Josenildo Ferreira, 18, Josivaldo Ferreira, 16, Humberto Thiago, 23. O que esses nomes têm em comum? Todos são jovens e foram vítimas das ações danosas e cruéis de agentes da segurança pública de Alagoas que deveriam garantir a preservação das suas vidas. 

Walkides Santos foi baleado e preso sem provas pela PM-AL (Foto: Arquivo Pessoal)

Os nomes deles voltaram a aparecer e foram lembrados após o caso do gari Walkides Santos da Silva vir à tona. O profissional ficou 15 dias internado no HGE, onde passou por um procedimento cirúrgico decorrente do tiro que levou da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL).

A situação que envolveu Walkides reacendeu o alerta para a frequência em que esse tipo de violência acontece. O trabalhador da limpeza urbana foi baleado nas costas quando chegava de uma consulta em um posto médico na Vila Emater, em Jacarecica, onde mora com a família. Ele foi acusado por policiais da Rondas Ostensivas Táticas (Rotam) de envolvimento com o tráfico de drogas  e levado algemado para o HGE, permanecendo até o final do último mês, quando teve a prisão preventiva revogada pela justiça. Isso só aconteceu após intensa agenda de manifestações da sua família, amigos e lideranças comunitárias da região.

Infelizmente, para Davi da Silva, de 17 anos, que desapareceu após uma abordagem da PM-AL no conjunto Cidade Sorriso, o final foi diferente. O primo do adolescente, o professor de Filosofia Magno Silva conta que quase oito anos se passaram desde o sumiço forçado e a família ainda clama por justiça.

“Nós acreditamos que haverá uma solução positiva, e a família precisa lutar e continua lutando para que esse tipo de situação não aconteça com mais nenhum jovem. No fundo, não é apenas uma luta por Davi, é uma luta por toda juventude, é uma luta por todos que já sofreram violência policial, é uma luta pelo fim do racismo”, ressalta Silva. 

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Ainda para o educador, o adolescente foi vítima, antes de tudo, do racismo estrutural na sociedade que se reflete, muitas vezes, nas práticas escusas de alguns agentes da segurança pública. 

“Ser periférico e negro já é um motivo de suspeição, infelizmente. E é claro que isso é uma expressão, em grande medida, de racismo e de um entendimento elitista da sociedade. Na realidade gastamos milhões com insegurança, quem realmente tá seguro são os donos do poder econômico, no final das contas pagamos a segurança deles e os pobres têm como retorno casos como o caso do primo, do Davi”, explicou Magno.

De acordo com Leonardo Carvalho, pesquisador e coordenador de projetos no Instituto Sou da Paz, organização que contribui para a efetivação de políticas públicas de segurança e prevenção da violência, pautadas por valores de democracia, justiça social e direitos humanos no Brasil, para entender quais seriam as causa por trás de tantos casos de truculência, é preciso refletir que há um perfil de ocorrência para cada estado. Em 2014, Alagoas, por exemplo, foi considerado o estado mais violento do país, apresentando mais de 2 mil mortes violentas que ocorreram de forma intencional, segundo informações do 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Tem um ponto muito importante que é o processo de formação das polícias, sobretudo aqueles policiais que fazem atividades de prevenção e policiamento ostensivo, a polícia militar. A gente precisa compreender como é o processo de formação dos quadros do efetivo policial para checar como essas pessoas são instruídas a realizar sua atividade. Então, o ideal é que existam protocolos manuais de procedimento que sejam devidamente inseridos na atividade policial, eles precisam entender a forma correta das suas ações; até porque dessa forma, ele se expõe a menos risco e expõe a população a menos riscos e atuam de uma maneira mais profissional

Para o pesquisador, há uma série de fatores para que esses casos continuem acontecendo, passando pela formação do policial, a ausência de processos de reciclagem e o fortalecimento e um trabalho mais eficaz das instituições que são consideradas de controle, como o Ministério Público.

Pesquisador do Instituto Sou da Paz, Leonardo Carvalho (Foto: Reprodução TV Globo)

“Não dá pra falar qual é a causa, acho que são várias causas e a gente precisa ver primeiro qual é a realidade: como essa polícia é formada? Qual o processo de reciclagem de aperfeiçoamento dos policiais? A gente vê que a polícia tem uma estrutura interna pra fazer essa investigação, ok, mas também existe a instituição quem é atribuído o controle externo da atividade policial. O ministério público tem obrigação de fazer o controle externo da polícia, então, é preciso verificar se a polícia tá fazendo sua parte e se o ministério público está fazendo sua parte”, relembrou Carvalho.

OAB e MP acompanham

Em contato com a reportagem do Olhos Jornalismo, a 62ª Promotoria de Justiça da Capital, responsável pelo Controle Externo da Atividade Policial e Tutela da Segurança Pública, informou que existem quase 100 inquéritos abertos contra policiais nesse momento. O MP ressaltou que em todas as notícias de suposto cometimento de ilícitos por agentes da segurança pública, em Maceió, a Promotoria adota as providências pertinentes para a sua apuração, quer na seara administrativa, quando acompanha a efetiva tramitação dos procedimentos correcionais, bem como, no caso de no âmbito penal.

Já a Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Alagoas (OAB-AL) informou que recebeu, dentro de um ano, 25 denúncias de casos de truculência envolvendo policiais militares, cinco delas foram registradas apenas em janeiro de 2022 que, inclusive, resultou em uma morte durante confronto.

Procurando ajuda 

Para denunciar abusos cometidos por agentes da segurança pública em Alagoas, basta procurar a Comissão de Direitos Humanos da OAB-AL, localizada na Praça Monte Pio, no Centro de Maceió. Se preferir, é possível enviar um e-mail para direitoshumanos@oab-al.org.br ou ainda ligar para o telefone (82) 9.9104-7116.

No Brasil, outro meio existente é o Disque 100 que funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o país por meio de discagem gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel (celular). O serviço pode ser considerado como “pronto socorro” dos direitos humanos, pois atende também graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes e possibilitando o flagrante.

O que diz a PM-AL?

Procurada para comentar os casos, a Polícia Militar de Alagoas informou à reportagem do Olhos Jornalismo que, tão logo a Corregedoria Geral da Corporação recebe uma denúncia, abre um procedimento administrativo para apurar os fatos narrados, sempre possibilitando o direito à ampla defesa e ao contraditório.

“Todos os policiais militares da Instituição recebem instruções adequadas que viabilizam o entendimento sobre a qualidade e legalidade na prestação de serviço à população e as unidades da PM estão costumeiramente promovendo aperfeiçoamentos para a tropa, garantindo assim uma formação continuada. A PM reafirma o compromisso pelo trabalho ético em prol da segurança do povo alagoano e o cidadão que se sentir lesado por possível desvio de conduta dos agentes públicos deve procurar o órgão corregedor para que a situação seja devidamente apurada”, diz um trecho da nota.

 

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