Jovem descreve rotina de trabalho e a ausência de assistência das empresas
Texto de Géssika Costa
Fotos: Arquivo Pessoal/Victor Farias
O Brasil assistiu hoje a uma grande mobilização de entregadores de aplicativos que cobram direitos básicos para uma categoria duramente explorada por empresas bilionárias do ramo e que são — mais do que nunca — essenciais neste momento de pandemia do coronavírus.
Em motocicletas e bicicletas, os trabalhadores cruzaram os braços e pediram aos usuários das plataformas que não utilizassem as ferramentas de delivery durante o dia, numa tentativa de chamar a atenção dos donos das empresas.
Apesar das particularidade de cada região, a pauta é única: reajuste de preços, fim de bloqueios indevidos, apoio contra acidentes e o mínimo de dignidade.
Na capital alagoana, a manifestação iniciou na Avenida Dona Constança, na Jatiúca e reuniu centenas de trabalhadores durante toda a manhã. No início da tarde, os entregadores saíram em carreata e com um buzinaço percorreram pontos estratégicos da capital. Da Avenida Amélia Rosa à Avenida Fernandes Lima, no Farol, finalizando o ato no Parque Shopping Maceió, em Jacarecica.
+ Confira no final desta matéria a cobertura realizada no twitter do Coletivo.
Para entender um pouco mais sobre a rotina desses profissionais, a reportagem do O Que Os Olhos ão Veem conversou com Manuela Batista, 30 anos, estudante do curso técnico de música da Universidade Federal de Alagoas e atualmente entregadora de aplicativo. O relato você pode conferir abaixo.
Sou professora de percussão e percussionista no Cenart-AL. Vivia de arte, de dar aula, de tocar. Devido à pandemia do coronavírus, acabei ficando sem fonte de renda. A partir dessa situação, tive que procurar meios para me sustentar, pagar as contas. Foi aí que comprei uma bag para poder fazer essa correria até as coisas normalizarem e focar nos meus projetos. Há cerca de um mês trabalho como entregadora de aplicativo, das 14h às 23h, de terça a domingo. Só para se ter uma ideia apurei menos de um salário nesse período, chegou a R$800 apenas.
Como mulher trabalhando nessa área me sinto como uma loba solitária, pois conheço poucas pessoas, reconheço algumas só de vista na rua. Mas, mesmo com pouco tempo, tenho passado por inúmeros problemas relacionados principalmente a própria pandemia.
Os cuidados mínimos que têm de ter, por exemplo, na hora de entregar o produto ou a comida não existem. Das empresas até os clientes tratam a gente mal, não utilizam máscara e expõem o trabalhador ao risco. Há poucos dias, passei por um episódio que publiquei no storie do instagram. Fui deixar um pedido num prédio e tinham oito homens fazendo um churrasco neste local, estavam todos sem máscara. A entrega não era para eles, mas o grupo agiu como se eu fosse assaltar, levantaram os braços, soltaram piadas. Foi em tom de assédio e preconceito contra mim. Isso dá medo. Tiraram onda e insinuaram como se fosse de alguma gangue. Falaram: “Você é da gangue do Uber Eats, moreninha?”.
E isso acontece principalmente pelo fato de eu ser mulher. Não é fácil chegar num ambiente desses, ir na casa de uma pessoa, pode acontecer alguma coisa.Tanto que cruzo no caminho das entregas com poucas meninas. Nesse tempo que estou rodando só via duas… duas mulheres pretas fazendo entregar. O resto são todos homens. Então há o medo constante de ser assaltado, de assédio, já vi várias pessoas comentando. Inclusive, essa semana, um dos entregadores falou que em determinada região estavam fazendo pedido para roubar a moto da galera.
Além de tudo isso, claro, o valor é muito baixo e a cobrança é muito grande. Hoje eu consigo compreender muitos do que andam como doidos, correndo nas ruas porque existe essa cobrança da pressa. Você que se vire, que dê seu jeito para entregar ali.
Eles não querem saber se você está ali, se vai sofrer um acidente, mas sim, que entregue a comida no tempo que exigem
Espero que esses momentos como o de hoje sirvam de reflexão do abuso que a gente passa diariamente por esses aplicativos. Não há relação de trabalho explícita, pagam o que querem, às vezes a tarifa e a taxa de entrega mudam do nada e a gente não tem a quem recorrer ou a quem falar. Corremos distâncias absurdas por um preço irrisório para entregar. Acredito que mesmo que não haja contrato de trabalho, CLT, a gente precisa se impor, mobilizar e cobrar direitos mínimos que os apps têm que oferecer para quem está nas ruas.
Eu não quero tornar isso minha profissão. Foi a forma que eu encontrei de pagar as contas. Quero estudar, trabalhar com o que gosto, mas por enquanto é o que está dando. Quero condições básicas para a nossa saúde, segurança e financeiro porque o que a gente mais faz é trabalhar para eles.
COBERTURA #Acompanhe
Assim como em diversas cidades do Brasil, em Maceió trabalhadores por aplicativos estão se mobilizando para pedir direitos básicos às milionárias empresas de apps.
Acompanhe por aqui os desdobramentos do #BrequeDosApps #grevedosentregadores na capital. pic.twitter.com/G9EjpYjDIn
— OqueOsOlhosNãoVeem (@oqoonv) July 1, 2020