Paloma viajou com o namorado para Recife, Rio de Janeiro, Suíça e Tailândia, entre outros lugares

Tudo por amor. Para sobreviver e conquistar o mínimo de liberdade, já que com a família não podia estar, Paloma Marques decidiu fugir para Maceió. Antes de ser adotada por Maria Consuelo, teve que lutar para conseguir abrigo. Ela conta que as coisas aconteciam muito rápido na vida dela, por isso não lembra exatamente o ano dos acontecimentos, mas lembra que na época que fugiu para a capital conheceu Kennedy, que era filho do dono do circo Loyde Maciel. Paloma e Kennedy se apaixonaram e tiveram um romance.

Ela foi ao picadeiro, viu o amado no palco e se encantou. Os dois conversaram e ele a convidou para morar no circo. Ficou menos de um ano. Ela também conseguiu estadia e um trabalho no Circo Birinho. Nos dois circos, Paloma cantava, dançava, animava a plateia, como também trabalhava como artista de suspensão capilar, profissional que faz acrobacias no ar presa aos cabelos. A artista viajava com os circos por Maceió e por cidades do interior de Alagoas e de Pernambuco.

“Eu fugi porque eu me sentia muito pressionada pela minha família, meus vizinhos, muito presa, eu queria a minha liberdade e fazer o que eu bem quisesse. Eu também precisava de amparo, ficar em um canto para dormir, eu não podia sair à toa, tinha que ficar em algum lugar”, explica.

Foi em uma dessas viagens, no Recife, que Paloma perdeu uma grande quantidade de seus cabelos. Ela conta que o cabelo alcançava a altura da cintura e uma mulher passou um produto químico nele fazendo com que caísse quase tudo. “Só restou quatro dedos de cabelo”, lamenta.

Da mesma forma que Maceió se tornava um polo turístico e era um espaço de muita confraternização à noite, ela também estava sendo palco para assassinatos de travestis e mulheres transexuais nas avenidas. A cidade estava ficando muito violenta para a comunidade LGBTQIA+. Por causa dessa violência, e também por Paloma gostar muito de sair, Consuelo a superprotegia.

Anos depois, Paloma conheceu Eduardo. Ele foi seu namorado por quatro anos. Na companhia dele, Paloma conta que viajou para Recife, Rio de Janeiro, Suíça e Tailândia, entre outros lugares. O problema é que Eduardo era muito ciumento e ela vivia fugindo dele porque se sentia muito presa.

Paloma está no banheiro da casa contando de lá o que viveu. Termina de relatar suas vivências e toma banho cantarolando a música A Paixão, da cantora Rosana. Depois de tomar banho, com a toalha cobrindo o corpo, vai até a cômoda, abre a gaveta e pega álbuns de fotos. Há retratos que revelam sua fisionomia e o comportamento nos final dos anos 90, começo dos anos 2000 em diante. Há também retratos de amores da vida de Paloma. Uma foto, por exemplo, é do Canadá, de um jovem garoto, branco, olhos grandes e fundos, cabelos lisos, com corte chanel. “Esse foi o amor da minha vida”, diz ela, ao rever o retrato.

A ex-circense é casada com um jovem chamado Clayton, mais conhecido como Tatá. Paloma conta que conheceu Clayton em uma festa realizada na cidade de Porto Calvo, em 2015, local onde ele nasceu. Ela estava na região, quando sentiu que estava sendo seguida por três homens, um deles era aquele que se tornaria o seu marido. Paloma parou no meio do caminho, olhou para trás e perguntou à Clayton, que na época mudou o nome para Pedro, o que ele queria. Ele disse que estava apaixonado por Paloma e que queria conhecê-la.

Inicialmente, Clayton, à época Pedro, disse que tinha 20 anos. Ambos se encontravam às escondidas. O motivo de se encontrarem às escondidas não foi dito por Paloma, mas ela disse que anos depois descobriu pela mãe dele que Clayton tinha apenas 14 anos. Paloma não sabia que ele tinha essa idade porque “Clayton é muito alto e com aspecto de maior de idade”. Ela confiou na palavra do amado.

No mesmo ano que conheceu Clayton, Paloma estava em um relacionamento com outro rapaz. O relacionamento estava chegando ao fim porque Paloma não gostava mais dele e ele também demonstrava não estar mais envolvido.

Porto de Pedras, litoral norte alagoano, vista de cima (Foto: Divulgação)

Clayton era adolescente, fingia chamar-se Pedro e mentia ter 20 anos. Depois de descobrir toda a verdade, Paloma não quis mais ficar com Clayton, preferiu se afastar, mas Clayton sempre insistia, querendo algum compromisso com ela. Paloma cedeu. Os dois completaram seis anos de união em 2021, sendo quatro deles morando juntos. Clayton mora na casa de Paloma em Porto de Pedras, mas frequentemente tem ido a Porto Calvo para passar, segundo ele, os dias com a família e amigos da região. É perceptível a preocupação e o ciúme de Paloma quando ele viaja para lá, mas ela aceita. “Ai, ele me beija com tanto carinho, devagar, é como se minha alma também fosse beijada”, comenta Paloma.

A parceria com Vera Arruda

Tentando cavar suas memórias, Paloma fala dos momentos em que trabalhou com Vera Arruda, a primeira estilista alagoana de projeção nacional, com marca própria e loja prestigiada em São Paulo. Há uma relação entre seu trabalho e o trabalho de Vera. Ambas criavam peças de roupa utilizando artesanato alagoano,  como rendas.

Vera Arruda, alagoana de Palmeira dos Índios, nasceu em 9 de julho de 1966. Criada no bairro de Jatiúca, frequentou lugares da elite alagoana. Em 1986, aos 20 anos, foi Miss Alagoas. Ela morreu em 2003, aos 38 anos, por não resistir ao tratamento contra um câncer. Paloma conheceu Vera na capital alagoana. Segundo ela, ambas eram bem jovens, mas ela não lembra o ano nem a década do encontro. Vera Arruda morava na mesma rua onde Maria Consuelo, mãe adotiva de Paloma, residia.

“Eu costurava almofadas, decorava festas, muitas festas, inclusive em algumas das festas da antiga boate Middô. Nos encontramos em uma dessas ocasiões, mas não tínhamos inicialmente muita intimidade”, disse Paloma.

A primeira vez que Paloma encontrou, de fato, Vera Arruda, foi em uma loja de design e decoração, um antiquário chamado “Art Design”, que tinha como proprietária a artista plástica e colecionadora de arte popular, Tânia Pedrosa. Paloma estava confeccionando uma toalha de renda, tinha feito algumas almofadas e ajudava com tarefas de costura no estabelecimento, quando ela chegou no local. “Ela soube que eu estava fazendo essas toalhas e chegou lá. Vera ficou encantada com a peça que foi feita, perguntou quem fez e tudo”.

Uma vez, na época, ainda na capital, Paloma visitou uma amiga em um prédio de luxo na orla marítima. Estava vestida elegantemente, com um vestido de renda e um boné feito com o mesmo tecido, uma espécie de viseira feminina. Entrou no prédio, subiu alguns andares, bateu na porta e, enquanto esperava ser atendida, encontrou com Vera nos corredores do edifício.

“Ela olhou para o meu boné e perguntou quem tinha feito. Ela ficou olhando por minutos. Eu disse que fui eu que tinha feito. Ela disse que gostou do que eu fiz. Foi a partir desse momento que a gente se conheceu melhor, fez amizade e começamos a ter uma relação de trabalho. Foi o auge. Eu fazia top, bonés, vestido, tudo com a Vera”.

Vera Arruda, famosa estilista alagoana, falecida em julho de 2004 (Foto: Divulgação)

Para se ter uma ideia, cerca de 500 bonés foram feitos por Paloma para um desfile que Vera Arruda realizou em uma casa da família. Paloma não lembra onde e quando o desfile aconteceu, mas disse que não conseguiu estar presente. Paloma não teve mais contato com Tânia Pedrosa nem com Consuelo.

Monólogo de uma donzela em um bar

É um sábado quente, com muito sol, poucas nuvens e um movimento intenso de turistas passeando em bugres pela avenida. Paloma decide ir ao restaurante e bar do Gil, um dos points mais antigos e conhecidos da cidade.  Fica perto da casa dela. Às 13h, Paloma chega ao bar vestindo a mesma saída de praia longa da cor vermelha, sandália rasteira rosa pink com pedrarias em forma de flores.

Quem está no bar para o que faz e olha para ela. Alguns olhares são de reprovação. Há pessoas nas mesas cochichando. Através de leitura labial, vimos que alguns tentam adivinhar se ela era homem ou mulher. Ela fala com todo mundo sem pudor, mesmo sem conhecer. Abraça todo mundo com um sorriso no rosto sempre maquiado.

Paloma senta em uma das mesas, bebe quatro cervejas e lamenta a ausência do marido em seu aniversário, que está na casa da irmã em Pernambuco. Logo depois, envia um áudio para o amado por meio do WhatsApp:

“Eu preciso viver, eu não quero ser contrariada, não quero ser machucada, não quero ser beliscada. Detesto beliscões. Não quero saber de ninguém, só quero saber de você. Se você não me olha com tantos defeitos, eu tento consertar outros erros. Eu preciso ser feliz, meu amor, e eu não tenho tempo para ficar esperando. Eu quero viver o momento, eu quero fazer o que eu quero, o que eu gosto, ao lado da pessoa que eu amo que é você, mas se não for possível, você me libera para eu viver as emoções. Eu entendo que você não gosta daqui, mas eu vou vender a casa pra gente morar em outro lugar. Mas pense direitinho, meu amor. Eu queria ter 15 anos para satisfazer todos os teus desejos. Te amo, até depois.”

Rainha de Porto de Las Piedras

Já é domingo, faz 31 graus em Porto de Pedras, temperatura considerada muito alta no estado. Calor, chão de asfalto quente, é possível ver alguns vizinhos sob o marasmo debaixo de suas casas recebendo um pouco de ar. As casas são sempre próximas umas das outras. Paloma decide almoçar novamente no bar do Gil. No caminho, motoristas buzinam ao vê-la caminhar. “Palomita” “Paola” “Paula” “Paulinha”, são alguns dos nomes que as pessoas a chamam.

Na frente de uma das casas, duas vizinhas conversam entre elas. Uma das vizinhas olha para a reportagem e fala que conhece a artista há mais de 30 anos. “É uma pessoa boa e alegre, se dá bem com todo mundo”, afirma.

Usando óculos de grau com armação branca e pulseiras nos pulsos, Paloma chega ao bar e esbanja simpatia. Os olhares são todos para ela. “Sou rainha do carnaval de Porto de Pedras. Rainha de Porto de Las Piedras”, afirma, exultante.

Bar do Gil, em Porto de Pedras, Litoral Norte de Alagoas (Foto: Arquivo Pessoal/Bar da Gil)

No bar, há algumas decorações feitas por ela. Proteções feitas de bambu para as lâmpadas, três peças feitas de palha coladas nas paredes, junto com colheres de pau e uma pintura de flores psicodélicas. Paloma fica em uma das mesas e vira para uma família composta por um casal cis hétero e a irmã de um deles. “Amanhã é o meu aniversário e eu tô ficando mais nova. Saúde e fogo, é isso que eu quero”. Todos riem, até quem está nas mesas do outro lado do estabelecimento.

O homem da família a qual Paloma se dirigiu a reconhece. Os pais dele são de Porto de Pedras e viveram a juventude quase toda no município. Ele e a cunhada começam a relembrar do carnaval e dos blocos que Paloma participou, entre os anos 80 e 90. Segundo a mulher, Paloma sempre ia com fantasias que ela mesma fazia, sempre rainha de blocos de carnaval e desfiles de escolas de samba. “Era um abre-alas vivo, ambulante. Se apresentava poderosíssima, era uma festa. Quem fechava os carnavais era ela. Um corpão. Eu nunca vi essa mulher de baixo astral. Eu a parabenizo por resistir tanto tempo”, diz o homem, que tem 47 anos.

Nesse momento, a rainha volta ao tempo, quando tinha os seus 20 a 25 anos. O semblante de Paloma se irradia ao ouvir todos os elogios e as histórias contadas. “No carnaval eu estava na frente de todos. A rainha da cama, a rainha da pista, rainha dos carnavais. Eu abria os blocos e animava. Eu me sinto uma rainha porque as pessoas me acham uma rainha”. Paloma conta que participou dos blocos Filhos do Patacho e Bloco das Quengas. Em Maceió, ela já desfilou pelo bloco Filhinhos da Mamãe, que era organizado por integrantes do Museu Théo Brandão.

O último carnaval que organizou foi na Praia de Patacho, na casa de um homem chamado Guerra, em 2021, feito de forma privada, com poucos amigos, respeitando as regras sanitárias por causa da Covid-19. Ela foi “montada”, com uma coroa alegórica na cabeça, collant rosa e verde, usando um salto alto. Paloma desfilou perto de uma piscina e disse que os organizadores do encontro pagaram a ela um cachê de R$ 2 mil.

Andar esbelto na imprensa

A segurança e o entusiasmo que Paloma sente ao animar o público tem suas raízes. Elas começaram a nascer no circo, mas também teve seu desenvolvimento na TV e no jornal impresso em Maceió.

A artista foi animadora e ajudante de palco no programa do Pell Marques nos anos 90, nos moldes do lendário Programa do Chacrinha, que animava as tardes de sábado na Globo. Era um programa de auditório e de calouros, que convidava artistas, cantores, dançarinos para se apresentarem no palco. Os artistas também se enfrentavam em uma espécie de duelo. Vencia quem era o mais votado entre os jurados e o público.

Paloma era uma vedete no programa chamado Pell Marques Show, exibido na TV Alagoas, no canal 5. Ela dançava junto com outras mulheres no palco. Paloma conta que era um ambiente alegre, profissional, com bastante gente envolvida e elegante, mas era um pouco difícil porque muitas pessoas a ofereciam dinheiro por sexo ou a chamavam para fazer outros trabalhos que ela não gostava.

“Eu e as meninas tínhamos que ir com roupas que mostrassem as nossas pernas e as nossas bundas. Sempre me pediam para ir com roupas sensuais. Era para animar mesmo o público, dançar. Lembro que por eu ser linda e atraente algumas pessoas me chamavam para fazer coisas que eu não acho certo. Eu não aceitava porque eu só fico com a pessoa que gosto”, conta.

Programa do famoso comunicador Pell Marques, nos anos 80 (Foto: TV Alagoas)

A manchete do jornal impresso diário Jornal de Alagoas chamou a atenção de Paloma. Dizia: “Paloma era homem – uma linda mulher de andar esbelto, educação refinada, que usando uma minissaia deixa mostrar suas lindas pernas e chama a atenção da população”. A ex-artista circense relata esse episódio com uma expressão de raiva, que vai se diluindo em um sorriso. É possível ver que ela se sente conformada. Ela não lembra o nome do jornalista que escreveu a matéria nem a data da publicação.

Dias depois, Paloma tomou um susto enquanto caminhava pela Rua do Comércio, no Centro de Maceió. Ela conta que uma grande quantidade de pessoas foi até ela admirá-la, falar e fazer fotos com ela.

“Era tanta gente que acabei entrando em uma loja que ficava ao lado da Lobrás [antiga loja de departamento] e perto do antigo cinema São Luiz, para me proteger. No começo tomei um susto, mas depois me acostumei. As pessoas insistiam e iam até a loja onde entrei. Muita gente me admirava, me reconhecia”, relata Paloma, enquanto coloca cremes nos cabelos, em frente ao espelho, para tirar os nós.

O retrato

É quase noite. Paloma está agoniada e ansiosa para terminar as demandas que devem ser entregues a pousadas no dia seguinte. Ela está fazendo grandes almofadas para os sofás. Sentindo-se pesada e com a mente a mil, Paloma acende a lâmpada fixada a um fio que está pendurado perto da máquina de costura. Com os seios para fora e metade do corpo coberta por uma manta rosa, a artista começa os trabalhos. É possível ouvir o galope da máquina sobre o tecido, fechando frestas e remendando ruínas. Paloma fez isso durante toda a vida.

“Eu sou uma mulher fatal, pego na espiga e no berimbau”. O jogo de palavras e a rima subversiva estão sempre à espreita para acabar com o silêncio e a seriedade. O esquecimento, o lento caminhar e a rapidez com que se cansa são indícios de que a velhice se aproxima de Paloma. Mesmo assim ela não perde o humor.

Há vários espelhos espalhados pela casa. Em cima do armário que fica perto da cama há uma fotografia colada a um dos espelhos que chama a atenção: uma mulher com cerca de 45 anos sorrindo e segurando um bebê. “É minha mãezinha com meu sobrinho”. Paloma gosta de fotografias, tanto é que ainda resistem alguns retratos de seu passado, com amigos, namorados e ela sozinha em diversas ocasiões. Ela desenterra fotografias desbotadas, material que sobrou das enchentes de 2019 e de alguns anos atrás em Porto de Pedras. “Perdi muitas fotos que eu tinha da família, alguns objetos. A casa também sofreu muito com isso. Até hoje tem infiltrações”, conta Paloma.

O som da máquina de costura continua preenchendo os espaços da casa. Paloma interrompe o trabalho para mostrar o retrato dela que Celso Brandão fez em 1993. Ela estava com 31 anos na época. Faz 29 anos, em 2022, que o retrato de Paloma existe e resiste em Alagoas. Ela olha profundamente todos os cantos da foto, como quem revive aquele momento. Os olhos enchem de lágrimas. “Foram tempos muito bons, que pena que não voltam mais. Saudades daquele tempo”.

Paloma pelas lentes do fotógrafo alagoano Celso Brandão (Foto: Celso Brandão)

No dia da foto, Paloma tinha voltado para Porto de Pedras para visitar a família. Ela estava na casa de uma amiga que, segundo ela, era localizada no povoado Tatuamunha. Vestiu seu short curto, seu biquíni, calçou sua sandália rasteira e montou seu grande e esvoaçante cabelo, parecido com o que ela pôs ao conversar com a reportagem, e saiu na rua para se encontrar com mais amigas. No mesmo período, ela estava apaixonada por um rapaz chamado Luís Carlos. Havia também um circo montado na região.

Paloma saiu de um beco com as amigas e, por acaso, se deparou com Celso fotografando os palhaços e os personagens do circo que desfilavam na rua. Paloma e Celso já se conheciam do bairro da Pajuçara, em Maceió. Ela também já conhecia um dos palhaços do circo, pelo qual se encantou. Celso aproveitou que ela estava lá e pensou em fazer um retrato dela na frente de uma casa antiga, onde também tinha galhos secos retorcidos.

“Para mim foi uma coisa normal porque sempre fui fotografada. A minha maneira de ser sempre chamou a atenção. Eu me senti uma rainha sendo fotografada naquele dia. Eu sempre fui muito notada em diversos aspectos. Desde criança fui notada porque eu era diferente dos outros meninos. Aí naturalmente chamou a atenção do Celso também”, explica.

Anos depois, Paloma recebeu o seu retrato impresso em grandes proporções, do tamanho de um quadro comum. O irmão dela, que é evangélico, viu a foto e com raiva o rasgou. “Ele queria que eu virasse homem”. Após o relato, Paloma esmorece e volta com o trabalho de costura até a madrugada.

Diálogo com a prima que vende flau quando tem treino de futebol

Paloma aproveita que a tarde está menos quente e sem chuva para comprar zípers. É uma segunda-feira amena. O material seria usado para as almofadas e ela estava precisando urgentemente. Chegando lá, soube que não tinha e ficou decepcionada. Ela não lembrou, mas tinha comprado zíper e guardado no ateliê, o que recordaria instantes depois.

A costureira aproveitou para ir à casa da Teca, em Porto da Rua, a mesma residência onde Paloma nasceu. A casa é relativamente pequena, modesta, organizada, reformada, com mais de quatro cômodos e um andar de cima. É possível também ouvir uma televisão ligada que exibia a novela O Cravo e a Rosa, dos anos 2000. No momento que Paloma chega na casa, Teca faz flaus para vender aos meninos que jogam futebol em uma quadra perto do povoado. Ela tem cabelo curto, olhar gentil, estatura baixa, uma voz calma e está sempre atenta ao que o outro diz. Teca vende flau a R$ 1.

Ambas se abraçam na cozinha e recordam lembranças que viveram na casa e no povoado. Paloma senta e tenta ligar para um amigo de Maceió para tentar resolver a situação dos zípers. Enquanto isso, Teca começa um diálogo. “A mãe dela vivia maquiada, no quarto, toda maquiada. Igual a ela, do mesmo jeito”, diz Teca, apontando para a Paloma e falando com a reportagem. “Era mesmo. Minha mãezinha completou 80 anos dia 12 de maio e dia 11 de junho ela foi pra o céu. Minha mãezinha”, lembra Paloma, direcionando os olhos para baixo e com expressão de angústia.

“Essa mulher atentou tanto, aperreou tanto, tinha vezes que eu dava cada chega nela da pêga. Eu dava cada chega nela da gota! Ela chegava mentolada, bêbada aqui em casa, aí eu arrochava o pau”, conta Teca, enquanto Paloma, ao telefone, termina a ligação de repente ao ouvir a prima falar algo comprometedor. “Eu conversava, dava umas pressões, aconselhava. Foi não?”, Teca pergunta para Paloma. “A prima tinha que fazer isso, né. Família…”, responde Paloma, com uma expressão menos sorridente, de quem não gostou da lembrança.

A neta de Teca, chamada Kauane, de 14 anos, aparece na cozinha no meio da conversa de forma paulatina, cautelosa. Kauane é uma adolescente meiga, de dentes e sorriso grandes, olhos castanhos cor de mel, de cabelos longos e cacheados. Ela é prima de Paloma, que a abraça forte como quem quer prender alguém nos braços e nunca mais soltar. Risonha, Kauane retorna o abraço e conversa com Paloma genuinamente.

Aniversário de ausências

Ainda é segunda-feira. Durante o dia, mais quente, com muitas nuvens e possibilidade de chuva, Paloma prepara o jantar para receber os amigos. É seu aniversário. Ela não gosta de repetir a nova idade, não gosta que toquem no assunto e diz acreditar, segundo suas próprias palavras, que “ainda é uma donzela, uma adolescente virgem”. Está usando uma calça e blusa com estampa florida.

Está nervosa e ansiosa. O jantar é para comemorar o aniversário e acontece na área externa da casa. Os convidados: um casal de amigos, donos da pousada onde trabalha como decoradora, e uma amiga cis de mais de 20 anos, a Candice, conhecida por Candinha. Um encontro bem intimista.

Uma mesa farta com cheiro de coco queimado com açúcar, pratos e taças, muita cerveja, um vinho de Santa Catarina sabor tropical e um champanhe. Há também bolas como decoração. Ela mesma arruma a mesa com esmero. Um dos convidados é o francês Pierre, casado com Dany, suíça. Ambos estão há dois anos em Porto de Pedras, construindo e alugando pousadas.

À noite, após o brinde de taças, Paloma rompe o silêncio. “Estou completando uma nova idade hoje, estou mais nova, sinto que nasci ontem. Sou uma donzela! Ai como desce gostoso!”, brinca. Todos riem. “Ora, Paloma, você não é mais uma donzela há bastante tempo, viu? Eu já lhe disse. Você está envelhecendo”, diz Dany. “Não, minha Dany, estou uma donzela, tenho 25 anos. Sou linda, gostosa, meu marido me beija devagar e com muito amor”, responde. “Mas você não é mais uma donzela. Falando nisso, onde está seu marido que era para estar aqui no seu aniversário?”, pergunta Dany. Paloma esmorece e fica mais séria, melancólica. “É, né, ele está na casa da irmã, lá em Pernambuco. É bom que ele esteja na casa da família, né”, diz.

Paloma não diz nada, só escuta, como quem já sabe o que acontece, mas não quer comentar sobre o assunto ou não quer aceitar a realidade.

Os ponteiros marcam 21 horas. Os convidados começam a ir embora. Em um dos pratos, dois pedaços pequenos de cocada e um pouco de arroz. Sem pestanejar, Paloma come tudo e ainda reclama de quem deixou a comida. “É porque tem gente passando fome lá fora, né, a gente não pode estragar”.

Minutos depois, Paloma recebe uma ligação de Tatá, seu marido. Por meio de uma videochamada ele deseja feliz aniversário, mas Paloma responde como quem está sozinha, abandonada. Triste, Paloma se despede do amado e desliga o telefone. Ela põe o aparelho em cima da mesa. Copos e taças vazias, pratos sujos, Paloma já bêbada tomando seu último gole de cerveja, as bolas da decoração já murchas. No fundo, a playlist para quem está com o coração partido. A noite corre. Paloma fica sozinha na mesa olhando para a lua por horas.

Paloma entre o sonho e realidade: a arte de Celso Brandão para compor retratos

Com um olhar calmo e fixo ao se direcionar para o repórter, embalado na maresia da praia de Ipioca, e dentro de uma extensa área de manguezal e um largo coqueiral, está o alagoano Celso Brandão, 71 anos, fotógrafo, comunicador visual, documentarista e ex-professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Brandão mora no Sítio Carababa, no litoral Norte de Maceió, entre os bairros de Ipioca e Pescaria, em Maceió, bem próximo ao rio Meirim. Ele é o fotógrafo que fez o retrato de Paloma.

Chegando lá, a reportagem se depara com uma estradinha de terra vermelha batida, que após a chuva transforma-se em um lamaçal.

Na casa de dois andares, espaçosa, com vista para o mar, e cheia de arte popular, o repórter é recebido por dois cachorros grandes, embora dóceis: Babalu e Fulô dão às boas vindas para as visitas esperadas pelo dono da casa. Com gestos suaves, usando óculos redondos de grau e vestindo camiseta de algodão e bermuda, Celso nos recebe na porteira que dá acesso à casa. Silencioso ao primeiro contato, mas prestativo e gentil.

A conversa acontece em sua sala de estar, rodeada de esculturas, quadros de pintura e um piano antigo, além de cadeiras, poltronas e mesas coloridas. Há trabalhos de artistas alagoanos, como a ceramista quilombola Mestra Irineia, do povoado Muquém, em União dos Palmares, e Gilberto das Máscaras, artesão de Tatuamunha, Porto de Pedras, e já falecido. No local, Babalu e Fulô ouvem atentamente a conversa.

“Desculpe, eu estava percebendo uma questão técnica aqui. Eu, como ex-professor, gostaria de dizer, vale a pena investir na lapela para seu smartphone, porque você vai ter uma qualidade superior”, comentou ele durante a conversa, fechando a janela para o som do mar não atrapalhar a gravação. Lapela é um pequeno microfone que fica pendurado perto da gola da camisa, próximo ao peito do entrevistado, e é usado para a captação de sua voz. De fato, o microfone do celular acaba captando muito mais ruídos, o que prejudica o áudio da entrevista.

É uma quarta-feira ensolarada de dezembro, quase perto do verão, a estação mais esperada do ano. Um pouco antes da conversa, Brandão comenta que fez um poema curto inspirado na entrevista, e também inspirado no sonho que teve com a fotografia.

“Eu acordei de um sonho. Eu estava vendo fotografias sépias, fotografando, de um religioso que tinha vivido em um convento antigo, barroco, e era tio de um amigo arquiteto que fez minha casa. Aí eu não sabia se aquilo tudo era sonho ou se era realidade, se as coisas estavam se movendo ou não. Eu comecei sonhando com fotografia, e aí eu me lembrei que vinha uma pessoa hoje falar sobre fotografia”.

Ele parece equilibrar-se entre as tarefas do cotidiano e a leveza inquietante do sonho que a fotografia transmite. “Eu acho que a fotografia te leva a viver nesse estado entre o sonho e a realidade. A realidade que se torna sonho quando vira fotografia”, diz.

É possível sentir o próprio fotógrafo se perdendo em imagens desfiguradas da memória e se encontrando, logo depois.

O menino urbano com raízes do interior

A veia artística e imagética de Celso vêm desde a infância, influenciado pela vida boêmia própria dos bairros da capital alagoana, pela pintura e sempre acompanhado de literatura e cinema.

“Desde pequeno adotei esse mundo. Passei a me interessar por imagens, por arte, muito pequeno, desde a infância. Acho que o marco foi o meu jardim de infância, porque foi quando tive contato com tintas e massas. E também na Pajuçara, nas matinês de cinema. Eu tinha uma mãe que estudava escultura e um pai que gostava muito de literatura e cinema”, conta.

Celso tem uma fala branda, com nuances, uma junção de notas lentas e inacabadas com um jeito de expressar feito corpo que mergulha no mundo das coisas. Cada palavra ou frase é devidamente pensada. A memória de décadas ora desvanece ora é recuperada, se perde no caminho e depois emerge no olho do entrevistado. Há uma escultura de grande porte próxima a um sofá, bem confortável, reverenciando quem olha de volta. É um tipo de carranca de cores pretas e azul. Todas as obras da casa parecem se envolver na conversa, vigiando o anfitrião.

Aos 13 anos, o fotógrafo ganhou uma câmera de presente de Natal. Foi a partir daí que ele começou a captar imagens e a sentir que aquilo podia ser um caminho. Nascido em Maceió, em 1951, Celso fez suas primeiras fotos e vídeos no quintal da casa da avó, em Viçosa, e também nas ruas da cidade. Foi para Recife em 1972 e ficou na cidade cerca de nove anos para cursar desenho industrial e comunicação visual, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Anos depois, voltou para Maceió e ingressou na Universidade Federal de Alagoas, como professor de fotografia.

Celso acredita que ter nascido na parte baixa de Maceió e ter a vivência no interior de Alagoas onde, nos anos 50 e 60, havia muitos folguedos, entre eles, centenas de grupos de Guerreiro, e um celeiro de arte popular, contribuiu para a construção do seu olhar na fotografia. Aos sete anos, ele também participou do pastoril da matriz de Viçosa com sua avó e transitou com olhar atento pelas feiras de Delmiro Gouveia e Água Branca, no sertão alagoano, por volta dos 19 anos.

“Foi uma experiência inesquecível. Subi no palco para me apresentar”, lembra. Ele recorda ainda da relação que seu pai tinha com cultura popular. “Meu pai tinha um primo que era o Dr. Theo Brandão [conhecido pesquisador e folclorista alagoano]. Meu pai tinha uma coleção de arte popular. No gabinete dele tinha uma estante que ocupava a parede inteira. Tinha muita arte na frente dos livros”, lembra Celso.

Para ele, os retratos são testes que todo fotógrafo tem que passar para, finalmente, ser identificado como um fotógrafo. Ele também conta que os artistas são pessoas mais abertas ao diálogo, às imagens, porque eles têm um trabalho a mostrar. “O retrato é a prova dos nove do fotógrafo, porque é onde ele se desnuda como pessoa, como agente. Meu trabalho também está mais focado em biografias de artistas da cultura popular, abordagens sobre artistas.” Celso acredita que fotografa pessoas quando se identifica com elas. Quando elas chamam a atenção pela beleza, pela personalidade, pelas atitudes no local onde reside e por seus comportamentos.

A santa, o palhaço e o fotógrafo

É 1993, povoado Porto da Rua, São Miguel dos Milagres, litoral alagoano. Faz sol com poucas nuvens e muita gente voltando da praia. Carros com turistas passam para lá e para cá. Pousadas cheias. O encontro improvável e casual entre as pessoas envolvidas no retrato de Paloma está prestes a acontecer no meio de uma das ruas do vilarejo.

Antes do retrato ser feito, Celso estava em Tatuamunha, povoado também localizado no litoral norte do estado, em Porto de Pedras. Foi visitar o seu amigo de longa data, o Gilberto das Máscaras, artesão de arte popular que também era pescador e pedreiro. Celso terminou a visita na casa de Gilberto e decidiu voltar para Maceió. No caminho de volta, o fotógrafo, que é curioso por natureza, acabou parando em Porto da Rua para fazer fotos de um cortejo de um circo que havia chegado recentemente no povoado.

No meio da rua é possível ver um amontoado de crianças rindo, a estrada repleta de confetes, palhaços, dançarinas, carros de som alegóricos anunciando a chegada do circo e o horário do início dos trabalhos. “Hoje tem espetáculo, às sete horas da noite. Hoje tem show, não percam”, anima um dos locutores.

O fotógrafo se aproxima desse cortejo e começa a fazer fotos do sorriso das crianças, do gracejo dos pais, dos palhaços e ouve atentamente o barulho do mar. Nesse momento, surge de um beco, que serve como atalho para a entrada da praia, uma garota com cabelos grandes e cacheados, olhos castanhos claros, vestida com um top e um short, roupas artesanais, feitas por ela mesma. Ela estava acompanhada de amigos.

Celso olha para o lado, contempla a luz que vibra da imagem de Paloma, e tem a ideia de fazer um retrato dela. O retrato foi feito depois que ele fotografou o palhaço. “Chiquíssima, como sempre”, Celso diz, sorrindo e nostálgico, ao falar sobre o momento. “Quando fiz o retrato de Paloma eu senti que era um retrato que tinha muita força. Está parecendo uma santa ali”.

“Ela e o palhaço se conheciam e se abraçaram. Fotografei eles abraçados, mas não encontrei ainda as imagens. Foi uma alegria. Fotografei o palhaço e depois pedi a Paloma para ficar na frente de uma fachada para tirar uma foto dela. Ela subiu, pulou em cima do muro, e fez aquela pose, que me lembrou muito a pintura Madonna di San Sisto, realizada pelo artista italiano Rafael Sanzio. Só não tinha o bebê no braço”, conta o fotógrafo.

Paloma foi captada  por uma Mamiya RB 67, uma câmera de médio formato, robusta e pesada. A câmera é utilizada em estúdio e geralmente apoiada em um tripé, mas ele resolveu levá-la para a rua, na mão, como uma câmera convencional. “A escolha pelo preto e branco foi por considerá-lo mais genuinamente fotográfico, com um tempo de permanência mais duradouro que a foto colorida e também pela possibilidade de processar pessoalmente, em meu laboratório caseiro, tanto o negativo, quanto a cópia positiva, segundo meus critérios estéticos”, explica.

“Conheci Paloma como a travesti da Pajuçara”

O fotógrafo também lembra que depois de ter feito o retrato de Paloma, percebeu o quanto ela é romântica, daqueles amores de perdição, um amor sofrido. Paloma só pensa no grande amor da vida. Ele já a conhecia de Maceió, não a via há uma década, mas só teve a oportunidade de fotografá-la em 1993. Celso tinha 42 anos.

“Eu conheci Paloma como a travesti da Pajuçara. Naquela época, Maceió ainda era pequena. A conheci como uma exímia costureira, considerada por Vera Arruda e Tânia Pedrosa como alguém que executava peças de alta costura”, conta.

Celso também conta que a relação entre ele e Paloma é muito brincalhona, porque Paloma é alegre. Ele até voltou à região anos depois e realizou uma sessão de fotos com Paloma. Ela foi retratada nua. O fotógrafo fica surpreso ao saber que Paloma ainda resiste no mesmo local, trabalhando como decoradora de pousadas e estilista. “Que sorte Paloma estar viva. Na época, as travestis eram assassinadas em Alagoas. Eram assassinadas como se fosse uma brincadeira. Uma barbárie”.

A caixa-preta de Celso Brandão e o elo perdido com Maceió

Celso expressa um ar de angústia ao falar sobre a publicação de fotolivros em Alagoas. Ele lembra que naquela época era difícil uma gráfica publicar algo autoral e ainda mais com fotos em preto e branco. Para ele, o documentarista em cinema e o fotógrafo já têm o senso inato das coisas que tendem a desaparecer. “Porque o mundo é efêmero”. E para as coisas não desaparecerem, o fotógrafo executa seu ofício: para o fotografado não perder a memória e o sentido de pertencimento, Celso capta a essência daquele momento do fotografado e transforma em eternidade.

Esse mesmo cuidado é visto em Caixa-preta, fotolivro publicado em 2016, pelas editoras Madalena e Contrasto, cujas fotos compõem a exposição Celso Brandão: Caixa-preta, que foi apresentada na Maison Européenne de la Photographie, de junho a agosto do mesmo ano. “O retrato de Paloma é um dos meus trabalhos preferidos. Foi a maior fotografia em diâmetro. Eram duas salas compridas, e o retrato ficou sozinho em uma das salas”, lembra Celso sobre a participação do retrato de Paloma na exposição.

A foto de Paloma está na página 55 do livro e compõe o acervo antigo de Celso, com mais de 80 fotografias feitas durante a trajetória do artista. O livro demorou dois anos para ficar pronto. No livro, há na contracapa informando que a produção da obra teve a contribuição de Miguel Rio Branco, Pierre Devin, Fábio Karla Melanias, Márcia Mello, Fábio Settimi, entre outros.

“Na época em que eu estava procurando um título para o livro estava caindo muitos aviões, e a caixa-preta era o que restava de memória dos aviões depois do desastre. Preto e branco representam o meu passado fotográfico, tudo que está em caixa-preta está relacionado a minha vida. Está tudo dentro do meu universo aqui em Alagoas, no Nordeste”, explica Celso.

O retrato de Paloma passou por Paris, Brasília e Rio de Janeiro. Durante o percurso das exposições no Rio, o retrato desapareceu e não se sabe o que provocou o sumiço. “Até hoje não se sabe onde está a foto original. Não tem outra cópia, só a que está no livro Caixa-Preta”, conta.

Atualmente, Celso Brandão tem trabalhado com arquivos de fotos e vídeos antigos no laboratório existente em sua casa. Documentários de curta duração sobre artistas da cultura popular de Alagoas são publicados por ele mesmo no seu perfil do Instagram. Ele também tem trabalhado com documentários, por exemplo, o professor Edson Moreira, professor e historiador que montou em casa uma espécie de museu sobre a cultura africana no Brasil. Um novo livro de fotografias coloridas sobre o Baixo São Francisco, intitulado Velas, coordenado pelo francês Pierre Devin, também está sendo finalizado, mas até o fechamento dessa reportagem não havia uma data para a publicação.

Questionado sobre a vivência em Maceió referente à fotografia, Brandão desabafa que sente que está perdendo um elo grande com a capital, que ele não reconhece mais a cidade e está indo aos centros urbanos com menos frequência. “Moro aqui há 30 anos e estou indo a Maceió cada vez menos. Não reconheço mais a minha cidade. O centro da Cidade, por exemplo, está uma decadência, uma tristeza, não fotografo mais por medo”.

Nove minutos sobre o retrato de Paloma

Outra pessoa que conheceu a “rainha de Porto de Pedras” foi Rafhael Barbosa, jornalista e cineasta alagoano. Ele é diretor do curta-documentário Um retrato de Paloma, com duração de nove minutos, realizado em 2016, com imagens de Paulo Silver, entrevista e fotos do próprio Rafhael e de Ítalo Rodrigues. “O filme aconteceu no dia em que fui de passagem a Porto de Pedras. Paloma é muito conhecida por lá e muitas pessoas comentavam sobre ela. Então fomos lá gravar. Ela é uma figura”, lembra o cineasta e ri.

O documentário mostra simultaneamente o retrato de Paloma e ela mesma contando histórias da época em que a foto foi feita. Em todo o seu discurso, percebe-se que existem o romance e o amor na base de sua vida. Paloma fala sobre suas vivências amorosas e um pouco da infância e dos momentos entre família que foram registrados por meio de fotos.

“Eu amo muito e sofro mais ainda. No momento da foto, como sempre, eu estava apaixonada. Eu estava vivendo um romance muito bonito, o nome dele era Luis Carlos”, conta Paloma no filme.

No começo do curta, Paloma resume bem sua vivência no mundo quando canta um pedaço de A Paixão, música de Rosana, que diz: “A paixão é um vício que não quer passar, me faz fugir, depois voltar. E é por isto que eu preciso desse novo amor”.

Este conteúdo integra a série “O voo de Paloma” que conta a história da artista trans alagoana que enfrentou o mundo para ser o que se é: mulher!

Veja a 1ª reportagem clicando a seguir: O voo de Paloma: a trajetória da artista que enfrentou pressão familiar, preconceito da sociedade e outros abusos para ser livre

Confira o conteúdo final: Em um estado hostil contra pessoas trans, Paloma Marque é símbolo de resistência

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