor responsável da Sesau. Mais uma vez, não houve envio de dados.

A reportagem conseguiu encontrar no Diário Oficial do Estado (DOE), do dia 19 de abril, uma portaria publicada sobre a definição da linha de cuidados às pessoas LGBT, em especial às travestis e transexuais. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) publicou a portaria número 2.744, de 15 de abril de 2021, que garante a inclusão da população trans no atendimento em postos de saúde e na realização do processo transexualizador pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O processo transexualizador assegura o atendimento integral de saúde às pessoas trans, incluindo acolhimento, uso do nome social, hormonioterapia e cirurgia de redesignação sexual. Não há informações se as cirurgias já vêm sendo realizadas, de fato, no Estado.

Segurança pública do Estado

A reportagem entrou em contato com a Segurança Pública do Estado (SSP-AL) por meio da assessoria do órgão e também pela LAI, para saber sobre o número de assassinatos de pessoas trans em Alagoas, mas não obteve retorno.

Perícia Oficial de Alagoas

Entre os órgãos procurados, apenas a Perícia Oficial de Alagoas respondeu a reportagem com alguma informação sobre o assunto. A solicitação foi feita no dia 9 de novembro e a equipe respondeu dois dias depois. Foi solicitada a quantidade de assassinatos de travestis e mulheres transexuais, o número total de crimes de violência e quais os motivos, como também as causas das mortes, a exemplo de arma de fogo, objeto cortante, faca, estrangulamentos, entre outros.

O órgão respondeu que o Instituto Médico Legal de Alagoas, formado pelas unidades de Maceió e Arapiraca, realiza os atendimentos de acordo com o sexo biológico definido na certidão de nascimento, que refere-se à convenção social que designa como masculino, feminino e intersexo o gênero de pessoas, segundo a aparência morfológica dos seus genitais.

Diz o comunicado enviado pelo órgão: “Informamos ainda que o preenchimento desses registros são realizados, respeitando as normas do Ministério da Saúde implantadas, desde 1976, através do modelo único de Declaração de Óbito (DO) para ser utilizado em todo o território nacional, como documento base do Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM. Por fim, esclarecemos que não existe uma legislação vigente tanto no âmbito federal ou estadual que garanta às pessoas LGBTQIA+ a inclusão da identidade de gênero na declaração ou certidão de óbito”. O IML de Alagoas também não possui dados estatísticos de pessoas trans.

Secretaria de Estado do Trabalho e Emprego

Por fim, a reportagem tentou obter dados, junto à Secretaria de Estado do Trabalho e Emprego, sobre empregabilidade de travestis e transexuais em Alagoas. O órgão informou que buscou dados junto ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) para verificar se acaso consta algum registro das informações requeridas, mas não obteve sucesso na pesquisa, o que significa que não há dados sobre a população trans no sistema.

Como vimos, a violência às travestis e mulheres trans se estende aos mais diversos campos da sociedade, até em áreas institucionais. Porém, a violência não só é dos cartórios e do IML, por não colocarem os nomes sociais delas nos registros, mas também da própria família que as enterra com roupas masculinas, por exemplo.

Ocupando espaços

Por outro lado, vem crescendo a quantidade de pessoas trans ocupando espaços que antes não eram acessíveis, como universidades, na saúde, púlpitos políticos, em concursos públicos, em empresas privadas, dentre outros. A assistência a essa população também vem se estabelecendo, inclusive em Alagoas.

Em 2013, o Estado criou o Conselho Estadual de Combate à discriminação e promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (CECD/LGBT), órgão colegiado de caráter deliberativo e integrante da estrutura básica da Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos. Esse conselho tem a finalidade de propor, acompanhar, monitorar, fiscalizar e avaliar políticas públicas para o público LGBTQIA+, destinadas a assegurar a essa população o pleno exercício de sua cidadania.

Também em 2013, o Ministério da Saúde elaborou e publicou a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, instituída pela portaria número 2.836, de 1º de dezembro de 2011, e pactuada ela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), conforme resolução número 2 do dia 6 de dezembro de 2011, que orienta o Plano Operativo de Saúde Integral LGBT. A Política LGBT é composta por um conjunto de diretrizes cujo objetivo é propor estratégias e metas sanitárias.

A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) de Maceió também tem investido em palestras, seminários, eventos e ações em prol da população LGBT, especialmente às travestis e transexuais. Os eventos geralmente acontecem em datas que lembram a luta da comunidade LGBT contra o preconceito e a falta de políticas públicas, como o mês de combate à LGBTfobia.

Audiências públicas também vêm sendo feitas na Câmara dos Vereadores de Maceió junto a políticos, movimentos sociais e conselhos municipais. No dia 27 de setembro de 2021 houve uma audiência com líderes de movimentos sociais, representantes governamentais e integrantes de ONGs, para discutir saúde, educação e segurança para a população LGBT.

Atualizações:

  • Em julho de 2022, Paloma contou que mudou-se para uma localidade em Ipioca, bairro de Maceió. Ainda está casada com Tatá e vivendo de costura e decoração de pousadas. Ela também disse que vendeu sua antiga casa em Porto de Pedras porque queria tentar outra vida em outro lugar. Paloma segue cantante.
  • Em setembro de 2022, Celso Brandão publicou um livro de fotografias chamado Velas.

Este conteúdo integra a série “O voo de Paloma” que conta a história da artista trans alagoana que enfrentou o mundo para ser o que se é: mulher!

Veja a 1ª reportagem clicando a seguir: O voo de Paloma: a trajetória da artista que enfrentou pressão familiar, preconceito da sociedade e outros abusos para ser livre

Confira a 2ª matéria aqui: Paloma Marques: o direito de amar da artista trans alagoana que atravessou fronteiras

 

Jamerson Soares

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