Por Carla Serqueira – Jornalista 

Eu sei que muita gente não tem a intenção de ofender e reproduz (ainda) estereótipos seduzida pela brincadeira. Mas como nordestina que de uns tempos para cá busca a convivência respeitando todas as diferenças, eu peço: não façam isso. Não brinquem com a representação do povo nordestino como se a miséria fosse identidade. Pensa bem: é cruel.

Nestas festas juninas, em dias seguidos, fui atravessada por esta situação: pessoas muito animadas, eu sei que sinceramente admiradoras da cultura nordestina, cometendo essa gafe: roupa xadrez, comida de milho e dentes estragados.

Sem a menor dúvida, o povo nordestino historicamente é o menos favorecido de condições dignas de sobrevivência. Migrante para fazer o Brasil crescer, seja nas indústrias do Sudeste, seja na exploração da Amazônia nos tempos da borracha. Coronelismo proprietário de almas e destinos; poder público, uma máquina de produzir pobreza e dela se alimentar. Dentadura por gerações foi moeda de troca por votos. Vocês imaginam a violência de empenhar o voto pra poder ter dente?

Saúde pública na zona rural do nordeste por eras e eras nunca foi um direito para trabalhadores e trabalhadoras do campo. A gente que a gente se orgulha em dizer: coloca o nosso alimento na mesa. Chega festa junina, forró, fogos, milho, canjica, fogueira e de onde vem o “direito” de se fantasiar com as marcas do sofrimento, do desfavorecimento e da falta de condições de vida digna que desde que o Brasil virou “civilizado” é roubada da população nordestina? Pergunto pra fazer pensar. Vejo a “brincadeira” ser reproduzida – creio que ingenuamente – por conhecides (vejam que interessante) que não são do nordeste. Porém, a caricatura está sendo também patrocinada pela @prefeiturademaceio.

Nem vou listar o tanto de preciosidade que o nordeste oferece ao país, da culinária à literatura, da ciência ao esporte, dos pioneirismos aos valores perante a vida dificílima. Pessoas sem intenção de ofender que ainda pintam os dentes achando que estão festejando o ser nordestino: não façam mais isso porque é de doer ver os dentes estragados por falta de oportunidades em bocas festivas que nunca provaram o sabor do abandono.

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